Exclusivo: Igor Normando faz um balanço dos 60 primeiros dias à frente da Prefeitura de Belém

Rombos financeiros e medidas emergenciais na saúde e na limpeza urbana são alguns dos pontos destacados pelo prefeito da capital paraense

Gabriel da Mota

Os primeiros 60 dias da gestão do prefeito de Belém, Igor Normando, foram marcados por desafios financeiros e estruturais. Segundo ele, que concedeu entrevista exclusiva ao Grupo Liberal sobre o assunto, ao assumir o cargo, encontrou uma administração municipal “retrógrada e arcaica”, com um sistema burocrático defasado, desperdício de recursos públicos e dificuldades na arrecadação. Como consequência, Belém tem hoje uma das piores arrecadações entre as capitais brasileiras, além de enfrentar uma crise nas contas públicas, com dívidas milionárias em setores essenciais, como saúde e limpeza urbana.

Diante desse cenário, a prefeitura adotou medidas emergenciais para reorganizar a administração e garantir a continuidade dos serviços básicos. Entre as ações já implementadas estão cortes de cargos comissionados, auditorias em contratos e reestruturação de despesas para equilibrar as contas. As áreas mais afetadas pelas dificuldades financeiras são a saúde, onde há um rombo superior a R$ 200 milhões, e a coleta de lixo, cujo contrato deixou uma dívida superior a R$ 90 milhões.

Rombo na saúde: auditorias, cortes e informatização das unidades básicas

A crise financeira na saúde pública de Belém é um dos pontos mais críticos da nova gestão. Segundo Igor Normando, o levantamento inicial apontou um déficit de mais de R$ 200 milhões, causado pelo acúmulo de dívidas da administração anterior. Para evitar o colapso do sistema e garantir a continuidade dos atendimentos, a prefeitura iniciou uma série de medidas para reequilibrar as contas.

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Uma das primeiras ações foi a auditoria em contratos firmados nos últimos anos. O objetivo é identificar gastos excessivos ou desnecessários e buscar soluções mais eficientes. “Infelizmente, nós temos muitos contratos que ainda não conseguem mostrar que são fundamentais para a população”, afirmou Normando. Ele citou como exemplo o contrato assinado nos últimos meses da gestão passada para a implementação do “Saúde Digital”, um sistema online que custaria cerca de R$ 50 milhões aos cofres públicos. Segundo o prefeito, a ferramenta oferecia um serviço que já existe gratuitamente por meio do SUS Digital. Diante disso, a administração municipal optou por rescindir o contrato e adotar a solução federal. O serviço está suspenso desde o último 1º de março.

Outra medida adotada foi a informatização das Unidades Básicas de Saúde, que até então operavam sem uma estrutura digital eficiente. “Visitei várias unidades onde não havia nem computadores”, revelou Normando. A falta de informatização comprometia não apenas a organização dos atendimentos, mas também a obtenção de recursos federais. “Para que você possa receber mais recursos do Ministério da Saúde, é necessário informar quantas pessoas foram atendidas e em quais especialidades. Sem esse controle, Belém deixava de captar verbas importantes”, explicou o prefeito.

Diante desse problema, a prefeitura lançou uma licitação para adquirir equipamentos e implementar um sistema digital que permitirá a organização dos atendimentos e a transparência na prestação dos serviços. A expectativa é que essa mudança melhore a gestão da saúde e otimize os investimentos.

Além da modernização, a prefeitura também iniciou reformas estruturais nas unidades de saúde. As Estratégias de Saúde da Família foram priorizadas e estão passando por melhorias, incluindo a substituição de unidades alugadas por espaços próprios ou construídos no modelo “BTS” (Build to Suit), em que o prédio é projetado e construído de acordo com as necessidades da prefeitura.

“Não queremos mais fazer ‘arrumadinho’ nem ‘puxadinho’. Ou a gente constrói e reforma prédios próprios, ou partimos para um modelo que garanta uma estrutura adequada para a população”, afirmou Normando.

Entre os hospitais que devem passar por reformas, estão o Hospital Geral de Mosqueiro, o Pronto Socorro do Guamá e o Hospital Mário Pinotti — este último com um projeto maior em fase de planejamento. A meta da prefeitura é garantir que essas unidades ofereçam atendimento de qualidade e reduzam a sobrecarga em hospitais de referência.

Crise na coleta de lixo: dívida milionária e renegociação do contrato

Outro grande desafio enfrentado pela nova administração é a dívida com a empresa responsável pela coleta de lixo em Belém. Ao assumir a prefeitura, Igor Normando encontrou um débito superior a R$ 90 milhões, com pagamentos atrasados há mais de três meses. A falta de repasse gerava o risco de interrupção dos serviços, o que preocupava a população.

“Nós temos responsabilidade. Eu teria razões hoje para romper o contrato com a empresa, pelo valor e pela falta de prestação de alguns serviços, mas estamos conversando para que ela passe a fornecer os serviços corretamente”, afirmou o prefeito.

A estratégia adotada pela prefeitura foi elaborar um cronograma de pagamento para evitar a paralisação da coleta e, ao mesmo tempo, iniciar a renegociação do contrato. Segundo Normando, o custo da coleta em Belém está entre os mais altos do país, mas o serviço prestado não inclui itens essenciais para a manutenção da cidade, como limpeza de bueiros e canais.

“Recife [PE], por exemplo, paga R$ 30 milhões pelo contrato de resíduos sólidos, e isso inclui limpeza de canal, poda de árvore, varrição, instalação de lixeiras e ecopontos. Como é que Recife consegue fazer isso e a gente não?”, questionou o prefeito.

A intenção da prefeitura é reduzir o valor do contrato e ampliar os serviços prestados. Segundo Normando, a regularização da taxa de resíduos sólidos será fundamental para garantir o pagamento constante da coleta. Atualmente, essa taxa é cobrada no Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), mas a inadimplência é alta, comprometendo a arrecadação. “Hoje, não conseguimos pagar nem um mês de lixo com o que arrecadamos da taxa de lixo embutida no IPTU”, revelou.

image O prefeito de Belém concedeu a entrevista exclusiva em seu gabinete (Thiago Gomes / O Liberal)

O futuro dos aterros sanitários: novos projetos e encerramento do Aurá

Além da crise financeira na coleta de lixo, a destinação final dos resíduos também está em debate. O aterro sanitário de Marituba, que deveria ter sido desativado, teve sua operação prorrogada por mais nove meses devido à falta de alternativas viáveis. A prefeitura aguarda a conclusão do licenciamento ambiental de novos aterros para que a transição possa ocorrer de forma segura.

Atualmente, há projetos para a criação de aterros sanitários nos municípios de Acará e Igarapé-Açu. A concessão das licenças está sob responsabilidade do governo estadual. “Estamos aguardando de forma esperançosa que se resolva logo, para que possamos dar fim ao aterro de Marituba e, de uma vez por todas, ao Aurá, que já deveria ter passado por um processo de recuperação ambiental”, afirmou Normando.

A prefeitura defende que a desativação do Aurá seja acompanhada de um projeto de recuperação da área, que há décadas recebe resíduos sem o devido tratamento. O prefeito reforçou que a solução para a destinação do lixo precisa ser definitiva, evitando novos prazos emergenciais que apenas postergam o problema.

Reestruturação da folha de pagamento e concursos públicos

Para equilibrar as contas do município, a prefeitura adotou medidas de austeridade, incluindo cortes significativos no número de cargos comissionados. Segundo Normando, ao assumir a prefeitura, havia cerca de 800 cargos apenas no gabinete do prefeito, número reduzido para 60. No total, a administração reduziu de 3 mil para 2,2 mil cargos comissionados.

“Diminuímos a folha do município, o que vai gerar uma economia de R$ 120 milhões até o fim do mandato. Esse valor poderá ser investido em saúde, educação e saneamento”, declarou.

A prefeitura também iniciou uma auditoria para revisar a folha de pagamento e garantir maior controle sobre gratificações e plantões. Segundo o prefeito, o problema é que, ao longo dos anos, as gratificações passaram a substituir reajustes salariais, prejudicando os servidores a longo prazo.

“Se for preciso escolher entre popularidade e desenvolvimento, eu escolho o desenvolvimento. Meu compromisso não é com a reeleição, mas com a cidade”, pontuou Normando.

Sobre concursos públicos, Normando afirmou que até o final do mandato pretende realizar certames para a Guarda Municipal – que será transformada na Polícia Municipal de Belém –, para a Secretaria de Finanças e para a Procuradoria Geral do Município. "Mas primeiro, precisamos valorizar os servidores que já estão na prefeitura, corrigindo essas distorções salariais", ressaltou.

Criação da Polícia Municipal de Belém

Outra iniciativa da nova gestão foi o envio à Câmara Municipal do projeto de lei que transforma a Guarda Municipal na Polícia Municipal de Belém. O prefeito revelou que já firmou parceria com a Secretaria de Segurança Pública do Estado para garantir a qualificação dos agentes. "Já conseguimos mais de 600 armas para equipar a corporação e estamos em busca de viaturas, coletes balísticos e outras estruturas", afirmou.

Uma das prioridades será devolver à corporação uma sede própria. "A sede da Guarda Municipal foi vendida pela gestão anterior e, hoje, a corporação vive de aluguel. Nós temos um compromisso de entregar, até o fim do nosso mandato, uma sede própria para garantir mais dignidade aos agentes", garantiu Normando.

A previsão é que a Câmara Municipal analise o projeto em até um mês. "Assim que for aprovado, sancionamos a lei e garantimos essa conquista para a população de Belém", concluiu o prefeito.

Outro lado

Em relação à herança de déficit de mais de R$ 200 milhões na saúde apontada pelo atual prefeito, Igor Normando, o ex-prefeito Edmilson Rodrigues, em nota ao Grupo Liberal, listou dificuldades pelas quais sua gestão passou, como, segundo ele, assumir uma uma dívida na área da saúde, da gestão anterior, de cerca de R$ 90 milhões, “que se ampliou com a pandemia”. De acordo com o texto, devido à pandemia, “o déficit chegou a cerca de R$ 250 milhões no final de 2022”. Segundo Edmilson, houve redução do “passivo para R$ 100 milhões no final da gestão”.

Edmilson também destacou que o “empenho administrativo para reduzir o déficit ocorreu ao mesmo tempo em que todos os serviços de atendimento à população foram mantidos” e ainda ampliados. 

Segundo a nota do ex-prefeito, “chegar ao final da gestão com o déficit em proporção semelhante ao que foi herdado da gestão anterior, após uma pandemia, consideramos que foi um feito importante”.

Em relação à empresa responsável pela coleta de lixo,  Edmilson Rodrigues afirma, também em nota, que a sua gestão “realizou pagamentos regulares e mensais à empresa nos prazos estabelecidos em contrato, da ordem de R$ 170 milhões, conforme pode ser verificado no Portal da Transparência”. 

O ex-prefeito destaca ainda que o contrato prevê vários serviços, incluindo a coleta de resíduos sólidos e a criação do novo aterro sanitário. “A gestão de Edmilson, neste sentido, realizou o papel de fiscalização e de cobrança de todas as etapas estabelecidas no contrato”, diz a nota.

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