Assédio no trabalho cresceu 18% no Pará, em 2019

Segundo especialista, principais vítimas são mulheres, além de funcionários com menor grau de instrução

Elisa Vaz / Redação Integrada

O número de casos de assédio moral e sexual em ambientes de trabalho no Estado do Pará aumentou 18% neste ano, entre os meses de janeiro e abril, em comparação ao mesmo período de 2018, passando de 78 para 92 ocorrências. Se for analisada a média mensal, a alta teve ainda mais destaque. Foram 23 denúncias nos quatro primeiros meses de 2019, contra 19 no mesmo intervalo de 2018, um crescimento de, aproximadamente, 21%. Já o comparativo anual mostra que as altas são constantes. De 2017 para 2018, o número cresceu 1,29%, passando de 232 para 235 casos. Os dados são do Ministério Público do Trabalho no Pará e Amapá (MPT-PA/AP).

Na avaliação de Sandoval Silva, procurador do órgão, as estatísticas não necessariamente representam alta no número de casos, e sim o encorajamento das denúncias. "Eu atribuo esses dados a outra situação. O MPT tem realizado inúmeras campanhas de conscientização sobre os ambientes laborais. Antes, era um tabu, ninguém falava sobre isso, nem quem sofria com a situação. Mas as pessoas estão cada vez mais atentas aos casos de assédio, é um assunto muito comum hoje em dia, e agora elas têm coragem para denunciar. Então o aumento é no número de denúncias, não de ocorrências", argumentou.

De acordo com o advogado Mário Paiva, especialista em Direito do Trabalho, os casos de assédio moral ou sexual em ambientes de trabalho podem resultar em pena de até dois anos de presão e indenização à vítima. O que caracteriza um assédio é o constrangimento. "O assédio sexual é aquele que é praticado apenas por chefes em relação ao subordinado. Pessoas do mesmo cargo que tentam, insistentemente, uma abordagem sexual e outros atos de constrangimento são considerados assédio moral. Gritar ou expor ao ridículo em alguma situação são exemplos do que configura crime", explicou Paiva.

Ainda segundo o especialista, para se confirmar um caso de assédio moral, ofensas e agressões devem ser constantes, de maneira repetitiva e prolongada, durante o horário de trabalho e no exercício das funções. Conforme explicou Paiva, há duas modalidades de assédio moral. A individual - contra uma pessoa - é chamada de vertical, quando praticada pelo chefe, diretor, gerente ou alguém que ocupe uma função mais elevada. Já o coletivo - contra um grupo de pessoas - é praticado entre colegas de trabalho e trata-se de assédio moral horizontal. "As famosas 'fofocas de corredor' podem ser consideradas como assédio quando se tornam ofensivas à honra, à imagem e à boa fama do funcionário". Ameaças, ofensas, isolamento e agressões também configuram o crime.

O assédio sexual, por outro lado, ocorre quando há abordagem repetida de uma pessoa a outra, com o objetivo de obter favores sexuais. "Para ser um crime de assédio sexual, é necessário que haja relação de hieraruia entre o assediador e a vítima. Muitas vezes, há até conduta sexual entre os dois e a insistência pode acontecer após a rejeição de um dos lados", explicou. No entanto, Paiva alertou: as 'cantadas' no ambiente de trabalho podem acontecer, e só configuram crime quando pedidos sexuais são impostos como condição para manter o emprego ou para influenciar promoções e aumentos de salário. Também podem ocorrer contatos físicos forçados, convites pertinentes, ameaça de demissão e outros. Segundo o especialista, as principais vítimas são as mulheres, além de funcionários com menor grau de instrução.

Estudante relata assédio em estágio

Uma das vítimas de assédio moral e sexual no Pará é a estudante 'Marcela' - para não expor a entrevistada, a reportagem utilizou um pseudônimo. A acadêmica do curso de Direito sofreu assédio em um de seus estágios, quando, segundo ela, um funcionário do órgão, em cargo superior ao dela, a 'perseguia' nas dependências do prédio. "Uma vez, esse servidor foi tirar dúvidas jurídicas comigo no setor onde eu trabalhava. Depois desse dia, começou a ir até lá só para falar comigo, mas eu não tinha percebido que havia maldade. Só caiu a ficha quando ele começou a me chamar para sair e perguntar se eu tinha namorado. Ele chegou até a se oferecer para me ensinar a dirigir dentro de uma universidade vazia, que tem uma grande área florestal", relembrou a vítima.

Marcela ainda contou outra situação com a mesma pessoa: "Um dia ele me ofereceu uma carona para a minha universidade. Só fui porque estava chovendo e a secretária ia conosco. Quando íamos entrar no carro, ele exigiu que eu fosse na frente, ao lado dele, e ela atrás. Em determinado momento do percurso, ele mandou ela descer em uma parada de ônibus e eu fiquei sozinha com ele no carro. Entrei em pânico. Ele começou a me elogiar, dizia que eu era linda, perguntou onde eu morava, quem eram os meus pais. Tenho certeza de que ele ia tentar algo comigo, só pensava nisso. Comecei a ser meio grosseira e desci do carro. Fui andando na chuva, chorando e com medo porque ele podia me seguir", contou Marcela.

A solução que a estudante encontrou foi denunciá-lo para a coordenadora do setor onde ela trabalhava. Segundo ela, depois que a chefe o chamou para conversar, ele não apareceu mais na sala. Mesmo assim, Marcela pediu transferência para outro órgão, por medo do que o assediador pudesse fazer. "Consegui trocar de lugar. Também pensei em denunciar, mas fiquei com muito medo dele. Só contei para a minha mãe e para o meu namorado. Não falei para o meu pai porque ele poderia tirar satisfação com ele". Quando o assédio aconteceu, Marcela tinha 21 anos.

Reunir provas é essencial para denúncia

Quando um funcionário experimenta uma situação de assédio, o primeiro passo, na opinião do advogado Mário Paiva, é expor o assediador ao setor de Recursos Humanos (RH) da empresa e buscar a orientação do sindicato da área ou de um especialista. Se não for suficiente, é preciso gerar um Boletim de Ocorrência (BO) e entrar com uma ação na Justiça. "O importante é não se calar e não aceitar esse tipo de situação. A indicação é tentar resistir o máximo possível, para dar tempo de reunir provas. Tanto o assédio moral quanto o sexual precisam de evidências. A vítima precisa provar que sofreu um dano para vencer o processo e receber indenização", orientou. 

Segundo Paiva, as opções são as testemunhas, documentos, cópias de memorandos, filmagens, gravações, e-mails, conversas de celular e outras. Ele ressalta que o único caso que não é necessário provar a repetição da conduta é o assédio sexual, caso o ato praticado seja grave. Caso a vítima perca o emprego por ter denunciado ou negado qualquer ato sexual, a legislação também prevê que a empresa recontrate o trabalhador, se for comprovado que o motivo da demissão se tratou de um assédio.

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