Crimes de intolerância religiosa crescem 900% em Belém
A maioria das vítimas é de religiões de origem africana
Em quatro anos, o número de casos de intolerância em Belém, segundo dados da Delegacia de Combate a Crimes Discriminatórios e Homofóbicos (DCCDH), aumentou 900%. Em 2015, um inquérito policial relativo à intolerância religiosa foi registrado. Em 2016 e 2017, foram quatro casos em cada ano. Já em 2018, o número de procedimentos subiu para nove. Nos primeiros meses de 2019, três inquéritos já foram instaurados.
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A maioria dos casos, segundo a delegada titular Hildenê Falqueto, é referente a injúria contra religiões de origem africana, como a umbanda e o candomblé. A denúncia, porém, pode ser feita em relação a qualquer religião.
Uma das pessoas que registrou inquérito este ano foi a zeladora de santo Vanessa Pereira, do terreiro “Barracão do Seu Zé”. De acordo com ela, as ameaças, proferidas por uma vizinha - que não será identificada na matéria, mas que já responde judicialmente pelo caso - não são apenas contra o seu centro, mas também contra a integridade física dela, de seus familiares, amigos, clientes e até seu cachorro, ocorrem há dois anos.
A DCCDH já investiga o caso da zeladora de santo, que relata que a vizinha “vai para o meio da rua, grita, da última vez ameaçou jogar água quente na minha filha e no meu cachorro. Ela me 'xinga' de macumbeira, diz que sou fracassada, xinga as pessoas que vão no terreira. Ela aborda eles na rua dizendo para não ir lá, que é coisa do demônio”.
A primeira denúncia já havia sido feita em junho de 2018, em uma delegacia de bairro. O resultado, porém, não foi satisfatório: o processo foi visto como uma briga entre as partes e, segundo Vanessa, "isso deu forças para ela [a vizinha] e as ofensas aumentaram". Uma nova denúncia foi necessária. Dessa vez, Vanessa levou o caso à delegacia especializada.
"Fiz o novo boletim de ocorrência no dia 02 de abril, quando ela abordou o meu pai dentro do supermercado. Ele é idoso, ficou assustado. Poucos dias antes, ela também abordou uma pessoa que frequenta o terreiro e fez um escândalo. Disse que ela estava traindo Deus, porque o centro era coisa do demônio. Com esses dois casos, decidi fazer o novo B.O." conta.
Sobre o caso da umbandista, a delegada afirma que ele está sendo tratado como intolerância religiosa. "Opinião todo mundo tem o direito de manifestar, mas é preciso ter respeito. A partir do momento que a opinião se transforma em uso de elementos negativos voltados a outra pessoa, deixa de ser opinião e passa a ser crime" declara, ao explicitar que casos de intolerância religiosa tem se tornado cada vez mais frequentes, apesar de, constitucionalmente, o Brasil ser laico há mais de um século.
"O maior número de casos da nossa delegacia é de intolerância religiosa, muito mais até do que os crimes homofóbicos. É um número bastante significativo e a gente normalmente os capitula nos casos de injúria qualificada. Quando há ameaças, como é o caso da mãe Vanessa, a situação agrava" explica.
Ela ainda recomenda que “as pessoas constituam provas, testemunhas, porque muitos casos já foram arquivados por falta de provas”. “É preciso se munir de provas, para que tenhamos um inquérito forte, para levar ao judiciário o maior número de provas possível para convencimento do promotor e juiz" orienta.
Questionada sobre as sentenças para essas pessoas, a delegada é enfática ao afirmar que por ser um crime passível de pena, "elas podem ser presas”, já que não é considerado de menor potencial ofensivo. A pena, nesses casos, é de até quatro anos.
A Delegacia de Combate aos Crimes Discriminatórios e Homofóbicos fica localizada na rua Avertano Rocha, no bairro da Campina. Ela funciona de segunda a sexta-feira, de 8h às 18h. Nos finais de semana e outros horários, o B.O pode ser feito em outras delegacias com a solicitação que seja tramitado à delegacia especializada. As principais atribuições da referida delegacia é o combate a crimes de injúria racial, racismo, intolerância religiosa e homofobia.
SEGURANÇA PÚBLICA DIZ QUE CASOS RECUAM EM 2019
No Pará, de janeiro a março de 2018, 44 casos de crimes praticados contra igrejas, templos ou centros espíritas, foram registrados, segundo a Segup. Nesse ano, o número diminuiu para 10.
Em nota, a Segup reforçou que os crimes considerados são: dano, calúnia, perturbação ao culto religioso, furto, roubo e tentativa de furto, mas ressalta que a Secretaria de Inteligência de Análise Criminal (SIAC) do órgão "realizou busca na base de dados pelos filtros "Local da Ocorrência" e "Identificação do Fato", onde constassem igrejas, templos religiosos e centros espíritas, etc. Isso não significa que eventos como roubo furto ou dano, por exemplo, tenham sido praticados em virtude de intolerância religiosa".
A nível nacional, dados do extinto Ministério dos Direitos Humanos (MDH) apontam que, de 2015 ao primeiro semestre de 2017, uma denúncia de intolerância religiosa foi registrada a cada 15 horas no Brasil. O levantamento ainda indicou que a maioria das vítimas é de religiões de origem africana (39%).
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