Tecnologia neonatal reduz sequelas e salva vidas na Santa Casa do Pará

Monitoramento cerebral e hipotermia terapêutica ajudam a diagnosticar e tratar em tempo possíveis complicações pós-parto

Gabriel da Mota

A asfixia perinatal — falta de oxigenação ao nascer — é uma das principais causas de lesões cerebrais em recém-nascidos, podendo resultar em sequelas graves, como paralisia cerebral, dificuldades motoras e cognitivas, além de risco elevado de morte. Desde 2019, o hospital público Santa Casa de Misericórdia do Pará, em Belém, tem utilizado um protocolo inovador de monitoramento cerebral contínuo e hipotermia terapêutica, que protege o cérebro de bebês em situação crítica e reduz significativamente o desenvolvimento de sequelas.

Com essa tecnologia, a taxa de sucesso chega a 85% a 90%, segundo a médica Salma Saraty, responsável pelo setor de neonatologia do hospital. “Hoje, vemos que quase nenhuma criança necessita fazer gastrostomia ou traqueostomia por consequência de uma asfixia perinatal. Antes, a maioria evoluía com sequelas graves e se tornava dependente para o resto da vida”, destaca.

image Monitoramento é feito de modo presencial em Belém e on-line em parceria com uma equipe de médicos em São Paulo (Divulgação / PBSF)

O tratamento é viabilizado graças à parceria da Santa Casa com a PBSF (Protecting Brains & Saving Futures) [Protegendo Cérebros e Salvando Futuros, em português], organização especializada em neuroproteção neonatal. Desde sua implementação, já foram monitoradas aproximadamente 300 crianças de alto risco, das quais 30% apresentaram crises convulsivas. Segundo o médico Gabriel Variane, fundador da PBSF, 88% das crises convulsivas detectadas foram identificadas apenas pelo monitoramento contínuo, pois não apresentavam sinais clínicos visíveis.

“A maioria das convulsões neonatais não tem manifestação clínica, e o bebê não mexe um dedo, não pisca os olhos. Sem esse equipamento, o diagnóstico seria impossível”, explica Gabriel. Segundo ele, essa tecnologia já foi aplicada em 50 hospitais do Brasil, totalizando mais de 14 mil crianças atendidas e 800 mil horas de monitoramento cerebral.

Como funciona o tratamento neonatal?

A tecnologia utilizada na Santa Casa combina dois métodos fundamentais:

    •    Hipotermia terapêutica – Procedimento que reduz a temperatura corporal do bebê para 33,5°C por 72 horas, diminuindo a inflamação causada pela falta de oxigenação e protegendo o cérebro de danos permanentes.

    •    Monitoramento cerebral contínuo – Equipamento que monitora a atividade elétrica do cérebro 24 horas por dia, permitindo detectar convulsões subclínicas e garantir um tratamento imediato.

“Convulsões subclínicas podem durar por horas, e sem monitoramento elas não seriam tratadas. A detecção precoce permite uma intervenção mais eficaz, reduzindo danos cerebrais”, afirma o médico.

image Gabriel Variane, médico fundador da PBSF (Divulgação / PBSF)

A asfixia perinatal não é a única condição que exige esse tipo de tecnologia. Segundo a médica da Santa Casa do Pará, bebês prematuros e cardiopatas também estão entre os recém-nascidos que necessitam desse monitoramento. “Muitas cardiopatias causam desvio de fluxo sanguíneo, e isso pode levar à redução da oxigenação cerebral. O monitoramento permite que detectemos precocemente essas alterações e possamos agir rapidamente”, explica Salma Saraty.

O impacto na vida das famílias

Entre as centenas de bebês tratados com essa tecnologia, está Samuel, filho de Manoela, que nasceu após um trabalho de parto complicado.

“Minha gestação foi tranquila, mas fiquei 16 horas em trabalho de parto. Minhas contrações começaram a regredir, e ele não conseguia nascer. Quando finalmente veio ao mundo, ele sofreu asfixia”, conta a mãe.

Logo após o nascimento, Samuel foi levado para a UTI neonatal e colocado sob hipotermia terapêutica. “Nos três primeiros dias, eu não pude pegá-lo no colo. Ele estava dentro de uma cabine, enrolado e cheio de eletrodos na cabeça. E o apoio da equipe da doutora Salma foi maravilhoso”, lembra Manoela.

image A servidora pública Manoela Matos (35) e o advogado Diogo Abreu (36) são os pais de Samuel Abreu, 1 ano e 8 meses, que passou pelo neuromonitoramento na Santa Casa (Ivan Duarte / O Liberal)

Após a alta hospitalar, começou uma nova fase: o acompanhamento neurológico e a estimulação precoce. “A doutora Salma sempre dizia: ‘Tem que colocar ele de bruços, fazer movimentos, estimular ao máximo’. Eu baixei um aplicativo chamado Kinedu, que orienta as atividades adequadas para cada fase do bebê”, explica a mãe.

O esforço valeu a pena. Com seis meses de idade, Samuel havia superado os atrasos no desenvolvimento. “No início, ele não sorria, não olhava nos olhos. Mas, com os estímulos corretos, ele foi recuperando tudo. Hoje, com 1 ano e 8 meses, já corre pela casa e dá aquela canseira diária que toda mãe conhece”, celebra.

Redução de custos para o sistema de saúde

Além do impacto direto na qualidade de vida das crianças e suas famílias, o uso dessas tecnologias também representa um grande benefício financeiro para o setor público. O tratamento precoce evita que o bebê desenvolva sequelas permanentes que exigiriam atendimentos médicos frequentes, internações e terapias intensivas ao longo da vida. “A neuroproteção salva o futuro da criança e proporciona uma economia para o estado”, destaca Salma Saraty.

Apesar dos avanços na Santa Casa em Belém, a UTI Neonatal Neurológica ainda precisa ser expandida para outras regiões do Pará. Atualmente, apenas um leito está disponível para transferências externas, o que limita o alcance da tecnologia.

“Nós temos uma grande necessidade de expandir esse modelo para os hospitais regionais, principalmente no oeste e sul do Pará”, explica a médica.

A dificuldade de acesso a algumas localidades, onde o transporte depende de barcos e estradas precárias, muitas vezes impede que bebês de áreas remotas cheguem a tempo para receber o tratamento adequado.

Segundo a especialista, a janela ideal para iniciar a hipotermia terapêutica é de seis horas após a injúria. No entanto, devido às dificuldades logísticas da região, o prazo foi estendido para 12 horas na tentativa de atender mais recém-nascidos.

image Salma Saraty, médica responsável pelo setor de neonatologia da Santa Casa do Pará (Ivan Duarte / O Liberal)

Em nota, a Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará (Sespa) informou que está prevista, ainda para 2025, a entrega de 10 leitos de UTI neonatal no Hospital Geral de Tailândia, na região nordeste do estado, e que há sete unidades hospitalares com obras em andamento, com a previsão de ofertar um total de 61 leitos de UTI neonatal. Além disso, a Sespa afirmou que prepara a realização de um seminário on-line, em parceria com a Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará e a Sociedade Paraense de Pediatria, para abordar a terapia e a viabilidade de sua implementação em diferentes unidades hospitalares nas regiões do estado. A previsão é que o evento ocorra no segundo semestre, considerando a agenda técnica da secretaria.

“Nossa missão é reduzir a zero o número de crianças com deficiências evitáveis. O sucesso no Pará é uma base sólida para ampliarmos essas ações. Trabalhando juntos e aplicando o melhor da tecnologia, seguiremos protegendo cérebros e salvando futuros”, conclui Gabriel Variane.

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