UFPA é hoje a maior produtora, no mundo, de ciência sobre a Amazônia, diz reitor Emmanuel Tourinho
Após oito anos no cargo, ele está deixando o comando da Reitoria e voltará ser professor da instituição
"A Universidade é hoje, no mundo, a maior produtora de ciência sobre a Amazônia. No momento em que o mundo volta os olhos para a Amazônia, nós somos a instituição que mais conhece a realidade da sociobiodiversidade amazônica". É o que afirma o reitor da UFPA, Emmanuel Zagury Tourinho, que, após oito anos, está deixando o cargo. Ele foi empossado, pela primeira vez, em outubro de 2016 e reconduzido ao cargo em outubro de 2020. Ele será sucedido pelo professor Gilmar Pereira, que é seu atual vice-reitor, que assumirá suas funções no dia 15 de outubro.
Tourinho é graduado em Psicologia- Bacharelado, mestre em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e doutor em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo.
Como era a UFPA quando o senhor assumiu a Reitoria pela primeira vez?
Assumimos a Reitoria em 2016, quando a UFPA já era uma instituição muito forte no ensino, pesquisa e extensão. E que já havia iniciado, antes mesmo da Lei de Cotas, um programa de inclusão para as populações que, antes, não tinham acesso aos cursos, principalmente de graduação, da instituição.
Como é a UFPA que o senhor deixa ao encerrar seu mandato?
Nós promovemos, na UFPA, um avanço muito grande na pesquisa e na pós-graduação, na qualificação do ensino de graduação, na internacionalização. E nas iniciativas de inclusão, de promoção da diversidade. E, hoje, a UFPA, que já era referida pela comunidade como a maior do Norte, é hoje uma das maiores universidades brasileiras.
Qual a importância da UFPA para o Pará, região amazônica e Brasil?
Não há, no meu ponto de vista, uma instituição no Pará que tenha um impacto social maior que a UFPA. Formamos milhares de profissionais em todas as áreas do conhecimento. Por ser uma instituição pública e gratuita representa possivelmente o mais importante ‘elevador’ social que há com a oportunidade que dá para que jovens de todas as origens tenham acesso à educação superior.
Mas, para além disso, a Universidade é hoje a maior produtora, no mundo, de ciência sobre a Amazônia. No momento em que o mundo todo volta os olhos para a Amazônia, somos a instituição que mais conhece a realidade da sociobiodiversidade amazônica. A Universidade é uma instituição que está presente em quase tudo da vida do povo do Pará. Hoje, a UFPA é a quarta instituição do Brasil com maior número de programas de pós-graduação, mestrado e doutorado, formando a elite da ciência brasileira. E, nesse processo, também produzindo a ciência de que o Brasil precisa.
O que significa fazer ciência na Amazônia e quais desafios o senhor enfrentou?
Fazer ciência na Amazônia requer muita determinação, capacidade de improvisação. Uma dedicação enorme. No Brasil, há uma distribuição desigual dos recursos para a ciência. A Amazônia toda recebe aproximadamente 5% apenas dos recursos que o País destina para a pesquisa científica e tecnológica. Se, no Brasil todo, os recursos para a ciência já são insuficientes, para nós eles são ainda muito mais reduzidos. Por outro lado, nós fazemos uma ciência com uma vocação própria que ninguém mais pode fazer, porque estamos interagindo com uma realidade que interessa ao mundo inteiro, mas que requer uma convivência com a vida cotidiana dos amazônidas. A nossa ciência é uma ciência de ponta, referenciada também pela verdade social das populações e povos da Amazônia. Se não produzir esse conhecimento sobre a realidade amazônica, não terá condições de conservar o bioamazônico, conservar as condições de vida das populações amazônicas e isso tem implicações que são diversas para o país e, hoje, para o mundo.
Reitor, a gente enfrentou recentemente um período de negacionismo e ataques à ciência, corte de verbas. Como o senhof fez esse enfrentamento?
Foram anos muito difíceis, talvez um dos mais difíceis para as universidades públicas brasileiras. E a explicação para nós termos continuado crescendo e desenvolvendo a extensão nesse contexto foi basicamente a definição de prioridades. Preservamos tudo aquilo que a gente fazia ou investia para o avanço acadêmico e científico e para as políticas de inclusão. Temos resultados extraordinários para mostrar. Mas a população precisa saber que a UFPA, assim como todas as universidades públicas, poderia estar fazendo muito mais do que conseguimos fazer não fossem essas políticas que nos forçam a cortar investimentos e a reduzir iniciativas.
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A UFPA, portanto, cresceu nesses oito anos?
Sim. Nós quase que criamos uma Universidade nova dentro da UFPA. Nesses 8 anos, criamos mais de 60 cursos novos. Foram 28 cursos de mestrado, 22 de doutorado e uma dúzia de cursos de graduação. Isso é mais do que o tamanho de hoje da maioria das universidades federais. As agressões às universidades foram tantas que forçou a sociedade a prestar atenção nas universidades públicas e isso nos ajudou a dialogar com a sociedade e mostrar a importância das universidades.
E como está a UFPA no cenário internacional?
Há 8 anos a UFPA não estava em nenhum ranking internacional. Hoje está em todos os rankings internacionais como uma das melhores universidades do mundo. E, em alguns casos, com muito destaque. Há um ranking internacional que mede o impacto das universidades para o desenvolvimento sustentável, considerando os objetivos do desenvolvimento sustentável da ONU. Nesse ranking, a UFPA é uma das 400 melhores universidades do mundo. E, em relação a alguns dos objetivos do desenvolvimento sustentável, estamos entre as 50 melhores universidades do mundo.
Professor, o que é o “princípio do vazio” a que o senhor costuma se referir?
Eu me refiro a esse princípio do vazio quando me refiro ao modo como a Amazônia tem sido pensada e tratada no país. E, em particular, no que concerne à concepção e implantação de projetos tidos como de desenvolvimento ou econômicos para a Amazônia, porque são iniciativas construídas por quem está fora da Amazônia, sem um conhecimento profundo da realidade Amazônica, sem ouvir as suas populações, e sem ouvir a inteligência que há na Amazônia. Por essa razão é que nós temos vivido ciclos de exploração das nossas riquezas da região que geram lucros enormes para grandes grupos econômicos, mas que geram mais pobreza e devastação. São projetos que fracassam do ponto de vista da conservação do bioma amazônico e fracassam do ponto de vista da melhoria das condições de vida das populações. Precisamos que as pessoas que estão na Amazônia sejam protagonistas na tomada de decisão sobre os projetos para a região. E hoje temos um trunfo: para o mundo inteiro é necessário que o bioma amazônico seja conservado. E não existe a menor chance de isto acontecer sem a sobrevivência das populações locais.
Esse protagonismo pode surgir na COP 30?
Isso, pra gente, é uma incógnita ainda. Falta ainda na organização deste processo que nos levará até a COP 30 um ambiente de diálogo com esses setores da sociedade. A COP, até agora, ainda é matéria de discussão de grupos governamentais. Se nós quisermos que dessa COP resulte uma transformação nessa maneira de olhar para a Amazônia é preciso que as universidades, os institutos da Amazônia tenham protagonismo nesse debate e nessa organização da COP. É preciso que as organizações dos povos da Amazônia sejam chamadas também para exercer esse protagonismo na definição dos debates que acontecerão, porque senão vamos ter um debate com os de sempre falando, os de sempre decidindo e as mudanças sempre acontecendo na direção de empoderar mais quem sempre teve o poder no território, de enriquecer mais quem sempre teve a toda a riqueza do território e de fragilizar cada vez mais as populações locais.
Após 8 anos, qual legado o senhor deixa?
Temos hoje uma Universidade que dialoga muito mais com a sociedade. Somos uma Universidade que valoriza muito mais a diversidade do conhecimento e dos saberes. Uma Universidade que cada vez mais valoriza a arte e a cultura como essenciais para formação intelectual e formação cidadã. Uma instituição muito mais internacionalizada. Uma Universidade que hoje compreende que é possível desenvolver ao mesmo tempo a excelência acadêmica e científica e o enraizamento social do seu trabalho acadêmico e científico. E temos uma Universidade muito mais preparada para o enfrentamento das ameaças à Universidade e à democracia.
Deixando o cargo de reitor, o que o senhor fará a partir de agora?
Eu sou professor da UFPA. Sempre atuei em ensino e pesquisa. E continuarei esse trabalho. Continuarei sendo um membro ativo da Universidade. Mas volto à minha função básica, de desenvolver o ensino e a pesquisa. Gosto de ser professor, gosto de ser pesquisador.
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