Vídeo de aluno com arma em escola de Belém reacende debates sobre cultura de violência
Vídeo é de abril do ano passado. Psicólogo explica que arma não deve ser considerado um brinquedo construtivo.
Um vídeo, de abril do ano passado, mostra um aluno do colégio Marista Nossa Senhora de Nazaré, em Belém, com uma arma de brinquedo em sala. O professor, com uma expressão irritada, confisca o objeto. A curta gravação viralizou nas redes sociais digitais nos últimos dias, por conta da facilitação da posse de armas, decretada pelo presidente Jair Bolsonaro. E reacendeu discussões sobre cultura de violência. E também sobre a naturalização de armas na formação de crianças e adolescentes.
O aluno que aparece no vídeo foi mandado para a coordenação da escola para orientação. E o colégio se manifestou, dizendo que tomou todas as medidas cabíveis, dentro do regimento da instituição (sem explicar quais). Também reforçou ser contra qualquer comportamento alusivo a qualquer forma de violência.
Para o psicólogo Márcio Barra Valente, professor mestre do curso de Psicologia da Unama, a naturalização de comportamentos violentos e uso de armas é histórica, cultural e glamourizada. Quem usa armas e resolve conflitos com elas, é visto como herói. Desde crianças, várias pessoas, principalmente homens, são expostas a ideias como essa. Não faltam opções no mercado de armas de brinquedo e figuras heroicas com armas. Para ele, se estimula a ideia de que a violência é uma solução. E que as armas são instrumento dessa solução.
Quando criança, o psicólogo lembra que tinha um boneco do personagem Falcon, um soldado norte-americano e armado. Teve também os bonecos G.I.Joe (conhecidos no Brasil como Comandos em Ação), todos soldados e heróis em guerra constante. E quando cresceu, o professor se interessou por videogames. Muitos jogos trazem as armas como instrumentos de poder e solução de conflitos. No cinema também.
Formações culturais como essa não são raras pelo mundo. Mas ele não considera que sejam recomendáveis. As famílias e educadores sempre precisam estar atentos a esses símbolos na formação de crianças e adolescentes.
"A cultura ocidental é de violência, mas vista como de paz. É vendida assim. Mas é de morte e exercício do poder. Só se estivermos preparados para lutar até a morte, para manter o controle, monitorar e reprimir estamos em paz. É assim que se vê mais policiais armados nas ruas. E agora, população armada também. Vivemos isso o tempo todo. A paz não vem disso", diz o professor.
ARMA DE BRINQUEDO NÃO É BRINCADEIRA
Quanto à atitude do professor do colégio Marista, o psicólogo acredita que foi o mais adequado. O professor usou de sua autoridade de educador dentro de sala de aula para retirar, de um contexto de educação e paz, um objeto simbólico de poder, subjugação e morte. Na avaliação dele, a violência contra a mulher é onde esses sinônimos de poder e subjugação costumam ser usados. Muitos problemas conjugais são "resolvidos" com a morte da mulher. Nada é novo, diz ele, pois sobram dados para comprovar essa tese.
"Também temos muitos assaltos que são cometidos com armas de brinquedo. Já é suficiente para violentar e impactar vítimas. Mesmo de brinquedo, com arma, já se está errado por estar com um objeto que simboliza a morte. Infelizmente, é o oposto do que vem sendo defendido pelo Governo Federal. Está se ampliando a oferta e acesso. Temos uma geração inteira que vai crescer nesse contexto. É desesperador que uma parcela da população esteja recebendo isso com com certa alegria ou alívio", analisa o psicólogo, preocupado com que tipo de problemas a corrupção endêmica brasileira vai gerar com a facilitação da compra e posse de armas de fogo.
Valente cita conversas que tem com amigos policiais. Segundo relatos que ouviu, uma pessoa só toca numa arma de fogo quando se disponibiliza a machucar ou matar alguém. Considera o trabalho de um policial difícil do ponto de vista ético e dos conflitos pessoais. Policiais são treinados para evitar a violência, ainda que precisem usar de violência para esse fim. Para salvar uma pessoa, pode ser necessário tirar a vida de outra.
"Da feita que alguém faz uso dessa ferramenta, a arma de fogo, fica com marcas. Os policiais são exemplos de conflitos pessoais de quem é treinado para isso. Eles sofrem do mesmo jeito várias consequências. Imagine pessoas comuns. Com cursos tão rápidos, será que vão preparar mesmo para usar armas de forma ética madura?", conclui Valente, destacando que se uma pessoa adulta e treinada nunca vai conseguir lidar de forma totalmente saudável com uma arma, uma criança tendo uma de brinquedo já mostra que o assunto é tratado como brincadeira.
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