Paixão pelo teatro: Tradição da Páscoa ajuda a revelar atores e atrizes
Peças encenadas há décadas nos bairros popularizam o teatro e divulgam
Todos os anos, na Sexta-Feira Santa, vários espetáculos são encenados pelas periferias e paróquias de Belém. Atores e atrizes profissionais e amadores, junto a grandes ou pequenas equipes técnicas, se unem para trazer a história de crucificação de Cristo para o grande público. Diferentes peças da Paixão de Cristo ganham vida e servem como porta de entrada e descoberta para crianças e adultos descobrirem o teatro, alguns transformam essas participações em uma duradoura carreira. A encenação do calvário de Jesus Cristo acaba mudando vidas e histórias para sempre.
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Uma dessas vidas transformadas completamente foi Ely Chaves, de 53 anos. Há 36 anos, Ely descobriu o teatro ao conhecer uma peça da Paixão de Cristo encenada no bairro da Terra Firme. O jovem da periferia que se divertia jogando bola, peteca e empinando pipa precisou superar o preconceito com o teatro.
“A Paixão de Cristo foi uma porta de entrada no teatro, porque a gente faz um teatro livre a céu aberto. Sempre apresentamos a Paixão de Cristo assim, e isso faz a transformação social. Eu vejo hoje como eu era negativo quando jovem, eu não tinha ideia do quanto era negativo para a maioria do grupo. Eu não tinha intelectualidade de nada, eu vinha de uma família de um contraste social muito violento”, relembra.
O teatro deu profissão e sentido para a vida dele. Foi graças às artes cênicas que ele pôde aprender mais sobre si mesmo. A arte lhe deu ferramentas para ser diagnosticado com transtorno de déficit de atenção (TDAH) e conviver com a doença, que lhe fez largar a escola na quarta série. Ely voltou a estudar, se profissionalizou no teatro e teve várias vitórias. Recentemente, participou como figurante da série Cidade Invisível, da Netflix. Além disso, participou do filme Serra Pelada, produziu e dirigiu um documentário e um curta. “O teatro só fez bem para mim. Essa foi a transformação na minha vida”, ressalta.
Ely é um dos vários profissionais da peça “Paixão de Cristo - Soltem Jesus e Prendam Barrabás” que foi apresentada na última sexta-feira (07), na passagem São João, no bairro da Terra Firme. Companheira de grupo, Gláucia Pinto, uma das coordenadoras do coletivo de atores e atrizes da Terra Firme, também começou a atuar nas peças religiosas. Essa experiência a fez cursar Licenciatura em Teatro e virar professora.
“Eu comecei a fazer teatro na Paixão de Cristo. O teatro é muito importante para a educação dos jovens da comunidade como opção de lazer e cultura, avalio de maneira muito importante a encenação da Paixão, onde as pessoas descobrem o seu talento, descobrem a sua arte, o que gostam. É um trabalho que vai passando de geração em geração, de pai para filho”, revela.
Neste ano, a peça traz no tema a reflexão sobre a solidariedade ao próximo. “Toda vez que a gente olha para um irmão e vê ele necessitado a gente está vendo esse calvário. A gente tem que fazer alguma coisa para mudar isso. A gente tem que usar esses ensinamentos de Jesus para melhorar a vida do ser humano e a gente faz isso através do teatro, que nos dá essa abertura para mostrar para as pessoas um jeito de viver melhor. O teatro acolhe todo mundo. Ele educa e ensina”, reflete Gláucia.
Bonelly Pignatário de 40 anos, hoje é ator e profissional do teatro. Formado como ator, técnico de figurino cênico, dança, intérprete e criador pela Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará (UFPA) ele já passou por vários grupos e paróquias. Em 2023, Bonelly participou da “A Paixão de Cristo em Canudos” na Paróquia São José de Queluz, apresentada na última sexta-feira, dia 7. Bonelly conheceu o teatro há 22 anos graças à Paixão de Cristo. Ele logo se apaixonou pelo ofício e decidiu ser profissional. Desde então nunca saiu das artes cênicas.
“Desde quando comecei, eu me encantei e sou apaixonado pelo teatro. Faço questão de estar participando todos os anos, como diretor, figurante ou ator. Em um estou dirigindo, em outro estou como ator e em outro estou ajudando. Além de evangelizar, a gente conhece pessoas, mediante a esse conhecimento e amizades que surgem vão aparecendo outros trabalhos para atores e atrizes”, conta.
As peças evangelizam, formam público e conscientizam na periferia. Na peça da Paróquia de São José de Queluz foram 120 profissionais no total. Os atores e atrizes ainda ganham visibilidade pelas peças, o que atrai outras oportunidades para depois da Páscoa. “A importância de participar também é o crescimento da visibilidade. A gente faz outros trabalhos, somos chamados para comerciais para atuar em propaganda, divulgamos nosso trabalho. O reconhecimento em algumas profissões é muito difícil, você precisa estar engajado participando de outros processos teatrais”, conta.
O objetivo das encenações da Paixão de Cristo é resumido por Ely Chaves. “Todos que estão hoje no grupo começaram assim. A Paixão de Cristo é como uma porta de entrada para os novos talentos, é por isso que nunca desistimos de fazer”, enfatiza Ely. “A gente utiliza o teatro como ferramenta de transformação social”, assegura.
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