Comitê Arte pela Vida luta pelos que vivem com a HIV/Aids no Pará
Voluntários trabalham há 24 anos para garantir carinho, cuidado e doações para as pessoas doentes
A falta de informação e de cuidado podem resultar em um alto índice de pessoas contaminadas com doenças sexualmente transmissíveis, as chamas DSTs. Dados divulgados pelo Ministério da Saúde mostraram que o Pará ocupa o segundo lugar no ranking de estados com o maior número de mortes causadas pelo vírus HIV no Brasil. A pesquisa também revelou que, em 14 anos, mais de sete mil pessoas morreram por complicações decorrentes da Aids no Pará.
Para minimizar esses números por meio da conscientização e para contribuir com mais qualidade de vida às pessoas infectadas pela doença, o Comitê Arte pela Vida luta, há 24 anos, em prol de quem vive com a Aids. O grupo de 90 voluntários e nove coordenadores promove diversas ações ao longo do ano para garantir doações de roupas, alimentos, brinquedos e equipamentos hospitalares a crianças, jovens e adultos assistidos pela Unidade de Referencia Especializada em Doenças Infecciosas e Parasitárias Especiais (Uredipe), assim como seus familiares.
Aproveitando o período de volta às aulas, está sendo realizada uma campanha solidária de material escolar para as crianças de 6 a 16 anos que têm HIV e vivem em situação de extrema carência. O público pode doar cadernos, lápis, canetas, borrachas, apontadores, mochilas, massas coloridas, lápis de cor e papel A4. Conforme explicou um dos coordenadores do comitê, Francisco Vasconcelos, a ação surgiu após o grupo perceber que a epidemia atinge muito mais a camada carente do Estado. “Muitas crianças não têm verba para comprar materiais básicos para estudar e acabavam abandonando os estudos”, informou.
A campanha já existe há cinco anos, segundo Vasconcelos, e alcança cerca de 300 crianças com as doações. Os itens podem ser entregues na rua Manoel Barata, nº 1.501, entre Benjamin Constant e Rui Barbosa, ou fazendo contato pelos números (91) 98280-2188 e (91) 98250-6161. Também é possível doar cadeiras de rodas, remédios e colchões, para que os portadores do HIV fiquem mais confortáveis e tenham qualidade de vida.
O projeto “Arte pela Vida” começou em 1996, após um jornalista e artista ser diagnosticado como uma Pessoa Vivendo com HIV/Aids (PVHA). No mesmo ano, foi realizado o primeiro show "Arte Pela Vida", com uma programação diversificada reunindo música e teatro, incluindo a participação de grandes nomes, como Walter Bandeira, Paulo José Campos de Melo, Jaime Amaral, Jeferson Cecim e outros. Passaram pelo palco, ao longo dos anos, nomes como Anthar Rohit, a drag Babeth Taylor e a Banda Bagaço, o ator Bill Aguiar, Palhaços Trovadores, In Bust, Pedrinho Cavalero, Eloy Iglésias e muito mais.
Só tempos depois o grupo começou a organizar outras ações, com eventos que reuniram voluntários para as festas das crianças, juninas, de Natal e várias datas comemorativas, chamando a atenção da comunidade para a manutenção da dignidade humana. De acordo com o coordenador, a atuação dos voluntários se dá em dois sentidos: assistencialismo, que inclui as doações e o acolhimento; e prevenção, com as ações de conscientização.
“Uma das nossas atividades é acolher as pessoas que acabaram de descobrir a doença. Sempre damos apoio porque esse trabalho é essencial. Às vezes, os próprios portadores do HIV nos chamam para ajudar, quando estão com dificuldades, quando a família não aceita. Em outros casos, a família nos convoca, quando o paciente não aceita sua condição, podendo, em vários casos, desenvolver um quadro de depressão”, comentou. Segundo Vasconcelos, a equipe presta assistência para que o portador possa frequentar consultas psicológicas. Além disso, ele destacou que a equipe do grupo é multidisciplinar, contando com fisioterapeuta, nutricionista e outras áreas.
Um dos resultados positivos ao longo de mais de duas décadas de atuação do grupo é da dona de casa Lucicleide de Abreu, 46. Em 2009, aos 35 anos de idade, ela descobriu que era portadora do vírus HIV e chegou a pesar 33 quilos. Segundo ela, o momento da descoberta teve um grande impacto em sua vida, mas, com o apoio necessário, passou a conviver com a doença. Seus círculos de apoio foram a família, o projeto Arte pela Vida, e também a igreja.
“Todos já estavam preocupados comigo, ninguém sabia o que eu tinha, nem eu. Estava muito magra, meu rosto desfigurado e meu cabelo caiu. Um dia minha mãe disse que ouviu uma voz dizendo ‘HIV’ e foi procurar saber o que significava a palavra. Quando soube veio falar comigo e disse que iríamos fazer exames no dia seguinte. Fui a primeira a chegar. Quando descobri o resultado senti um desespero que não tem como explicar. Achei que fosse morrer. E o pior foi quando a enfermeira perguntou se eu tinha filhos novos, porque eles podiam ter nascido com a doença, fiquei desesperada. Mas os quatro tiveram resultado negativo”, relembrou Lucicleide.
Logo após o diagnóstico, ela conta que foi encaminhada ao Uredipe, onde começou o tratamento. Um ano depois, Lucicleide decidiu ajudar outras pessoas que estavam na mesma situação: foi quando conheceu o projeto Arte pela Vida. “Vi um grupo organizando um café da manhã, que tem todo mês lá na unidade. Pedi para ajudar e um instante depois estava subindo na escada, enfeitando a mesa, colocando a comida, e acabei ficando lá. Criamos um bazar, que me ajudou muito porque estava desempregada. Queria ajudar as pessoas, servir de exemplo para alguém. Nessas horas a gente se sente fragilizado, queria ser força. O grupo foi uma descoberta muito boa”, enfatizou.
Além disso, Lucicleide disse que recebeu muito apoio nas palestras que ocorrem durante o café da manhã. Hoje, ela Lucicleide ainda toma suas medicações, mas está bem, e em março vai retornar a uma consulta para saber mais sobre seu estado. Na opinião dela, ainda é preciso lutar contra o preconceito. Após a descoberta da doença, a dona de casa decidiu expor sua situação a todas as mulheres de sua família, e conta que recebeu muito apoio. “É muito difícil quando existe preconceito, que é o medo de pegar na mão, abraçar, compartilhar o assento. Trabalhei como diarista em uma casa em que meus talheres, copos e pratos eram separados, não podia usar outros”, disse. Na opinião dela, esse é o motivo pelo qual muitos portadores da doença se mantêm no anonimato.
Uma das dificuldades, segundo o coordenador Francisco Vasconcelos, é a precariedade no atendimento público, com a falta de leitos e de medicamentos. Para isso, há uma frente política que trata desses assuntos junto ao Ministério Público, Promotoria e Procuradoria do Pará.
“Nós lutamos muito pela qualidade de vida do paciente, para que ele não precise ocupar um leito de hospital. No Pará, o número de leitos não chega a 50, então estamos enfrentando muitas dificuldades para fazer esse cadastro. Recentemente, perdemos duas pessoas para a doença, e vamos intensificar as palestras e rodas de conversa, com uma linguagem acessível”, adiantou. Vasconcelos também destacou que é importante praticar exercícios e tomar os remédios na hora correta, além de fazer os exames constantemente. Uma das lutas do grupo é criar discussões sobre educação sexual na adolescência, já que muitas meninas, especialmente nos interiores do Estado, não têm acesso ao preventivo contra a doença.
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