Mobilidade urbana e violência na periferia

Tainá Cavalcante
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Marcados historicamente por uma ocupação espontânea, Guamá e Terra Firme, bairros hoje periféricos da Região Metropolitana de Belém (RMB), trazem em si uma vivacidade que perpassa desde as culturas típicas de uma região da periferia - feiras ao ar livre que se misturam com o som de buzinas e um acumulado de vozes, até o emaranhado de caminhos, que desembocam em avenidas, ruas, vielas e até rios.

Rotas de passagem de uma população volumosa, que chega a somar 160 mil habitantes. Ademais, não surgiram à toa: são filhos de uma luta histórica, que começou com o deslocamento do povo dos centros para os subúrbios, o que os fez criar suas próprias construções.

Mobilidade Urbana e Violência na Periferia

Situados em pontos extremamente significativos para a cidade como um todo, Guamá e Terra Firme dão passagem às ilhas, às principais universidades da capital. Contudo, são manchados por um estigma que os acompanha e é inegavelmente reforçado pelo eco do senso comum: a criminalidade.

Identificados pela Secretaria de Segurança Pública do Pará (Segup) como dois dos sete bairros com a maior taxa de criminalidade da RMB, ambos têm muito a nos mostrar sobre como a falta de políticas públicas - que envolve não apenas segurança, mas também saneamento, urbanização, entre outros - repercute no desenfrear da criminalidade e afeta, substancialmente, a mobilidade urbana de todos que por lá circulam.

FATORES HISTÓRICOS AINDA PRESENTES

Pesquisador da temática de planejamento urbano excludente e gestão do espaço urbano, assim como de segregação sociorracial, governamentalidade, violência e racismo, o geógrafo Aiala Colares demarca que a infraestrutura precária nas referidas localidades "possibilitou a expansão do crime", o que fez com que, segundo ele, a criminalização se "territorializasse" em determinados pontos.  

A segurança pública não depende só do serviço da polícia, mas do conjunto de ações do poder público – Aiala Colares

Falando estritamente das consequências desse processo no que tange à mobilidade urbana, os efeitos nocivos são sentidos por moradores, por vezes cerceados do direito de ir e vir, seja pela carência de transporte público ou pela falibilidade do transporte alternativo; por motoristas, rodoviários ou autônomos, impelidos pelo medo de assaltos e, ao mesmo tempo, pela necessidade de servir; pelos cidadãos de forma geral, que acabam estando submetidos à necessidade da espera amarga de uma mobilidade urbana plenamente satisfatória, que somente seria possível, como sugere o especialista Aiala, a partir de um conjunto de esforços. 

MEDO, PRECONCEITO, INSEGURANÇA

Relatos de moradores do Guamá e Terra Firme, que não serão identificados nessa matéria por questões de segurança, assim como de motoristas que costumam circular pelos trechos, evidenciam uma latente e urgente reinvindicação dos habitantes: o sentimento de medo, preconceito e insegurança têm afetado, de maneira significativa e rotineira, a mobilidade de pessoas da periferia. 

O ônibus só vem porque tem que fazer o trecho, mas mototáxi, táxi, Uber, tem lugares que não vão. Eu tenho o privilégio de morar na avenida, mas se morar em vila, eles não levam – moradora da periferia

"À noite fica deserto. Esse é o pior horário pra quem depende exclusivamente de ônibus, como eu. Às vezes outros transportes têm até valor baixo, mas o dinheiro é guardado pra outras coisas. A única opção que eu tenho é rezar para que o ônibus passe, porque depois de meia noite é risco", afirma uma moradora do Guamá, que diz sentir privilegiada por morar em avenida.

O mesmo sentimento é compartilhado pela moradora da Terra Firme, que conta que quando decide sair para algum lugar à noite, precisa dormir na casa de alguém, por não conseguir voltar. "Os ônibus param de rodar mais cedo, Uber nem sempre aceita. Táxi é pior ainda. Ir andando não é uma opção, porque é perigoso, principalmente pra mulher. Eu vou fazer o que? Nem bicicleta é seguro. Kombi, van, mototáxi também não”. 

ENFRETAMENTO E AÇÕES DE PACIFICAÇÃO

Uma das formas que o Governo do Estado tem trabalhado para levar mais segurança à população e, por conseguinte, enfrentar as problemáticas da mobilidade urbana no que diz respeito à relação das mesmas com a criminalidade nos referidos locais é a implantação do programa "Territórios pela Paz".

Lançado em junho, o projeto objetiva a diminuição da vulnerabilidade social e o enfrentamento das dinâmicas da violência, a partir da articulação de ações de segurança pública e cidadania primeiramente em sete bairros, selecionados por terem os maiores índices de criminalidade da Grande Belém. São eles: Guamá, Jurunas, Terra Firme, Benguí e Cabanagem (Belém), Icuí (Ananindeua) e Nova União (Marituba).

De acordo com a gestão, a ideia é investir em infraestrutura urbana e em políticas públicas para "garantir uma vida digna às pessoas, possibilitando o desenvolvimento humano dos territórios". A estimativa é alcançar 370 mil pessoas diretamente, tendo como público preferencial as vítimas da criminalidade, mulheres em situação de risco e os jovens de 15 a 29 anos.

A Segup foi procurada pela reportagem para detalhar outras ações que têm sido feitas pelo Governo do Pará, assim como índices de criminalidade dos bairros definidos como prioritários pelo programa Territórios pela Paz. Perguntamos ainda se o órgão, enquanto secretaria de segurança, reconhece que a segurança afeta a mobilidade urbana da população e quais medidas têm tomado/planeja tomar quanto a questão. Até a publicação dessa matéria, porém, não recebemos retorno.

A Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana (Semob), por sua vez, garante que a circulação de ônibus em bairros considerados periféricos, como os citados nessa matéria, segue o mesmo padrão da circulação de outros pontos da cidade, com horários previamente definidos, a variar de acordo com a linha. Segundo a Semob, a média dos horários de circulação dos transportes na cidade, considerando bairros do centro e periféricos, são viagens que iniciam às 4h30 e encerram às 23h30. Só no Guamá, segundo aponta a Semob, 27 linhas circulam diariamente, com 264 veículos disponíveis aos passageiros nos dias úteis, frota que diminui em 30% aos sábados e 50% aos domingos e feriados. Os mesmos padrões são seguidos nas outras linhas com circulação em outros bairros da capital.

Ainda de acordo com a Semob, esse padrão de definição dos horários e frotas não tem qualquer relação com os índices de segurança dos bairros, mas, sim, com a demanda de usuários dos mesmos por horário. Por fim, a superintendência orienta que, caso os usuários tenham conhecimento de que as empresas não estão cumprindo as ordens de serviço dos horários, denunciem, para que se abra uma fiscalização, a fim de autuar quem estiver descumprindo as ordens.

O Sindicato dos Rodoviários diz reconhecer a situação da insegurança para os motoristas, mas garante que os trabalhadores seguem todos os horários estabelecidos pela Semob. "Uma coisa não impede a outra. Eles não se sentem completamente seguros, mas não deixam de rodar, fazer todas as viagens que são estabelecidas" afirmou o sindicato, que também disse desconhecer uma diferenciação de horários entre bairros considerados periféricos e os do centro.

O Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belém (Setransbel) admite que "a violência impacta também no transporte, uma vez que as pessoas deixam de andar nos horários considerados mais perigosos", mas destaca que o número de assaltos nos coletivos vem diminuindo nos últimos meses.

O QUE VIMOS NOS BAIRROS

A equipe envolvida desde a produção até a edição dessa matéria conversou sobre os principais pontos dessa matéria, seus achados e contribuições sociais, e os ensinamentos que levam dela. Confira:

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