Hanseníase: casos revelam endemia oculta no Brasil, alerta pesquisador
Projeto Hansen-Pará-Maranhão-Vale faz busca ativa por casos da doença no Brasil
Desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2000, decretou a hanseníase como uma doença eliminada como problema de saúde pública, a prevenção a novos casos da enfermidade passou a ser deixada um pouco de lado por parte de governos e da sociedade, mas novos casos detectados em curto espaço de tempo no Brasil indicam que, na verdade, trata-se de uma endemia oculta. Isso porque os casos podem ser até 5 vezes superiores aos oficiais, como alerta o hansenólogo Cláudio Salgado, presidente da Sociedade Brasileira de Hanseníase (SBH) e professor da Universidade Federal do Pará. “Há uma endemia oculta da doença e a estimativa é que o país tenha de 3 a 5 vezes mais pacientes de hanseníase do que apontam os números oficiais”, afirma.
De acordo com o “Boletim Epidemiológico - Hanseníase 2022”, do Ministério da Saúde, o Pará diagnosticou 2.548 casos novos da doença em 2019, e, em 2020, 1.643 (35,6%) menos casos que em 2019. Os números vêm caindo há muito tempo, no entanto, o professor Cláudio Salgado destaca que essa queda mostra-se operacional. “Só fez agravar agora com a pandemia, mas a queda é operacional, ou seja, pela falta de expertise para diagnosticar a doença. Como a gente sabe? Visitamos mais de 35 municípios no Pará, com hansenologistas da SBH. Sempre encontramos muitos casos novos em uma semana de trabalho. O mesmo foi feito em Jardinópolis e Ribeirão Preto, municípios ricos (hoje Ribeirão é o município mais endêmico de São Paulo) e em Palmas”, observa.
Esse levantamento se dá por meio do projeto Hansen-Pará-Maranhão-Vale, de busca ativa de casos de hanseníase, associado ao treinamento em serviço dos profissionais de saúde locais. “Desde 2009, nós visitamos mais de 35 municípios no Pará, no que chamamos de projeto Hansen-Pará, auxiliamos em projetos de colegas em outros estados, e agora partimos para este projeto conjunto Pará-Maranhão, que conta com o apoio da companhia Vale. Na realidade, o projeto é composto por docentes e técnicos de várias instituições, e muitos destes são afiliados à SBH”, explica Cláudio Salgado.
O objetivo principal é avaliar o uso de várias ferramentas, inclusive, exames laboratoriais que atualmente não estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), no apoio ao diagnóstico dos pacientes de hanseníase. Para alcançar este objetivo, a equipe vai a campo, ou seja, vai às residências de pessoas atingidas pela hanseníase nos últimos 10 anos para avaliar os contatos dessas pessoas. Estudantes em escolas também são examinados. Tudo visando o tratamento dos pacientes o mais rápido possível.
Neste momento, serão contemplados apenas três municípios: Marituba, no Pará, e Imperatriz e São Luís, no Maranhão.
O técnico administrativo José Picanço preside o Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase no Pará. “Nós apoiamos essa pesquisa da SBH, que é oportuna. Até porque o mote da campanha do Movimento este ano é ”Não esqueça da Hanseníase’, porque ela e outras doenças foram deixadas de lado por causa da pandemia da covid-19. Então, a pesquisa da SBH vem mapear o número de pessoas com a doença mas que estão sem tratamento, ou seja, muitas vezes nem sabem que tem a doença”, afirma. Picanço observa que a busca ativa por casos por parte da gestão da saúde no Brasil é insuficiente.
Preocupante
Desde 2000, apenas dois países grandes não decretaram a “eliminação” da doença, o Brasil e a Índia. Em 2005, a Índia também o fez, e o Brasil ficou como o único país que não teria conseguido eliminar a hanseníase como problema de saúde pública, como pontua Salgado.
O presidente da SBH tem questionado essa “eliminação” da doença, inclusive, por meio de artigos em publicações especializadas. “Assim como nós, outros grupos internacionais também questionam os números, e algumas contas, como de um trabalho de 2015, chegam a falar que teríamos em 2020 4 milhões de casos de hanseníase no mundo a serem diagnosticados. Chegamos em 2020 e com a pandemia os números de hoje devem ser muito piores que isso, algo em torno de 5 a 7 milhões de pessoas, uma boa parte delas, que estimamos em 200 a 300 mil, no Brasil. Somente para comparação, em 2019, último ano antes da pandemia, o Brasil diagnosticou quase 30 mil casos novos, portanto, a nossa estimativa de 3 a 5 vezes mais casos é conservadora. Durante a pandemia, estes números caíram quase pela metade. Temos dito que chegamos ao fundo do poço, e teremos muito trabalho pela frente para reverter isso”, pontua Salgado..
A SBH verifica “uma incapacidade enorme de diagnosticar a doença”, argumentando que no diagnóstico de 30 a mais de 100 casos novos em uma semana de trabalho, como o que aconteceu, por exemplo, na ilha do Mosqueiro em 2014, quando foram diagnosticados mais de 100 casos trabalhando com quatro equipes. “A situação no Pará e nos outros estados da Amazônia não é diferente. Mesmo em São Paulo, recentemente o município de Jardinópolis, na região de Ribeirão Preto, área mais rica do país, fez um trabalho importante de busca ativa e aumentou em mais de 20 vezes a taxa de detecção”, ressalta o pesquisador.
Participam do projeto Hansen-Pará-Maranhão-Vale a UFPA como coordenadora geral das ações, e outras instituições do Brasil e do exterior, como a USP Ribeirão Preto e a Colorado State University, dos EUA, a UFMA e a CEUMA no Maranhão.
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