O Natal sob a ótica das pessoas em situação de rua
Por problemas diversos, elas deixaram seus lares
"Esse Natal vai ser péssimo. Morar na rua não é legal...." Enquanto prepara o almoço dele e de outros amigos, Edinho da Silva Marcelino, 38 anos, conta um pouco sobre como é viver longe de casa. Quando a reportagem o encontrou, ele estava na praça Waldemar Henrique, no bairro da Campina, em Belém, um espaço onde vivem algumas pessoas em situação de rua. Por motivos diversos, entre os quais problemas familiares, muita gente vive em praças, feiras, mercados e sob as marquises na capital. Recebem a solidariedade de alguns e a indiferença e o preconceito de muitos. Edinho nasceu no Acará, no nordeste paraense, mas, pouco depois, veio para Belém, onde mora há 32 anos. Por problemas familiares, sobre os quais prefere não entrar em detalhes, a rua é o lar dele há quase um mês. Ele dorme na escadinha do cais do porto, ao lado da Estação das Docas.
Por ser um ponto turístico, há mais policiamento, o que garante, em parte, a segurança dele. "Aqui tem um certo tipo de segurança do pessoal da Polícia", disse. No entanto, isso não torna seus dias tranquilos. "Morar na rua não é bom não. O pessoal rouba, mexe com a gente. A gente não dorme sossegado. Cochila e acorda o tempo todo", afirmou. Edinho disse que os natais passados foram ótimos. Ao contrário do deste ano.
Para conseguir dinheiro, ele contou que lava carros e carrega peixe. "Algumas pessoas também ajudam", disse. Edinho preparava, para o almoço, cabeça de peixe, com arroz, legumes e verduras. A "panela" era uma lata de tinta. "A gente pede nas ruas. Mas nem todo mundo dá. Julgam, criticam. É um preconceito", afirmou. "Pensam que é vagabundo, ladrão", completou outro homem, que preferiu não se identificar e também ia almoçar com o grupo de pessoas que vivem em situação de rua. Ou seja, as pessoas julgam, mas desconhecem as razões que levaram essas pessoas a deixarem, para trás, suas famílias, seus lares, toda uma história de vida. Edinho disse que deveria haver mais casas "de recuperação para as pessoas drogadas, viciadas, para as pessoas tentarem sair dessa vida e terem uma oportunidade de ser colocadas no mercado de trabalho. As pessoas não dão oportunidades", lamentou.
Distante alguns metros dali, a reportagem encontrou Hugo Fernandes, de 45 anos. Sentado no banco da praça, sozinho, e como se estivesse olhando para o nada, ele ainda não havia tomado café. Eram 10h30 da manhã. Hugo também não vai passar o Natal com a família. E, sim, com os amigos que fez na rua. Há um ano e dois meses, ele vive em situação de rua, em Belém. O seu lar é a avenida Presidente Vargas. Morava em São Luís (MA), onde nasceu. "Estou na rua porque não tenho condições de pagar aluguel. Aluguel é caro. É de R$ 400 pra lá. Não tenho como pagar", contou. "Vim pra cá por necessidade mesmo, em busca de uma condição melhor. Tava ruim lá pra gente as coisas. Vim para trabalhar", contou. Na capital maranhense, ele trabalhava como pintor.
"Não mexo com ninguém", diz homem que vive na rua há mais de um ano
Optou por Belém pela proximidade geográfica. Tem uma familiar residindo em Barcarena. "Mas não sei bem onde é a casa dela", contou. Ao chegar em Belém, já foi morar direto na rua. "Estou na porta dos Correios, é um lugar melhor pra gente. Durante a noite, chega o alimento pra gente. Um agasalho. Não tem violência", contou. Durante o dia, ele ajudava um senhor que faz sandálias de couro. "Mas ele tava pagando muito mal. Aí, saí", afirmou. Às 10h30, e com fome, aguardava a hora de ir para um restaurante, no centro comercial, cujo dono fornece refeições para pessoas em situação de rua. "Entre 14h30 e 15 horas ele serve comida. Estou esperando dar esse horário para eu ir pegar o alimento", contou. Para conseguir dinheiro, faz serviços braçais. "Um bico, um favor. Leva isso aqui na rodoviária, no (porto) Arapari. Me dão R$ 5, R$ 10", contou. Na rua, não pode contar com o apoio da família, algo de que ele deixa claro sentir falta. "Não tenho contato com a família de São Luís. Separei do meu irmão. Uma briga que tive com meu irmão caçula e a gente teve que se separar", disse.
Para ele, Natal representa família. "Uma data para estar junto da família, para comemorar. Eu vou comemorar o Natal com quem gosta de mim. As amizades da rua", afirmou. "O Natal do ano passado foi legal: ganhei alguns agasalhos", lembrou. Para melhorar a vida dessas pessoas, Hugo diz que deveria haver um prédio próprio para "agasalhar" esses moradores, "um albergue, mas bem organizado". Para ter um mínimo de tranquilidade nas ruas, ele afirmou que tenta viver na paz. "Hoje, pisa no pé da gente e já quer meter uma faca na pessoa. Parte logo para a agressão. Isso não pode ocorrer na nossa comunidade de rua", contou. "Fico no meu canto. Não mexo com ninguém. Não tem 'adjunto' (expressão para más companhias). 'Bora roubar'? Não, isso não é comigo. Procure outra pessoa para roubar com você", disse. Ele afirmou ainda que, para amenizar a dureza da realidade, bebe uma "biritinha. É para esquecer um pouco o que aconteceu comigo, na minha família, aliviar a mente". Mas garantiu não usar entorpecentes.
Desentendimentos familiares levam pessoas às ruas
Este jornal já mostrou que, ligado à Reitoria da Universidade Federal do Pará, o Programa Trópico em Movimento realizou, em outubro de 2014, uma pesquisa sobre a população em situação de rua em Belém e Ananindeua, verificando que 583 pessoas estavam nesta condição de vida. "Desse grupo social, 84% era do sexo masculino, quase a metade estava na faixa etária dos 18 aos 29 anos, ¾ nasceram no Estado do Pará, sendo que a metade era natural da capital. Mais: 54% não tinham frequentado nenhuma escola ou terminado a 4º série do ensino fundamental. Entre 60 e 80% passaram a maior parte do seu tempo nas praças, feiras e áreas comerciais dos dois municípios, onde podiam acessar com mais facilidade doações de comidas e realizar pequenos serviços para ganhar algum dinheiro, 73% faziam da rua seu dormitório noturno", disse o professor doutor Thomas A. Mitschein, coordenador daquele programa. Não há um levantamento mais recente. Mas ele diz que, certamente, a crise econômica generalizada tem levado ao aumento das pessoas que vivem em situação de rua. "Isso vale, em princípio, para todas as capitais do Brasil, nos casos de Belém e Ananindeua torna-se necessário um novo estudo para verificar o número exato", afirmou o professor doutor Thomas A. Mitschein, coordenador daquele programa.
No ranking dos motivos que levaram a população entrevistada a fazer da rua seu principal espaço de sobrevivência destacam-se desentendimento com familiares e decepção com o mundo lá fora que, por sua vez, estão sendo seguidos por uso de drogas e uso de álcool e drogas. "No que diz respeito aos dois últimos motivos, eles são predominantes nas faixas etárias de 10 a 17 anos e de 18 a 29 anos. 27,8% apontaram a facilidade de acessar e consumir drogas e bebidas de álcool como elemento mais atrativo de sua vida na rua e 36,7% usam drogas e bebidas alcoólicas todos os dias. Além disso, vale realçar que a população entrevistada transmitia com clareza à equipe de pesquisa que entende o seu próprio vício como uma maneira de compensar as suas frustrações no âmbito de suas relações interpessoais e em relação à sua condição de vida no âmbito do contexto social maior", explicou. "Contudo, é imperioso destacar que, em 2010, em Belém e Ananindeua 16% da população residente viviam entre a linha da indigência e da pobreza e embaixo da linha da indigência, representando um segmento social que, a duras penas, sobrevive e o condições altamente precárias e sempre corre o risco de ser jogado na faixa populacional mais vulnerável dos Municípios da Metropolitana de Belém".
Ainda segundo o professor, o poder público no Pará, e mais especificamente no maior polo urbano desse Estado, "precisa incentivar a maciça geração de ocupação, emprego e renda através do aproveitamento das potencialidades endógenas de desenvolvimento dos ecossistemas amazônicos, essa á estratégia que se faz necessária e adequada para enfrentar os problemas sociais em Belém e no Estado todo.
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