Brasil está entre os países que mais consomem álcool
Dia Nacional do Combate ao alcoolismo busca refletir sobre prejuízos da bebida
O Dia Nacional de Combate ao Alcoolismo ocorre em todo 18 de fevereiro com o objetivo de alertar pessoas sobre o perigo da dependência de bebidas alcoólicas, que costumam passar despercebidos no cotidiano por conta do constante incentivo ao consumo de álcool.
Artur (nome fictício) tem 56 anos de vida e 26 anos de sobriedade. O primeiro gole foi aos nove anos de idade, durante uma festa da família onde os adultos estavam bebendo e deixando copos meio vazios pela casa.
Ele conta que experimentou uma batida de coco, que na descrição de Artur, tinha um cheiro fantástico e um sabor encantador. Foi quando a vida dele mudou.
A criança tímida e introspectiva deu lugar a um menino alegre e dançante, que animou toda a festa.
"O alcoolismo ficou, então, adormecido, pois levei uma bronca e não bebi mais. Aos 15 anos, bebi de novo. Na época, eu era elogiado pela minha mãe. Dizia que eu era homem, com H. Dá para imaginar que, diante desta lógica, a minha família tinha muitos homens alcoólatras - e que viviam brigando entre si", afirma.
Artur não lembra uma única vez em que se sentiu no controle das situações que a dependência dele desencadeava. Mesmo quando ele pensava ter elaborado métodos para driblar o vício, terminava a noite embriagado.
"Essa dependência me tirou 15 anos de vida. Encerrei os estudos, não construí família e não busquei profissão. Fui para a sarjeta, achando que estava bebendo só para me divertir. Era a minha única sede, meu sonho de consumo. Eu, então, conheci uma pessoa", lembra ele.
A pessoa era uma mulher da organização Alcoólicos Anônimos (AA), por quem Artur se apaixonou e que incentivou ele a ir em uma das reuniões da instituição fundada em 1935 em Akron, nos Estados Unidos.
Ele admite que achou tudo muito estranho na primeira vez.
"Eram vários homens e algumas mulheres falando da vida pessoal. A parte mais doente do alcoólatra é o ego, cheio de arrogância e prepotência, logo, eu não me identifiquei. Mas achei que havia um sentimento ali de plena liberdade, ser quem você quiser. Nesta época, não havia lei antifumo e havia cinzeiros a disposição lá. E eu era fumante e podia fumar lá. Diferente da igreja, onde me proibiram de tudo", conta.
Após dar o primeiro passo, Artur continuou indo para bares logo após as reuniões. Segundo ele, os três últimos anos de alcoolismo foram os piores de toda a vida.
A razão: ele acordava das ressacas pensando no que havia dito nas reuniões, coberto de arrependimentos.
"Então, um dia, me rendi. Cheguei ao fundo do poço. Foi um estado de consciência, no qual me entendi como um ser humano falido. A partir daí, iniciou o processo da recuperação, a partir do programa de 12 passos, baseado na literatura própria da organização. Parar de beber é só um começo. Ele propõe uma reformulação da vida. Mas para dar certo, tem que querer", diz ele, que hoje trabalha no AA.
Na opinião de Artur, o álcool é a pior droga que existe, pois além do custo acessível, o apreço por ele costuma ser desenvolvido no seio familiar, e, em alguns casos, com o incentivo de pais, que usam argumentos que colocam em xeque os ideais de masculinidade da sociedade patriarcal.
"Você não encontra uma pedra de crack na mesa da família, muito menos um papelote de cocaína. Mas encontra vinho, cerveja. O próprio pai incentiva o filho. Isso é uma cena comum. Dizendo que se for macho mesmo, precisa encher a cara. Que macho precisa beber", recorda.
Passados 26 anos, Artur entende que nem sempre é fácil desviar das balas do álcool em um cotidiano repleto de propagandas de bebidas, além da cultura popular interpretar o alcoolismo como sinônimo de celebração e felicidade em filmes, séries e novelas.
Além de tudo isso, ainda existem os "amigos", sempre prontos para criticar, chamar de chato ou exigir que a pessoa tome pelo menos um gole. Artur dá uma dica valiosa.
"Quem quiser contar para esposa pode, mas não deve contar para amigos ou afins. A proposta é mentir, dizer que está tomando antibiótico. Falamos que se trata de evitar velhos caminhos. Diz que o tratamento vai durar seis meses", ele diz, ao explicar a importância do anonimato pregado pelo AA.
"Com o tempo, as pessoas vão esquecer e nem vão te oferecer mais. A gente recomenda não ir para o bar. Eu adoro carnaval, baile da saudade e sempre saio determinado a me divertir. Tomando muita água, claro", ele brinca.
"Temos que atingir a rigorosidade da honestidade, mas com nós mesmos, não importa o tamanho da alegria ou da tristeza. Hoje vivo um dia de cada vez, que é a nossa filosofia. Hoje, eu não bebo", diz ele, ao final de mais um dia sem beber.
Segundo o Ministério da Saúde o Brasil está entre os 10 países com o maior consumo de álcool do mundo. Na avaliação do órgão, quase 20% dos brasileiros "bebem demais".
A coordenadora de referência técnica de saúde mental da Prefeitura de Belém, Ester Sousa, afirma que a hora de procurar ajuda é quando as relações do cotidiano começam a ser afetadas pelo efeito das bebidas alcóolicas.
"As pessoas se desvinculam de alguns contextos sociais e desenvolvem relações problemáticas de convivência, em casa e no trabalho, e na possibilidade no quadro de violências, agressões domésticas", alerta a assistente social.
Ester também aponta outros sintomas do alcoolismo que, quanto mais cedo forem reconhecidos, mais fácil fica tratar a doença.
Para ela, se a pessoa começa a beber todo final de semana, mas depois começa a emendar um dia de consumo de álcool atrás do outro, talvez isso represente um princípios de dependência.
"Aí começa a faltar trabalho e a não assumir responsabilidades, como faltar compromissos e não ter dinheiro para as despesas mensais previstas. Ou então qualquer dinheiro que pega vai para um bar. Isso significa que aquela pessoa está ficando dependente de uma substância", avalia.
Atualmente, a prefeitura de Belém dispõe de políticas de apoio a pessoas que sofrem com dependências de álcool e outras drogas, com acompanhamento da saúde especializada combinado com a atenção básica, além de serviços de urgência e emergência.
Enquanto os casos leves de problemas relacionados ao consumo excessivo de álcool podem ser encaminhados para as Unidades Básicas de Saúde, casos moderados e graves são tratados no Centro de Atenção Psicossocial para Álcool e outras drogas, localizado no número 1457 da avenida José Malcher, próximo à 14 de março.
"O centro está de portas abertas. Qualquer pessoa que chegue lá será atendida, sem agendamento. Há uma equipe multiprofissional que vai acolher essa pessoa e ajudar na busca por uma melhor relação com o álcool. Os terapeutas ajudam a entender os motivos do uso excessivo do álcool. Em alguns casos, pode ser necessária a intervenção por meio de medicamentos", diz.
Ester lembra que, muitas vezes, os alcoólatras acabam em situação de rua, pois vão perdendo vínculos por achar que bebem apenas socialmente.
Para ela, a ideia de beber álcool "socialmente" é muito impactada pela mídia, que implica a cultura de que a vida só é divertida com álcool, o que abre portas para a experimentação de todas as drogas.
"Sem contar as doenças hepáticas, pois o álcool ataca o fígado, o sistema neurológico, há o esquecimento. Além disso, muitos bebem cerveja e vão dirigir, por exemplo. O álcool atrapalha noções cognitivas e senso de direção, o que ocasiona acidentes graves. O álcool é uma droga depressora, que deprime o sistema nervoso central, causando perda de reflexos.
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