Uso excessivo de telas na infância pode causar atraso no desenvolvimento, aponta pesquisa

O estudo mostrou que bebês de 1 ano — que passaram mais de quatro horas por dia diante de telas — demonstraram atrasos nas habilidades de comunicação e na resolução de problemas

Gabriel Pires

O uso precoce de celulares — e outros dispositivos eletrônicos como tablets e TV — por bebês pode gerar atraso no desenvolvimento, como aponta uma pesquisa do The Journal of the American Medical Association Pediatrics — publicada em agosto de 2023. O estudo mostrou que bebês de 1 ano — que passaram mais de quatro horas por dia diante de telas — demonstraram atrasos nas habilidades de comunicação e na resolução de problemas quando atingiram a faixa etária de 2 a 4 anos.

Repercutindo o assunto em Belém, a psicóloga Rafaela Guedes explica que a tecnologia afeta uma área do cérebro chamada de lobo frontal, responsável pelo controle dos impulsos, do pensamento lógico e da racionalidade. Portanto, essa exposição exagerada pode trazer diversos danos ao organismo, como uma atrofia dos sensores da região cerebral. A especialista relata que, é a partir disso, que o tempo de tela excessivo surte efeitos negativos, promovendo danos ao desenvolvimento infantil.

“As pessoas que criam os aplicativos e jogos sabem, exatamente, o que captura o cérebro e o que faz com que nosso sistema de recompensa seja acionado. Esse sistema de recompensa é um circuito cerebral que libera dopamina e faz com que a gente sinta prazer imediato. A tendência é que, após essa liberação, a pessoa queira cada vez mais, ou seja, geramos um comportamento de dependência num momento muito inicial da vida que pode determinar o comportamento futuro dessa criança”, afirma.

Entre os efeitos para os pequenos, a psicóloga Thais Lobato, também de Belém, alerta para o surgimento de alguns transtornos, como dependência digital, transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), além de altos níveis de ansiedade. “Durante os primeiros anos de vida, o cérebro da criança está desenvolvendo os aspectos sensoriais, táteis, visuais, auditivos e olfativos. Por isso, esse período pode determinar o estabelecimento de atitudes saudáveis. A tecnologia atrasa ou bloqueia essas conexões neurais”, pontua a especialista.

Limites

Nos primeiros anos da infância, o tempo ideal de uso das telas é de até duas horas por dia, como recomenda Rafaela. Essa atividade deve ser acompanhada pelos pais, que devem atentar-se a atitudes que podem fugir da normalidade. “Sempre que identificarmos comportamentos de dependência como pensamento obsessivo nos jogos e vídeos, dificuldade no controle dos impulsos, agressividade exacerbada, demanda por uso contínuo, temos nosso alerta de que o uso da tela está sendo excessivo”, frisa Rafaela.

A utilização das telas, portanto, não precisa ser totalmente eliminada do dia a dia, mas é necessário estabelecer limites para evitar prejuízos futuros. “Hoje é bem difícil restringir totalmente [o uso de celulares e tablets, por exemplo] até pelo convívio social dessa criança. Principalmente os pais, também usam a tecnologia diariamente. O que é necessário é fazer o controle e supervisão do uso. Horários e conteúdos restritos”, aponta Thais.

Como cautela, ambas as especialistas indicam que os aparelhos eletrônicos devem ser introduzidos na vida das crianças somente a partir dos dois anos. “Criança precisa brincar, ter contato com a natureza e outras crianças. Isso, sim, faz parte do desenvolvimento saudável”, observa Thais. Já Rafaela elenca alguns hábitos saudáveis para se ter junto às crianças no dia a dia: “Práticas ao ar livre, música, dança e atividades físicas se mantêm sendo excelentes preditores do bom desenvolvimento infantil”, observa ela.

Rafaela, por outro lado, afirma que a tecnologia também pode ser uma aliada. “A tecnologia pode, e é uma aliada desde que usada com limite e equilíbrio. Não deve substituir as interações sociais, as brincadeiras com outras crianças. Toda radicalidade é prejudicial. Separar as crianças totalmente da tecnologia é aliená-las, apartá-las do seu próprio grupo, o que incorre no risco de segregá-las socialmente, afinal, as telas já são parte da vida de todos”, enfatiza Rafaela.

Rotina saudável

Na casa da família da esteticista Jeane Almeida, de 36 anos, em Ananindeua, o tempo em frente às telas é feito de forma equilibrada. Com uma filha de 2 anos, a pequena Maria Clara Almeida, conta com os cuidado diários de Jeane. Tudo isso para garantir qualidade de vida para a filha. “A alternativa, que não só eu como o meu esposo e toda a nossa família fazemos é interagir com ela, brincar. O máximo de tela que ela vê é quando nós colocamos uma musiquinha, porque ela é uma criança que gosta de dançar”, diz.

image A esteticista Jeane Almeida junto da filha, Maria Clara, de 2 anos (Cristino Martins / O Liberal)

Como alternativa ao “mundo virtual”, Jeane incentiva a prática de diversas atividades no dia a dia de Maria Clara. “Ela lá tem uma lousa e a gente ensina as coisas para ela. Como ela é uma criança que pega com facilidade, apesar da idade, a gente tenta instruir da melhor forma: ensinando as letrinhas, as vogais, as cores, as formas geométricas, desenhando, pintando. Quando ela vai para a casa da minha mãe, ela brinca bastante. A gente tenta ao máximo ocupar a cabecinha dela com brincadeiras”, conta Jeane.

“A gente comprou um cachorro para ela e deu de presente nos dois anos dela. Ela brinca muito com ele. Quando a gente vê que ela tá um pouco agitada dentro de casa, que quer fazer outra coisa, a gente leva até a pracinha. Ela brinca no pula-pula. A gente faz o possível para ela não ficar nas telas, porque nas telas só tem coisas que vai ocupar a mente das crianças com coisas totalmente negativas”, complementa.

(Gabriel Pires, estagiário, sob a supervisão de João Thiago Dias, coordenador do Núcleo de Atualidades)

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