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O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

Os valores e princípios da reforma da previdência brasileira

O que representarão na nova previdência ?

Océlio de Jesus C. Morais

Todo sistema jurídico é orientado por princípios na interpretação e aplicação das normas e estas exprimem os valores da sociedade.

Sistema de normas, valores e princípios. As normas implicam em algum modo de conduta regulada, enquanto que os valores implicam bens éticos e morais inerentes a um padrão de vida ou organização cultural de uma sociedade .

Por essa ligação, Livet já disse que “uma norma também revela um valor” e que as “normas são importantes para a organização das instituições”. (As normas. São Paulo: Ed. Vozes: 2009, p.13). 

Princípios são comandos axiológicos ou normativos, que orientam a interpretação e aplicação das normas, porque nenhuma norma é destituída de valor.

As normas, os valores e os princípios são a base fundamental de qualquer sistema jurídico dinâmico e aberto. Os valores éticos e morais da sociedade , porque compõem ou são o núcleo do fato social, são a força motriz da revogação tácita ou da renovação das normas.

Por isso, os valores revelam ou são o padrão comportamental da sociedade e inspiram a formação dos princípios humanitários que a sociedade precisa para se desenvolver e preservar a identidade de seu povo. 

Toda reforma de um regime normativo pressupõe que a sociedade vem adotando novos padrões éticos morais, e nisso influenciando novo padrão sociocultural, o que também influencia novos padrões jurídicos regulatórios.

O âmbito dos valores e dos princípios é o correto e pertinente para analisar e compreender adequadamente a reforma da previdência em curso no Brasil. Qualquer análise fora desse contexto socioeconômico e cultural da reforma consistirá em jogo ideológico de palavras com a finalidade de confundir e não contribuir para o debate democrático da reforma.

Se consideramos que a reforma do padrão normativo do atual regime de previdência decorre dos novos valores sociais que a sociedade brasileira vive, precisamos saber, como correlato, quais são os princípios humanitários que a reforma adota.

Identifico três princípios básicos, sendo dois de caráter imediato (1. Solidariedade entre gerações; 2. Custeio solidário) e um de caráter mediato (princípio da proteção individual).

Princípio transgeracional. O princípio da solidariedade entre gerações, que é a gênesis do Estado do bem-estar social adotado pelo Brasil desde a Constituição de 1934, é o denominado modelo de repartição como definem os pesquisadores tributaristas, isto é: aquele modelo obrigatório e compulsório de recolhimento das contribuições sociais mensais sobre salários ou remunerações pelos trabalhadores, empresas e outras fontes.

Na reforma, contudo, o novo modelo de repartição (ou princípio transgeracional) , é modificado em relação ao atual. Adota-se o sistema de pontos (critérios da soma da idade e tempo de contribuição evolutivos) : 100 pontos para mulheres e 101 para homens, para a obtenção da aposentadoria voluntária.

Como o sistema de pontos é progressivo – a partir de 2010 a cada ano adiciona-se um ponto – dificilmente haverá a aposentadoria integral. Trata-se da mesma fórmula 85/95 de governos anteriores para a aposentadoria por tempo de contribuição (30 anos, se mulher e 35 anos , se homem), que levará em conta ainda a idade: 56 anos de idade, se mulher; e 61 anos de idade, se homem.

Em termos de coerência interna do sistema jurídico, quanto ao regime da proteção social previdencial que a reforma anuncia, haverá neste particular retrocesso (se aprovada como tal) no que diz respeito aos fins teleológicos do princípio da proteção social, porque a inviabilidade da apose dignidade humana coletivamente expressada, visto que os benefícios previdenciários previstos aos segurados são essenciais à dignificação da pessoa por toda sua vida laboral e na velhice.

No regime constitucional atual, “é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência” (Art. 25, II), sendo que a Lei Complementar, ao caso do servidor publico com deficiência física ou mental, poderá estabelecer critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria .

E quanto aos segurados do regime geral, a Lei 8. 213 de 1991, coloca como beneficiários dependentes a pessoa com deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave. O outro princípio que a reforma adota é o da solidariedade econômica, decorrente do princípio do custeio de repartição.

Esse princípio tem por objetivo coletivo - e isso está correto sob o ponto de vista do provimento benefícios e prestações previdenciárias que devem ser garantidos - assegurar a sustentabilidade financeira e atuarial do regime de previdência.

Esse princípio tem como pressuposto o princípio da responsabilidade fiscal dos governos, visto que a Constituição Federal de 1988 declara que não poderá haver benefícios previdenciários sem a respectiva finte de custeio, isto é, todos os benefícios e prestações previdenciárias precisam observar os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, conforme previsto no Art. 40.

Esta é uma regra constitucional básica inerente a todos os regimes de seguridade no mundo, por isso, no caso do Brasil, a garantia dos benefícios previdenciais não é uma obrigação exclusiva do Estado, mas de todos os segurados obrigatórios.

O pressuposto do princípio da solidariedade econômica - todos contribuindo com com alguma cota - parte da maior expectativa de vida dos brasileiros. Nesse particular, o princípio da solidariedade econômica apresenta como pressuposto justificador a expectativa de sobrevida da população brasileira, portanto, a vida como um bem ou valor coletivo.

A reforma projeta que as idades mínimas para a concessão de aposentadoria serão ajustadas quando houver aumento na expectativa de sobrevida da população brasileira, na forma estabelecida para o Regime Geral de Previdência Social. Esse princípio de adequação (idade mínima conforme a expectativa da sobrevida) é adotado pelos sistemas de segurança social mais avançados do mundo. E o Brasil, no contexto da globalização econômica, não tem como fugir dessa realidade.

Notemos bem, de outro lado, que a expectativa de sobrevinda quanto à majoração da idade mínima para a aposentadoria é bem diferente do sistema de pontos., pois aquela pressupõe a existência da realização do censo a cada dez anos; enquanto que este independe da longevidade, à medida que a cada ano, a partir de 2020, será adicionado um ponto. O adequado, na minha perspectiva, seria adotar apenas o critério da expectativa da sobrevida da população brasileira (apontada pelo censo decenal) para então aumentar a idade mínima para a aposentadoria, critério que, por certo, exigirá também adequação proporcional do tempo mínimo de contribuição. Princípio individualista.

O terceiro princípio que identifico na reforma é o proteção individual. Este é um dos pontos mais delicados da reforma, porque prever a a implementação do regime de previdência de capitalização individual na modalidade de contribuição definida, com de caráter obrigatório para quem aderir . Esse modelo de previdência individual consistirá na previsão instituição de conta vinculada para cada trabalhador e de constituição de reserva individual para o pagamento do benefício.

O regime de previdência de capitalização individual se contrapõe ao regime de contrapartida solidária, Por outro palavras, quela adota um princípio de natureza individualista para a proteção previdenciária, opondo-se, de modo teórico pr[atico, ao princípio da solidariedade entre gerações.

Observemos que, pelo regime de previdência de capitalização, será vedada qualquer forma de uso compulsório dos recursos por parte de ente federativo, tanto para o RGPS como para o Regime Próprio, embora, de outro lado, exista a possibilidade de adoção da modalidade nocional, isto é, uma possível contribuição do empregador.

A ideia finalística da reforma, quando adota o princípio da proteção individual através do regime de capitalização individual definida, é, com o passar dos anos, acabar com o regime geral. Isso está afirmado na exposição de motivos da reforma: “As diretrizes a serem observadas para a implantação desse novo regime [de capitalização individual], que substituirá o RGPS, estão sendo fixadas no art. 115 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, garantindose o salário mínimo como piso e a possibilidade de uma camada nocional, garantindo a sustentabilidade, com contas individualizadas, mas sem o risco de mercado nesta camada “.

O artigo 115 dispõe que o regime de capitalização individual “será implementado alternativamente ao Regime Geral de Previdência Social e aos regimes próprios de previdência social”, com a “- garantia de piso básico, não inferior ao saláriomínimo para benefícios que substituam o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho, por meio de fundo solidário”. Em síntese, a reforma neste objetiva uma progressiva substituição do princípio da solidariedade entre gerações pelo princípio individualista de capitalização definida.

E como consequência, substituído o valor social enquanto bem expressivo da coletividade ou bem-estar coletivo adotando-se em seu lugar o valor enquanto um bem individual ou ideia de bem-estar individualista O bem-estar individualista, inerente ao regime de capitalização definida, é incompatível com o objetivos da ordem socioeconômica brasileira: o bem-estar comum e a justiça social.

 

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Océlio de Morais
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