CONTINUE EM OLIBERAL.COM
X

Temperatura máxima em Belém já superou limite estabelecido pelo Painel das Nações Unidas

O dado faz parte de uma pesquisa que analisou as temperaturas máximas registradas em Belém de 1970 a 2023

Gabriel Pires

Nos últimos 50 anos, a temperatura máxima em Belém já subiu 1,9°C, acima do limite de 1,5°C estabelecido pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) como um ponto crítico para o planeta. O dado faz parte de uma pesquisa conduzida pelo doutor em desenvolvimento socioambiental Júlio Cezar Patrício, que analisou as temperaturas máximas registradas em Belém de 1970 a 2023, a partir dos históricos do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Neste domingo (16), Dia Nacional de Conscientização sobre as Mudanças Climáticas, especialistas alertam para esse aquecimento na cidade.

No domingo (16), Dia Nacional de Conscientização sobre as Mudanças Climáticas, cientistas reforçam a preocupação com a aceleração desse processo. No estudo, Júlio Cezar considerou o mês de novembro de cada ano, que é o mês mais quente na capital por conta da ausência de chuvas. “Fiz um estudo da temperatura da cidade desde a década de 70 até a última informação que recebi do Inmet [2023]. Levantei todos os registros do dia 30 de novembro de cada ano e fui pegando a temperatura máxima e observei um aumento preocupante”, explicou o pesquisador.

E, segundo o pesquisador, a elevação da temperatura é um sinal de alerta para a população e as autoridades, que pode acelerar ainda mais nos próximos anos. "Da maneira que o mundo caminha em termos de retrocesso com o uso dos recursos naturais, como Belém não está isolada, vivemos em uma 'casa comum'. A tendência é que chegaremos a uma aceleração com o aumento da temperatura e a um ponto de não retorno. Isso preocupa muito".

“Estamos com uma variação de 1.9. Nós temos um aumento de variação que preocupa. Nós temos um indicativo do IPCC, um órgão mundial que trabalha com a questão da caracterização climática, o qual diz que o mundo passaria um ponto de não retorno, isto é, nós teríamos condições, praticamente, de deixar de ter uma vida saudável e confortável, se nós aumentássemos para 1.5 graus centígrados. E estamos acima de 1.9. Isso acende um sinal de alerta”, aponta o pesquisador.

Também de acordo com a pesquisa, os dados mostram que a temperatura máxima média registrada na cidade durante a década de 1970 foi de 31,87°C. Já na década de 2020, considerando os anos até 2023, essa média subiu para 33,83°C - representando o aumento de 1,96°C no período analisado. Quanto aos impactos sociais e ambientais, o estudo aponta, também, que a elevação térmica aumenta a vulnerabilidade da população às ondas de calor, problemas de saúde e pressões sobre a infraestrutura urbana. 

Arborização

Um fator para o aumento das temperaturas é a falta de mais espaços verdes. Apesar de iniciativas históricas, como a gestão de Antônio Lemos (1897-1902), que promoveu a arborização na cidade - inclusive, dando a Belém o título de “cidades das mangueiras" -, a capital paraense necessita da implementação de políticas ambientais eficazes. O Plano Diretor de Belém, por exemplo, não aborda adequadamente as mudanças climáticas e a arborização. “Somos uma das capitais do Brasil que está ainda discutindo novamente a revisão do plano diretor, que é de 2008”, pontua Patrício.

“Temos uma cidade que tinha uma condição de vida natural mesmo, de floresta intensa que permitia uma condição de um ecossistema favorável a quem vivesse aqui. E hoje se vive numa cidade que a gente poderia dizer que é uma ilha de calor, em razão dos equipamentos urbanos dos grandes prédios, que têm em torno de 30 a 32 andares, que é uma concentração de calor intensa. Isso aí também é um elemento do plano de leitor que deveria ser discutido”, completa o pesquisador.

Além disso, como constatado na pesquisa, Belém tem uma das menores taxas de arborização urbana do Brasil, com apenas 22,3% das vias públicas arborizadas, segundo dados do IBGE de 2010. Isso intensifica o efeito das ilhas de calor e compromete a resiliência climática da cidade - favorecendo um aquecimento acentuado. “Se nós pegarmos as 27 capitais, considerando Brasília, somos a penúltima cidade no indicador que no indicador da arborização. Nós só ganhamos Rio Branco. E a região norte é a região que tem menos arborização urbana”, relata Júlio Cezar.

Educação ambiental

Visando contornar os efeitos do aumento da temperatura e promover uma consciência ambiental entre a comunidade, moradores do bairro da Cidade Velha, na capital, se empenham em realizar o plantio de mudas no entorno de onde moram. Com o projeto “Semear”, grupos se reúnem para arborizar diversos espaços, como é o caso da praça Veiga Cabral.  A iniciativa, realizada em parceria com a ONG Lions Clube Belém, que atua com projetos de educação ambiental, já dura há dois anos no bairro.

Um dos envolvidos na ação é o professor Leonardo Verçosa, de 65 anos. Morador do bairro há anos, ele comenta que o gesto ajuda a aumentar a educação dos vizinhos e, ainda, os tornam agentes de mudanças para o planeta. E relata que sente os efeitos das alterações climáticas. “Às vezes tem dia que chove para caramba, aí no outro dia dá esse sol maravilhoso. E plantar mudas fazem a diferença, porque a planta também é vida. A natureza é vida. As árvores ajudam o clima”.

Cidade Velha

“Sempre venho e dou minha colaboração no plantio de mudas. A nossa cidade precisa disso. E precisa ser vigiada, para também não estragar o espaço. A comunidade sempre faz esses projetos. Também limpam o espaço. Vão de vizinho. Todos começam a se unir. Cada um dá as mãos e fazem acontecer. Depois da limpeza, plantam uma mudinha nova, para poder chamar a atenção. Já participo faz uns seis anos”, acrescenta Leonardo, ao falar da importância de gestos como esse, sobretudo em um ano que Belém recebe a COP 30. 

Também morador da Cidade Velha e membro do projeto, o servidor público Jorge Vasconcelos destaca a necessidade da cobertura vegetal para esse período de mudanças de comportamento por conta das adaptações climáticas. Entre as mudas já plantadas estão espécies frutíferas e ornamentais. “Plantar árvores atinge vários objetivos, como o conforto climático. É sempre benéfico plantar árvores, porque quem sai beneficiado é a natureza, em especial a população que reside naquela cidade”, enfatiza Vasconcelos.

Jorge, que também é presidente da ONG Lions Clubes Belém, entidade parceira do projeto, comenta que a meta é realizar um plantio ainda mais frequente de árvores em toda a cidade. “É fundamental que o plantio de árvores acompanhe o desenvolvimento urbano, porque com o asfaltamento e os prédios que são erguidos, são fatores que aumentam a temperatura”, reforça. 

Aquecimento

O especialista em meteorologia Everaldo de Souza também confirma que os dados históricos da estação meteorológica de Belém apontam um aquecimento contínuo ao longo das últimas décadas. Segundo ele, ao comparar os períodos de 1980 e 1990 com as décadas mais recentes, de 2010 e 2020, observa-se um aumento sistemático da temperatura, especialmente no segundo semestre do ano, quando a elevação chega a 1,2°C. Mesmo no período chuvoso, o aquecimento também é registrado, embora de forma mais moderada, com aumento de cerca de 0,8°C na temperatura mínima. 

Histórico

Já as máximas da tarde, de acordo com o especialista, seguem a mesma tendência de alta em relação às décadas anteriores. Entre outras causas para o aumento da temperatura em Belém ao longo dos anos, Souza detalha: “Temos o efeito direto da urbanização. A cidade urbanizada aquece muito mais do que uma região que é de floresta ou tem vegetação. Numa cidade, o balanço de energia é muito mais em calor sensível que aquece a atmosfera. Numa cidade que é floresta o balanço de energia é calor batente que é usado na evapotranspiração ou formação de nuvens. Essa é a explicação científica”.

“Também há um outro fator que é o fator global de aquecimento do planeta. Então, tem relação com a emissão de gás de efeito estufa, o planeta está muito mais quente. Isso se reflete também em algumas cidades ao redor do mundo, inclusive no Brasil e na Amazônia; E aqui em Belém ainda é diferente. Tudo isso tem um efeito em todas as atividades humanas. Um exemplo é na feira. As frutas, num dia muito mais quente, se não forem vendidas, vão estragar. Então, por causa do efeito de aquecimento, da alta umidade, isso tem um impacto em um setor produtivo mais simples que é a alimentação”, completa.

O especialista destacou ainda que, aliado ao aumento da temperatura, Belém também tem registrado uma intensificação dos eventos extremos de chuva. Segundo ele, análises realizadas ao longo das últimas décadas mostram que os meses mais chuvosos – janeiro, fevereiro, março e abril – apresentam uma frequência maior de precipitações intensas, resultando em mais alagamentos e inundações. Para Souza, os dados científicos confirmam essa tendência

“De ano para ano, nas últimas décadas, também tem aumentado essa frequência de mais eventos extremos, mais chuva, mais alagamentos, mais inundações. Algumas vezes essa chuva coincide com a maré alta e o impacto é muito maior. O inverno amazônico está mais rigoroso a cada ano, é verdade, os dados têm apontado isso”, conclui, ao lembrar da importância de ações contra a emissão de gases do efeito estufa, iniciativas para frear o desmatamento e ações de reflorestamento, além de ações governamentais para frear o impacto dos extremos climáticos.

Ações

Para reverter o cenário de emergência do clima, em 2020, o Pará instituiu a Política Estadual sobre Mudanças Climáticas (PEMC) e o Plano Estadual Amazônia Agora, com metas de reduzir em 37% as emissões de Gases de Efeito Estufa até 2030, a partir da redução do desmatamento e manutenção de 5,65 milhões de hectares de floresta secundária até 2030. Segundo a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), também foi criada a Força Estadual de Combate ao Desmatamento, que reduziu em 28,4% o total de áreas desmatadas em 2024 em relação a 2023.

Ainda houve a implementação o programa Regulariza Pará e o Plano de Bioeconomia, o Plano Estadual de Recuperação da Vegetação Nativa, entre outros. “A secretaria ressalta que, com base nas informações da estação meteorológica/climatológica do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), nos últimos anos foram registradas as cinco maiores temperaturas máximas diárias registradas na estação, todas em anos de ocorrência de fenômenos oceânicos/climáticos, como o El Niño e Dipolo do Atlântico, entre outras alterações nas temperaturas da superfície do mar (TSM), que contribuem para a redução das chuvas e elevação das temperaturas do ar”, detalha a Semas.

Ainda segundo a secretaria, “em grandes centros urbanos, a ocorrência de eventos climáticos como esses tendem a ser mais percebidos a cada ano, em função dos efeitos associados às de ilhas de calor, que são impulsionadas por diversas alterações nas coberturas naturais da superfície nas grandes cidades, como Belém”. A Semas ainda cita que a substituição da vegetação por superfícies impermeáveis reduz a evapotranspiração e aumenta a absorção de radiação solar, intensificando o aquecimento do ar. Além disso, a presença de construções verticais dificulta a circulação do vento, elevando as temperaturas e o desconforto térmico nos centros urbanos.

Mapeamento

Em nota, a prefeitura de Belém reconhece que há um aumento de temperatura na capital, que é listada entre as 15 cidades brasileiras que registraram aumentos acima da média, com 0,63 °C de aumento, segundo a Climate Central, uma organização sem fins lucrativos que pesquisa e comunica sobre as mudanças climáticas. "Nesse sentido, a Prefeitura de Belém, por meio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Belém (Semma), está mapeando áreas da cidade desprovidas de cobertura verde e executando plantio de espécies nativas que se adaptam ao clima da cidade". 

"Isso  ocorre por meio do projeto Cidade Verde, que tem como objetivo intensificar o trabalho de arborização na nossa capital, com a meta de plantar dez mil mudas por ano, principalmente nos bairros periféricos, onde o espaço para arborização normalmente é mais reduzido. Essas áreas arborizadas são fundamentais para a mitigação dos problemas causados pelas altas temperaturas, melhoram a qualidade do ar, além de embelezar a cidade", completa o comunicado da prefeitura. 

A Prefeitura também está mapeando e readequando áreas de alagamento, onde se identifica vulnerabilidade da população, investindo em infraestrutura resiliente, como é o caso das obras da bacia do Una e da bacia do Igarapé do Tucunduba, capazes de suportar eventos extremos, além de proporcionar sistemas de drenagem eficientes. E ainda, o município também é associado ao Governos Locais pela Sustentabilidade (ICLEI ), exemplo de parceiro que tem contribuído para a construção de planos, visando ações para mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

"Outro ponto a se destacar é que as políticas públicas voltadas para adaptação às mudanças devem ser tratadas por todas as esferas de governo e não apenas por uma secretaria isoladamente. São ações integradas de preservação do meio ambiente, educação ambiental, saneamento, incentivo ao transporte sustentável e menos poluente, como ônibus elétricos, mobilização da sociedade para se adaptar a essas mudanças, entre outras ações", conclui a nota.

Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱
Belém
.
Ícone cancelar

Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo!

Oferecemos notícia e informação de graça, mas produzir conteúdo de qualidade não é.

Os anúncios são uma forma de garantir a receita do portal e o pagamento dos profissionais envolvidos.

Por favor, desative ou remova o bloqueador de anúncios do seu navegador para continuar sua navegação sem interrupções. Obrigado!

ÚLTIMAS EM BELÉM

MAIS LIDAS EM BELÉM