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Com dedicação desigual à casa e à família, mulheres compartilham experiência no cuidado

Em 2022, as mulheres dedicaram 9,6 horas por semana a mais do que os homens aos afazeres domésticos ou ao cuidado de pessoas, aponta o IBGE

Elisa Vaz
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O trabalho do cuidado, essencial para a manutenção da vida e do bem-estar e essencialmente exercido por mulheres, segue sendo subvalorizado econômica e socialmente. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, as mulheres dedicaram 9,6 horas por semana a mais do que os homens aos afazeres domésticos ou ao cuidado de pessoas.

Apesar de sua importância, profissionais que conciliam sua rotina com o cuidado da casa, crianças, idosos, pessoas com deficiência e enfermos enfrentam jornadas exaustivas. Para as mulheres que estão inseridas na economia do cuidado, a falta de reconhecimento reflete uma visão histórica que associa essas atividades a um dever natural, principalmente das mulheres, em vez de um trabalho qualificado e indispensável para a sociedade.

Advogada, procuradora do Estado e juíza eleitoral, Anete Penna, de 52 anos, precisa distribuir seu tempo entre o sucesso profissional e o cuidado com a casa e a família. Casada e mãe de duas filhas, de 12 e 23 anos, ela começa o dia antes de todos. Para conseguir deixar a filha mais nova na escola às 7h30, acorda às 5h30 para se exercitar. Após esses dois primeiros compromissos, volta para casa e toma café com o marido porque os dois não se encontram no restante do dia.

Somente quando as demandas da casa são encaminhadas e os três já saíram, Annete se organiza para o trabalho. “Quando todo mundo da casa sai, eu me organizo para sair também, organizo todo mundo, as funcionárias e aí sim começo meu dia. Não consigo almoçar em casa, mas tento, nos intervalos, participar dos eventos do colégio, das reuniões. E quando chega a noite tem que dar atenção para o marido e a filha mais velha, que quer conversar, trocar ideia, falar da faculdade, da vida pessoal”, conta.

De acordo com Anete, ela sempre tentou conciliar a rotina para não deixar de lado o papel de mãe, esposa e de organização da casa. Mas, para ela, é muito difícil. “A gente tem que provar dez vezes mais que é competente. Estou fazendo mais uma pós junto com tudo isso, para ser considerada competente na minha área profissional, porque a gente tem que mostrar o dobro que o homem. Eles podem até não ter formação, mas sempre vão ter um espaço de fala, e a mulher para ter esse espaço tem que se mostrar capaz”.

Divisão de tarefas

Em relação ao acúmulo de tarefas, Anete tenta compartilhar algumas responsabilidades com o marido, mas, mesmo delegando as funções, parte das obrigações retorna para ela. “Algumas vezes ele consegue resolver, principalmente com a filha menor, mas a sensação que eu tenho é que ele não consegue fazer metade e volta para mim. E mesmo delegando, tem que organizar uma lista, ele não tem iniciativa, é a sensação de que tenho que pensar em tudo, uma carga mental mesmo”, comenta a advogada.

Além da sua própria casa, ela também cuida eventualmente de seus pais, que são idosos. E toda essa rotina exaustiva, na opinião de Anete, nem sempre é valorizada. A impressão que a advogada tem é de que a sociedade enxerga isso como uma obrigação feminina. Ela defende, por exemplo, que haja uma legislação que compense a carga horária do cuidado, seja com a família ou com a casa, na jornada de trabalho formal, por exemplo.

Trabalho do cuidado

Aos 59 anos, a psicóloga Mônica Pina tem dedicado seu tempo há pelo menos cinco anos para cuidar de seu pai, que é idoso e enfrenta problemas de saúde como a Doença de Alzheimer. Até 2019, o ritmo de trabalho dela era intenso, na área de cerimonial, muitas vezes emendando dias e noites. Na pandemia da covid-19, no entanto, a depressão de seu pai aumentou, trazendo o Alzheimer e outras enfermidades, então Mônica decidiu diminuir o ritmo do cerimonial e iniciou um brechó, para ter mais tempo.

“O que pesou para esta decisão foi a dor e o arrependimento de não ter sido mais presente na vida de minha mãe, que havia partido um ano antes e eu não havia vivenciado ainda o luto. Sou espírita e sei que tudo que chega em minha vida é para minha evolução. E encarei como um grande presente, uma grande oportunidade de nosso Pai maior. Mas ele não disse que seria fácil, e não está sendo. Ninguém imagina o que é cuidar de um idoso com doenças ou de um ser humano com comorbidades de dependência até passar pela mesma situação”, afirma.

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Uma das maiores dificuldades, segundo a psicóloga, é o julgamento das pessoas, que, muitas vezes, enxergam o cuidado como algo natural para as mulheres, mas sem reconhecimento social ou financeiro. Para ela, é muito difícil lidar com isso porque, por mais que faça por amor, sofre o peso da obrigação. Mesmo tendo quatro irmãos, Mônica cuida do pai sozinha, porque eles não moram em Belém.

“Ninguém pergunta: como você está? Está precisando de ajuda? Claro que eu não tive coragem de dizer que não cuidaria mais dele. Por amor? Por saber que seria julgada? Fiz o certo? Para cuidar do meu pai sacrifiquei o meu filho. Não tenho hoje esta resposta, só o tempo me dirá. Meu único objetivo é dar o melhor de mim”.

Piora na saúde

A comorbidade motora e várias doenças se apresentaram em seu pai no ano de 2023, o que resultou em várias idas a emergências, consultórios e clínicas, além da compra de remédios, que tornou o financeiro um “caos”, como Mônica descreve. Em 2024, ele sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC), que causou a perda de movimentos e a dependência para tudo. Agora sim, a psicóloga se considera exclusivamente cuidadora.

“Junto com o AVC veio um pai mais agressivo, mais debilitado, com confusões mentais, com sofrimento, com dependência. E você sofre com ele, se irrita com ele, mas o compreende. Muitos dizem que cuidar de um idoso é como cuidar de uma criança. Não é. Criança você põe de castigo. Como fazer isso com seu pai?”, questiona.

Todas as responsabilidades levaram Mônica ao que ela considera o ano “mais difícil de sua vida”: 2025. A psicóloga conta que adoeceu e, pela falta de tempo para se cuidar, a artrose e a artrite se intensificaram, além de crises de ansiedade, enxaqueca, sinusite, processo alérgicos e fibromialgia, que antes era tratada e foi esquecida. Com isso veio a fase depressiva para ela também.

Equilíbrio

Neste momento, voltar ao trabalho como cerimonialista não é uma opção, não só pela rotina exaustiva, mas também pelo preconceito que o mercado tem com mulheres mais velhas, especialmente após um período de afastamento. Mas, apesar dos desafios, Mônica busca forças para continuar.

Ela encontrou no brechó online não apenas uma forma de sustento, mas também um espaço para se redescobrir. "Eu renasci no brechó, me reencontrei. As pessoas diziam que eu estava radiante, apaixonada por alguém. E eu estava: por mim mesma", lembra. No entanto, ela reconhece que os momentos de dor e cansaço são constantes. "Eu choro à noite, mas de manhã levanto e sigo. No meu tempo, no meu ritmo. Às vezes devagar, mas sigo"

Com fé e resiliência, Mônica encara a rotina desafiadora sem perder de vista a importância de cuidar de si mesma. "Deus não disse para esquecermos de nós. Só conseguimos cuidar do outro quando nos valorizamos", reflete. Entre idas e vindas no papel de cuidadora, ela segue tentando encontrar equilíbrio. "Não posso mudar o mundo, mas posso me mudar. E é isso que estou fazendo: ajustando, equilibrando e me reconstruindo, todos os dias”, compartilha a psicóloga.

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