Ofício de erveiras do Ver-o-Peso é Patrimônio Cultural Imaterial de Belém

A Câmara Municipal de Belém aprovou, por unanimidade, projeto de lei da Bancada Mulheres Amazônidas que reconhece o ofício das erveiras do Mercado do Ver-o-Peso

Dilson Pimentel
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O ofício das erveiras do Mercado do Ver-o-Peso foi reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial de Belém. A aprovação do projeto de lei de autoria da Bancada Mulheres Amazônidas (Psol) ocorreu na semana passada (24), pela Câmara Municipal de Belém. Exercido, sobretudo, por mulheres e transmitido de geração para geração por meio da oralidade, o trabalho implica no conhecimento de ativos medicinais presentes em ervas, cascas, raízes e outros elementos presentes na natureza. A erveira Bernadete Freire da Costa, a Beth Cheirosinha, 74, gostou da decisão dos vereadores. “É muito importante. Isso aqui faz parte da nossa cultura paraense. São nossas raízes. É mais do que merecido esse reconhecimento”, afirmou.


 

O ofício é uma exímia expressão das culturas indígenas, negras e ribeirinhas na capital paraense. Exercido, sobretudo, por mulheres e transmitido de geração para geração por meio da oralidade, o ofício implica no conhecimento de ativos medicinais presentes em ervas, cascas, raízes e outros elementos presentes na natureza. Eles são manipulados artesanalmente e se transformam em banhos, óleos, pomadas e perfumes, prescritos para a cura de enfermidades físicas, emocionais e espirituais.

Co-vereadora da bancada propositora do projeto de lei, Gizelle Freitas diz ser "impossível pensar em Belém, no Ver-o-Peso, sem lembrar desse símbolo. É a preservação do nosso saber ancestral afroindígena amazônida”.

Ainda segundo ela, “espanta que ainda não fosse reconhecido como patrimônio imaterial cultural. Agora é usar esse título para lutar por políticas públicas a esse público, ouvir erveiras e saber quais outras demandas elas têm. Que o poder executivo tenha políticas de valorização do ofício de tantos sujeitos sociais que compõem nossa cidade".

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O Complexo do Ver-o-Peso, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1977 e considerado a maior feira ao ar livre da América Latina, reserva aos consumidores o setor de ervas, espaço dedicado às bancas de dezenas de erveiras, muito procuradas pela população local e por turistas.

O Ver-o-Peso passa por uma reforma completa. É um dos projetos prioritários do executivo municipal para preparar a cidade que será sede da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, a COP 30, em novembro de 2025, reafirmando o valor do complexo e de todas as pessoas que trabalham nele, como as erveiras.

“É mais do que merecido esse reconhecimento”, diz Beth Cheirosinha

A erveira Bernadete Freire da Costa, a Beth Cheirosinha, de 74 anos, tem mais de 50 anos de Ver-o-Peso. Ela gostou da decisão dos vereadores. “É muito importante. Isso aqui faz parte da nossa cultura paraense. São nossas raízes. É mais do que merecido esse reconhecimento”, afirmou. Ela completará, em julho, 54 anos de Ver-o-Peso.

Beth disse que as ervas mais procuradas são as cheirosas e aquelas que atraem o amor. “As que atraem dinheiro, os negócios. Aquelas para curar as doenças também são muito procuradas”, contou. É importante saber como preparar as ervas. Mas o segredo é ter fé. “Sempre falo assim para o freguês: ‘olha, você está comprando, você vai levar. Mas é preciso que você tenha fé. Ter fé e acreditar que realmente as ervas da natureza funcionam de verdade”.

A erveira afirmou, ainda, que o Ver-o-Peso é a segunda casa dela. “É daqui que eu vivo, pago as minhas contas. Para mim, o Ver-o-Peso é tudo”, contou. “Ir ao Ver-o-Peso e não ir na barraca da Beth Cheirosinha é o mesmo que ir em Roma e não vê o Papa”, afirmou.

"Faça com fé que tudo dá certo”, diz erveira Cleia

Rosicleia dos Santos, a Cleia, 48 anos, é erveira desde adolescente. Também é filha de Dona Coló. Começou a trabalhar aos 15 anos. Hoje tem 48. Quem a levou para a feira foi sua mãe. “Passou da minha bisavó para a minha avó, passou para a minha mãe, que passou para mim. E estou passando para os meus filhos”, disse. “Minha mãe chegou aqui novinha, cheirando a leite, e hoje está com 76 anos”, afirmou.

Cleia também comentou a iniciativa dos vereadores. “É uma satisfação muito grande. Nós já éramos conhecidas e vamos ser muito mais conhecidas. Somos 80 barracas, 102 erveiras. Para todos nós, é uma grande alegria e orgulho”, contou. “Aqui abriga duas culturas: indígenas e negros. Eu trabalho por amor. Eu gosto de fazer meus banhos. Faça com fé que tudo dá certo”, afirmou.

image Rosicleia dos Santos, a Cleia, é erveira desde adolescente: "Eu trabalho por amor. Eu gosto de fazer meus banhos" (Thiago Gomes/O Liberal)

Ela falou sobre a importância das ervas. “É para trazer saúde, alegria, prosperidade e harmonia para o lar”, contou. Cleia afirmou que os clientes também chegam pedindo ervas para curar problemas de saúde. Aí, nesse caso, ela sugere quais ervas devem ser usadas e o modo de prepará-las. Cleia também disse que há ervas para “agoniação”, para afastar o “olho gordo” e para atrair amor.

Homenagens pelo Brasil

Boi Garantido, tradicional agremiação que desfila no Festival Folclórico de Parintins, do Amazonas, homenageou as erveiras em 2019, com especial menção à Dona Coló, uma das mais antigas e reconhecidas erveiras do mercado.

O boi foi vitorioso no concurso. Em 2021, a Prefeitura de Belém também homenageou Dona Coló, com a comenda Francisco Caldeira Castelo Branco, a mais importante do município. Com a saúde debilitada, conta com as filhas para dar continuidade às suas práticas e ao comércio na feira, que foi antecedido pela formação de mateira - aprendendo a reconhecer as plantas, capturá-las e mesmo cultivá-las.

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