População transforma pontos de acúmulo de lixo em jardins comunitários em Belém

Moradores do entorno do canal do Galo, em dois pontos às margens da travessa Coronel Luís Bentes e da avenida Senador Lemos, no Telégrafo, se uniram para transformar a realidade onde moram

Gabriel Pires

Beiras de canais que antes eram conhecidas pelo depósito irregular de lixo e entulho, em Belém, têm ganhado um novo cenário por meio da iniciativa de moradores de transformar esses locais em jardins comunitários. Isso pode ser visto em alguns trechos do canal do Galo, por exemplo, e também às margens da travessa Coronel Luís Bentes e da avenida Senador Lemos, no bairro do Telégrafo, onde a população vem mostrando o poder da ação coletiva, unindo responsabilidade ambiental e conscientização. 

Na travessa Coronel Luís Bentes, o antigo lixão a céu aberto - que antes era uma dor de cabeça para os moradores do entorno – deu lugar a um canteiro ecológico. Com o apoio da Secretaria Municipal de Saneamento (Sesan), que fez a retirada do lixo da área e alguns serviços decorativos, a esquina do canal foi revitalizada pela comunidade, que plantou mudas de diversas espécies de plantas dentro de pneus decorados e enfeitou o local, dando novas cores ao ambiente, como conta a autônoma Carla Monteiro, 39 anos, que é moradora do bairro e mobilizou a ação. 

image Há pouco mais de dois meses a autônoma Carla Monteiro decidiu criar um jardim na beira do canal, onde fica a casa em que mora (Cristino Martins / O Liberal)

O espaço foi batizado de “Maik Lee”, que era um morador do bairro e lutava pela causa ambiental. Segundo Carla, a iniciativa surtiu efeito e os vizinhos também se engajam em manter o canteiro limpo e preservar o que é plantado. Até o momento, Carla estima que mais de 20 mudas já foram cultivadas nos pneus que são reaproveitados e viram os “vasos” para as plantas. Entre as mudas estão: pés de feijão, tomate, açaí, entre outros. Para ela, essa também é uma forma de educar a sociedade. “Apesar da gente morar na baixada, podemos também ter uma visão diferente da periferia. É um lugar bom para se viver”, relata.

Exemplo

Toda essa transformação começou quando Carla se revoltou com a quantidade de lixo que era jogada na rua onde mora. Há cerca de dois meses, com a ajuda de outros moradores do bairro, ela deu início ao processo de construção do jardim — após um protesto feito pelos moradores devido à quantidade de sujeira na via. “É muito complicado manter esse local limpo, porque a gente limpa, vem outro e suja. Mas sempre estamos em cima. Esse é o exemplo que podemos dar para todo mundo. Hoje em dia, eu posso falar sem tristeza que moro na beira do canal do Galo, que é um ex-lixão”, afirma.

“Aqui, botaram bancos [as equipes da Sesan], outros meninos enfeitaram com as plantas. Era difícil andar [pela rua]. Tínhamos que andar pela lama, por meio de moscas, insetos e bichos mortos. Para manter isso aqui, tem que ser um esforço diário. Não pode ser só um dia. Todos os dias eu venho com uma vassoura limpar com outro rapaz. Eu peço apoio [de todas as pessoas da comunidade]. A gente não pode esperar pelo outro, temos que sempre estar agindo. Lixão nunca mais”, completa Carla.

Cristino Martins / O Liberal

Cuidado

Iniciativas como essa vem se espalhando para outros lugares da capital, como se observa às margens do canal do Galo, no trecho da avenida Senador Lemos, ainda no bairro do Telégrafo. O perímetro também concentrava outro ponto de acúmulo de lixo, mas a realidade foi sendo modificada aos poucos, a partir da ação do empresário Lizomar Garcia, 64, que há 30 anos mora na área. Foi vendo a sujeira se acumulando dia após dia que ele se uniu a outros moradores e elaborou um jardim comunitário à beira do canal.

“O problema acabou parcialmente, porque ainda insistem em colocar lixo. Era um lixão a céu aberto mesmo. Eu e outro vizinho nos reunimos aos fins de semanas e limpamos o local. Plantamos banana, tem girassol, além de mudas de abacaxi e açaí. Isso já tem uns quatro anos, mas, para o que era, melhorou bastante. A prefeitura vinha, tirava o lixo, mas no outro dia estava na mesma situação. Com isso, atraia insetos, ratos e moscas por aqui. Hoje, nós ficamos monitorando”, relata Lizomar.

Se de um lado o despejo de lixo irregular foi controlado, do outro ainda há quem insista em dar o mau exemplo, furtando algumas plantas cultivadas no local. Mas isso não detém o processo de transformação: “O pessoal vinha de todo canto, daqui das redondezas e jogava o lixo na beira do canal. A gente se reuniu [moradores] porque, além de jogar lixo, eles pegavam a madeira descartada e tocavam fogo, ficava feio. Causava ums. Os carros não passavam mais pela rua por conta da sujeira. Eles [os condutores] iam até certo ponto”, lembra o empresário. 

image Lizomar, junto da esposa dele, Katia Garcia, técnica de patologia clinica, no canteiro onde foi construído pela população (Cristino Martins / O Liberal)

Lizomar frisa, ainda, que dezenas de pessoas se engajaram para construir o espaço. Todo o material, como os pneus e, até mesmo, as mudas das plantas, foram frutos de doação. Dispostos a colaborar com uma cidade cada vez mais limpa e “mais verde”, diversos moradores do entorno ajudam a preservar os canteiros. “A cada 15 dias a gente se reúne e faz uma limpeza. Ou até mesmo uma vez por semana, depende do tempo que a gente tem”, finaliza Lizomar.

A Redação Integrada de O Liberal solicitou mais detalhes à Sesan sobre a regularidade da coleta de lixo nos pontos citados na reportagem, além de pedir um detalhamento à Prefeitura de Belém sobre o apoio dado a essas iniciativas. A reportagem aguarda retorno.

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