Três meses após baleamentos e morte durante Operação Diataxi, vítimas pedem justiça
Corregedoria enviou apuração do caso à Justiça Militar. Famílias vivem medo e não têm assistência
Três meses depois da Operação Diataxi 7, que sofre apuração por ter acabado com o baleamento de quatro tiradores de barro, um deles assassinado com um tiro na cabeça, no bairro do Paracuri, em Icoaraci, em Belém, os sobreviventes e famílias das vítimas ainda não contam com reparos ou indenizações do Estado - e buscam apoio jurídico e financeiro para se manterem.
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Esta quarta-feira (20) se completam 90 dias da operação, que envolveu a Polícia Militar e a Polícia Civil, com o objetivo de combater o tráfico de drogas no Paracuri e no Tapanã. A Operação Diataxi 7 se concentrou em áreas de atuação do 10º e 24º batalhões da PM. As ações foram coordenadas pelo comandante do 10º BPM, tenente-coronel Ricardo Polaro, e pelo comandante do 24º BPM, tenente-coronel Neuacy Porto de Oliveira. Cerca de 70 homens participaram da investida, que teve início nas primeiras horas da manhã.
Na última sexta-feira (15), a Corregedoria Geral da Polícia Militar encaminhou à Justiça Militar os autos de procedimento investigatório sobre a operação. O prazo para tal encerraria esta quarta (20). O crime ocorreu na manhã do dia 22 de novembro de 2018 - e somente depois de 60 dias após o ocorrido a Comissão da Capital II da PM concluiu o processo investigatório sobre o caso.
CINCO CIRURGIAS
A ação da polícia acabou envolvendo violências contra dez tiradores de barro de Icoaraci. Mesmo com o trauma e medo de voltar aos mangues, após o que viveram, há cerca de um mês, de forma gradativa, oito dos sobreviventes da operação voltaram às atividades de extração de argila - retirada das áreas fluviais e de mata do bairro.
Quando o fato ocorreu, os dez trabalhadores estavam distribuídos em três embarcações na região de mata do Paracuri. Daniel dos Anjos, 24 anos, um dos baleados pela operação policial, estava na segunda canoa de madeira. Ele é o único que ainda não conseguiu retornar ao trabalho: já foi submetido a cinco cirurgias na perna direita. Ainda hoje sente fortes dores - e não consegue andar normalmente.
"Dói muito minha perna. Não consigo andar nem trabalhar. Com meu trabalho, eu ajudava minha mãe e meu pai, que ainda está desempregado", conta Daniel. A mãe do jovem tirador de barro teve que parar de trabalhar para ajudar a cuidar dele em casa. "Vivemos com doação de vizinhos. Estamos tentando conseguir algum benefício no Cras e preciso de advogado, porque não é justo eu viver assim".
Daniel teme pelo que vem pela frente. "Se eu ficar bom e não conseguir outro emprego, devo voltar para o barro. Mas tenho medo, porque se trabalhando a gente passou por isso... Penso em voltar a estudar também", planeja. O jovem parou de estudar quando ainda fazia o primeiro ano do Ensino Médio.
CINQUENTA TIROS CONTRA CANOAS
Jucivaldo dos Santos Guedes tem 49 anos e é conhecido no Paracuri como o "Branco". Na manhã de novembro em que foi alvejado pela lancha da polícia que integrava a operação Diataxi em Icoaraci, levou dois tiros no braço esquerdo. Considera sorte estar vivo: segundo conta, foram disparados cerca de 50 tiros contra os trabalhadores que estavam na primeira canoa de tiradores de barro que trabalhavam naquela manhã.
Além de Jucivaldo Guedes, estava na embarcação seu filho, Danilo Guimarães, de 18 anos, atingido com dois tiros de raspão. Com Jucivaldo e o filho Danilo estava o companheiro Osmair Pereira Monteiro, 42 anos. "Gitão", como era conhecido, foi morto na operação. Levou um tiro na cabeça enquanto ajudava o jovem Danilo a voltar à canoa, após pai e filho serem alvejados. Danilo, que não sabe nadar, havia caido na água atingido pelos disparos. Após ser atingido, Gitão caiu nas águas do Paracuri e não voltou à tona. Seu corpo só foi achado pelos familiares e pela comunidade horas depois do fim da operação policial, quando a maré secou.
POR NECESSIDADE, E COM MEDO
O pai, Jucivaldo, voltou a trabalhar há um mês, apesar das fortes dores e do braço ainda ferido. "Foi mais por necessidade. Estavam para cortar minha energia, meu gás tinha acabado. Retornei com muito medo. Tenho que passar onde tudo ocorreu todo dia. Qualquer barulho no mato a gente se assusta. De tudo acontecer de novo".
Jucivaldo também procura um advogado. Espera que o Estado e a Justiça cumpram seus papeis. "Assim como o Daniel, também fui procurado por um advogado, que disse que era da OAB. Mas ele não nos dá nenhuma resposta. Veio aqui só no dia do acontecido. A Justiça tem que nos dar uma resposta. Provamos nossa inocência, de que nenhum de nós somos bandidos. A gente quer uma indenização do Estado, acho que a gente merece, pelo menos os que foram baleados. Estávamos trabalhando, com saúde e atiraram contra a gente", disse "Branco", que desde os 16 anos trabalha com barro para sustentar a família.
Sinéia Mendes, 49 anos e irmã de "Gitão", clama que a Justiça seja feita. "Já fomos com o procurador Armando Brasil pedir justiça. Precisamos de um advogado, porque não podemos viver com essa dor... Um ser humano como meu irmão é muito difícil encontrar. No momento em que tudo aconteceu ele ainda ajudou a salvar o Danilo".
A Assessoria de Comunicação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PA) foi contactada, mas não se pronunciou sobre o assunto até o fechamento desta edição.
Em prantos e indignada, a irmã de "Gitão", relatou o sofrimento e as dificuldades que a família e amigos ainda vivem com a perda do ente querido. O local onde o grupo de barreiros precisa trabalhar no barro recolhido exige o pagamento de R$ 600 semanais de aluguel.
"Ele faz muita falta para a família, os amigos. Era amigo de todos. Vivemos com dificuldades financeiras porque ele nos ajudava. Buscamos um reparo para os trabalhadores. Essa é uma atividade muito sofrida. Queremos ajuda, para melhorar esse barracão onde eles trabalham".
"Essa sempre foi uma luta do meu irmão. Ele sonhava ter um dia carteira assinada. Não queria mais trabalhar no barro, nem puxar carroça. Tiraram o sonho de Gitão", chora a irmã.
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