Solidão das ruas é amenizada com a companhia de animais

Moradores em situação de risco encontram afeto em animais abandonados

João Paulo Jussara
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Atualmente, milhares de pessoas vivem em situação de rua na capital. Somente de janeiro a agosto de 2019, os espaços de acolhimento administrados pela Prefeitura Municipal de Belém, por meio da Fundação Papa João XXIII (Funpapa), atenderam quase 1.300 pessoas. São mulheres, homens, crianças e idosos que sobrevivem diariamente às margens da sociedade, muitas vezes sem perspectiva alguma de conseguir um emprego ou uma casa própria. Mesmo com todas as dificuldades e a solidão severa que as ruas oferecem, muitas dessas pessoas dividem o pouco que têm com animais de rua, em uma troca de afeto, companhia e lealdade que, muitas vezes, tem o poder de transformar a vida de ambos.

Enquanto a tradicional chuva da tarde caía em Belém, Denilson Queiroz, artesão e morador de rua, parecia não se importar muito e continuava brincando com seu recém-adotado gatinho, apelidado de Branquinho. A poucos metros dali, ainda na calçada da travessa Doutor Moraes, próximo à avenida Conselheiro Furtado, sua esposa, Maria de Nazaré de Santos, fazia carinho nas costas de Bolinha, sua cadelinha de três anos, que comia sua ração enquanto abanava o rabo e fazia companhia para sua dona, na "casa" improvisada pelo casal.

image Branquinho foi adotado após ter sido abandonado próximo ao abrigo improvisado do casal (Cláudio Pinheiro/ O Liberal)

Maria de Nazaré e Denilson se conheceram nas ruas há cerca de sete anos, época em que decidiram construir uma espécie de abrigo improvisado na calçada, com pedaços de madeira, restos de lona, caixas de papelão e lençóis. Ele fabrica e vende artesanato, e ela, anda pelos bares na noite de Belém vendendo bombons e cigarros. "A gente teve que fazer nossa casinha aqui, nessa calçada, porque não tinha pra onde ir", conta Denilson.

Eles tentaram, de todos os modos, conseguir uma casa própria, já que não tinham condições de pagar aluguel. Maria se inscreveu no programa habitacional "Minha Casa, Minha Vida", do Governo Federal, e diz que até hoje, nunca conseguiu uma vaga. O abrigo improvisado na calçada, onde moram, já desabou por conta das fortes chuvas que caem em Belém várias vezes. Mas o casal sempre junta tudo e reconstrói novamente seu lar.

image Depois dos dois cachorros, o casal adotou mais dois gatos, batizados de Branquinho e Baratinha (Cláudio Pinheiro/ O Liberal)

Nos últimos meses, a dificuldade tem aumentado, porque Maria de Nazaré contraiu tuberculose e pneumonia após pegar chuva, e parou de trabalhar. Para sobreviver, os dois contam com a doação dos moradores da vizinhança, que conhecem a história do casal e sempre buscam ajudar com alimentação, roupas, água e remédios. Mas o que mais chama a atenção de quem passa pela calçada onde eles vivem, é a alegria de viver e o sorriso que ostentam, sempre com muita simpatia e abertos a conversar com quem quer que seja.

Mudança de vida

Foi há cerca de três anos que a vida do casal mudou de vez. Em uma noite fria, Maria e Denilson dormiam em sua cama, quando foram acordados com os latidos e o choro de um filhote de cachorro, que fora abandonado próximo dali. Imediatamente, Maria se levantou e foi ver o que estava acontecendo. "Deixaram ele aí na porta, pra gente criar. Eu é que não ia deixar o bichinho sofrendo na rua, com frio e com fome. Botei ele pra dentro de casa", relembra. Bolinha, como foi batizada a cadela, virou o xodó do casal.

Poucos meses depois, Denilson andava pelas ruas de Belém quando encontrou outro cachorro filhote revirando uma lata de lixo em busca de comida. Foi amor à primeira vista. Pretinho ganhou um lar e hoje mora com seus "pais", no abrigo improvisado. "Eu amo muito ele. Ele dorme junto comigo, passeia comigo, me beija. É o meu xodó", diz o artesão.

Desde a adoção de Bolinha, a família não parou mais de crescer. Depois dos dois cachorros, Denilson e Maria ainda adotaram mais um casal de gatos, batizados de Branquinho e Baratinha. Os animais viviam rondando a casa do casal. Situação recorrente na cidade, já que, segundo estimativa do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), há cerca de 20 mil animais em situação de abandono nas ruas de Belém. Mas esse número pode ser muito maior. Levantamento do Fórum de Proteção e Defesa dos Animais estima que esse número pode chegar a 200 mil.

Os quatro animais são muito bem cuidados. Se alimentam duas vezes por dia com ração, doada pela comunidade e pela dona de um pet shop próximo à morada do casal. Quando ficam doentes, Maria prontamente os leva a clínicas veterinárias que oferecem tratamento gratuito para animais de pessoas de baixa renda. "Mesmo a gente não tendo muita coisa, a gente dá tudo pra eles. Os bichinhos não têm culpa de nada, eles precisam de proteção", afirma a vendedora.

Hoje o casal não imagina mais o que é viver sem os seus "filhos". As noites frias e as tardes de chuva agora são menos solitárias com a coberta compartilhada. As dificuldades da vida continuam, mas agora Maria de Nazaré e Denilson têm mais motivos para sorrir. "Eu adoro viver com eles aqui. Eles são uma companhia pra toda hora, são nossos amigos. Eu não abandono os meus bichinhos. Pra onde eu for, eles vão comigo. Essa é a minha família", diz Maria, com um largo sorriso no rosto.

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