‘Censo Trans Pará’ quer mapear acesso ao mercado de trabalho das pessoas transgêneras
Segmento não tem dados sobre formação, renda, faixa etária, entre outras questões
Investir em diversidade é dar voz e oportunidades às pessoas historicamente marginalizadas. Pode-se dizer que esse é o norte do "Censo-Trans Pará", uma abordagem quantitativa e qualitativa, desenvolvida pelo Instituto de Ciências Jurídicas (ICJ), da Universidade Federal do Pará (UFPA).
O professor do ICJ, João Daniel Daibes, é um dos coordenadores do "Censo Trans Pará", e explica que a intenção é procurar saber as oportunidades e as condições de trabalho da população transexual no Pará.
A abordagem quantitativa, diz o professor João Daniel, quer dados gerais quanto acesso a emprego, trabalho e renda. Na prática, é um questionário com perguntas objetivas sobre ocupação e formação profissional, o perfil étnico e racial, faixa etária, renda, entre outras informações.
"O questionário vem sendo aplicado presencialmente pelos integrantes da equipe de pesquisa e do programa, em eventos públicos, organizados pelo poder público ou pela sociedade civil, mas também está disponível online para que todos possam participar virtualmente", afirma o professor, referindo-se à página oficial do Programa de Empregabilidade e Formação LGBTI+ no ICJ, que pode ser acessada dentro do site do Instituto de Ciências Jurídicas.
Pesquisa aberta a voluntários
Na abordagem qualitativa, observou o docente, a equipe faz uma série de entrevistas semiestruturadas com pessoas selecionadas. A ideia é aprofundar o conhecimento. “Pessoas que possam nos contar, com um pouco mais de detalhes, as suas vivências e experiências. Dessa abordagem, buscamos extrair algumas impressões complementares que não podem ser capturadas, a princípio, pela abordagem quantitativa”, disse.
João Daniel enfatizou que a pesquisa está aberta e à procura de voluntários. “Quem quiser compartilhar conosco as suas histórias pode se voluntariar pelo email empregabilidadelgbt.icj@gmail.com, e também pelo nosso Instagram: @empregabilidadelgbticj", apontou.
A falta, quase que completa, de dados públicos acerca desta população, foi um dos fatores que motivou a pesquisa. “Há uma espécie de invisibilização desta parcela da população. Não sabemos exatamente quantas pessoas são transgêneras, transexuais ou travestis existem em nosso país, nem qual seu perfil socioeconômico, nem praticamente nada”, assinalou o docente.
O professor recordou que, "recentemente, o IBGE publicou o primeiro resultado nacional de uma pesquisa demográfica que contemplasse a população LGBTI+. Porém, com enormes dificuldades, e com muitas limitações, infelizmente os resultados ainda não são precisos e totalmente seguros, a tendência é de aprimoramento das técnicas e do instrumento no futuro”.
No Pará, disse o professor, “essa pesquisa é pioneira e busca constituir uma base de dados iniciais, que possa ser aprimorada e atualizada, para dar subsídio à criação de políticas públicas que possam efetivar os direitos fundamentais destas pessoas, especialmente, no que se refere a acesso ao mercado de trabalho e garantia de renda digna”.
Desafios do mercado de trabalho
Advogado e professor de direito, e cursando doutorado no ICJ, da UFPA, Davi Almeida é um homem trans. Perguntado sobre como vê o acesso das pessoas trans ao mercado, ele observou que uma das maiores dificuldades passa pela falta de acesso à educação formal e profissionalizante.
"Os dados da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) mostram que 73% das pessoas travestis e transexuais não conseguem concluir o ensino médio. Isso não se dá, de forma alguma, pela falta de interesse. Não há evasão escolar, mas sim uma expulsão do ambiente escolar porque são tantas e recorrentes e diárias violências naquele espaço que boa parte da população trans não consegue permanecer naquele espaço e estudar”, frisou o advogado Davi Almeida.
Davi Almeida observou, ainda, que não se trata de violações somente na escola, mas há também as violações em casa, no espaço familiar que deixam essa pessoa em uma situação de vulnerabilidade social e ela não consegue concluir, muitas vezes, o ensino fundamental nem o médio e dificilmente acessa o ensino superior.
"E, quando você vai acessar o mercado de trabalho é exigido que você tenha uma formação técnica, profissionalizante, uma graduação em alguma área de estudo. A maioria das pessoas trans não têm e não acessam o mercado", afirmou o advogado e professor.
Almeida também acrescentou que, "após, quando finalmente você consegue entrar nesses espaços, outros desafios aparecem, porque aquele espaço de trabalho não é um ambiente convidativo às pessoas trans. Ele é novamente um reforço de um estigma, como se aquela pessoa não devesse estar ali e quando ela consegue acessar ela acaba sendo empurrada para cargos com certo estereótipo”.
Avanços por decisões da Justiça
Davi fez questão também de destacar os avanços vividos no Brasil. Ele citou principalmente o desempenho da Justiça. “Temos avanços principalmente por conta de algumas decisões judiciais que promoveram essa mudança de pensamento, ou seja, colocam em voga a temática da população trans”, disse.
"A gente tem mudanças no próprio STF com a criminalização da lgbtfobia, com autorização da retificação de registro, sem necessidade de qualquer procedimento médico cirúrgico. Temos decisões da própria Justiça de Trabalho punindo empresas que tenham comportamentos discriminatórios, a gente vê uma mobilização do judiciário que fomenta uma melhor percepção social”, avaliou o advogado Davi Ameida.
O professor do ICJ, João Daniel explicou que o "Censo Trans Pará" é um dos vários braços que compõem um programa bem mais amplo, denominado de Empregabilidade e FormaçãoLGBTQI+ UFPA. O programa resulta de uma parceria entre a UFPA, por meio do seu Instituto de Ciências Jurídicas, e o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
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