Sairé começa em Santarém sem desfile dos botos novamente
Programação terá apenas dois dias de atividades religiosas
Começou nesta sexta-feira, 24, na vila de Alter-do-Chão, em Santarém, uma das mais bonitas tradicionais religiosas e culturais do Estado, o Sairé, evento que acontece há mais de 300 anos na Amazônia e chegou 1938 na vila balneária localizada a cerca de 37 km da zona urbana de Santarém, no oeste do Pará.
A festa é tradicionalmente realizada no mês de setembro e dura cinco dias, mas pelo segundo ano consecutivo, por conta da pandemia de covid-19, a parte profana não ocorrerá. Algumas adaptações foram feitas para o rito religioso por conta das restrições necessárias para evitar a disseminação da doença; limitações rígidas, principalmente de público, e transmissão virtual, o que encurtou o evento para apenas dois dias.
Até meados do século passado, o Sairé tinha significado puramente religioso. Hoje, a comemoração une o rito religioso, com suas ladainhas e rezas, ao profano, com shows e apresentações artísticas, danças típicas e a disputa dos botos Tucuxi e Cor de Rosa, que foram agregados em 1997 ao evento.
Durante a festa os elementos religiosos e profanos caminham lado a lado. Há o hasteamento de dois mastros enfeitados, o ritual religioso, danças folclóricas, “varrição da festa”, a derrubada dos mastros, o marabaixo, a quebra-macaxeira e a “cecuiara”, espécie de almoço de confraternização, que tornam a experiência diferenciada.
Segundo o pesquisador Sidney Canto, apesar de hoje ocorrer na vila balneária de Alter do Chão, a manifestação em seu início era realizada também em outros municípios, como Monte Alegre e até mesmo em Belém, desde o século XVII.
Para garantir que o Sairé mantenha sua essência e simbolismo, a organização da festa é mantida por gerações nas famílias. Uma dessas pessoas que vivenciou o evento desde menino é o juiz do Sairé e maior autoridade da festa, Osmar Vieira de Oliveira. Ele conta que apesar da pouca idade, a paixão pela manifestação sempre correu em suas veias.
“O Sairé está presente em minha família desde a época dos meus tataravós. Hoje, sou juiz da festa, a maior autoridade do evento, mas já fui membro da corte, chefe da folia, rezador das ladainhas. Comecei a vivenciar o Sairé da linhagem dos meus avós para cá, veio passando por gerações até chegar a mim. Tenho a responsabilidade de manter a hierarquia da festa para que não se acabe, ou seja violada”, enfatizou.
Osmar relembra que a festa foi proibida pela Igreja em 1943. Neste período, a Igreja Católica estabeleceu limites rígidos de distância e silêncio em relação às festas de santo que ocorriam em todo o Pará. 'Não era permitido realizar eventos religiosos sem autorização da autoridade eclesiástica. Após 30 anos o Sairé voltou a ser realizado, permanecendo até os dias atuais', contou.
Sairé ou Çairé?
A escrita com “Ç” vem da origem Tupi e com o passar dos anos foi substituída pelo 'S' na adaptação para a língua portuguesa. Do ponto de vista gramatical não existe Sairé com “Ç” e não é só a gramática que não se dá bem com a adaptação. A história do Sairé também traz uma explicação para a origem das duas escritas.
Segundo Sidney Canto, o botânico João Barbosa Rodrigues achava que o nheengatu falado no Pará estava errado. Ele considerava como certo o tupi, falado pelos indígenas do sul do país." O que fez ele? Tirou o “S” da grafia nheengatu, falado pelos nossos antepassados e, como diz o nosso caboclo, “tacou-lhe” o “Ç”. Sim, não tem nada a ver com os nossos antepassados indígenas, o ‘Ç’ tem origem no desejo de um botânico em achar que nós, amazônidas, estávamos errados em nossa cultura e ele estava certo”, explicou.
Já o símbolo do Sairé é um semicírculo, de cipó torcido, envolvido por algodão, flores e fitas coloridas. No centro do semicírculo estão três cruzes e no topo dele uma outra, que juntas representam o mistério da Santíssima Trindade e no topo um só Deus. A imagem da pomba, que representa o Espírito Santo, também faz parte do adorno', disse.
No final das contas o Sairé, seja ele escrito com 'S' ou 'Ç' é um dos maiores e mais antigos espetáculos da Amazônia, com toda sua beleza e encantos num cenário paradisíaco, e assim como todo o mundo, está tendo que se reinventar por conta da pandemia, mas segundo o juiz da festa, o importante mesmo é não deixar a tradição morrer.
A programação deste ano teve início no dia 18, com a busca pelos mastros no Lago Verde para o ritual de levantamento. A festa segue hoje e amanhã (25), com procissão e levantamento dos mastros, ritual religioso, procissão ao redor dos mastros, ritual indígena, apresentação dos grupos de carimbó, folia, ladainha e danças tradicionais.
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