Estudo revela que pacientes com forma grave da Covid-19 podem ter dois perfis distintos; veja quais

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) analisaram autópsias de 47 pulmões de indivíduos que morreram devido à Covid-19 e identificaram dois perfis distintos entre pacientes com a forma grave da doença

Gabriel Bentes
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Um estudo publicado na revista PLOS Pathogens identificou dois perfis distintos entre pacientes com a forma grave de COVID-19: aqueles com alta carga viral e pouca inflamação, e aqueles que enfrentam complicações inflamatórias mesmo após a eliminação completa do vírus.

Para chegar nessa conclusão, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) analisaram autópsias de 47 pulmões de indivíduos que morreram devido à doença, examinando o perfil inflamatório, a carga viral e o grau de ativação do sistema imunológico. As amostras eram de pacientes infectados durante a fase inicial da pandemia, quando a cepa ancestral do SARS-CoV-2, proveniente de Wuhan (China), estava em circulação e ainda não tinha sido desenvolvida nenhuma vacina

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“Hoje muita coisa mudou. Há novas variantes e a resposta imune dos vacinados é infinitamente superior à dos não imunizados. Portanto, estudar essas amostras [de pacientes vitimados pela cepa ancestral na fase pré-vacina] é muito importante para a compreensão dos mecanismos moleculares envolvidos nos casos letais de COVID-19”, explica Dario Zamboni, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) e coordenador da pesquisa à Agência FAPESP.

Zamboni afirma que a pesquisa fornece insights sobre as amplas variações clínicas da forma grave da doença e os fatores moleculares que podem levar a essas diferentes manifestações. Os resultados também têm potencial para informar decisões sobre o tratamento de casos críticos.

As análises revelaram que o perfil de “baixa carga viral e inflamação exacerbada” está ligado a uma ativação excessiva do inflamassoma, um complexo proteico localizado nas células de defesa. Quando essa estrutura celular é ativada, ela induz a produção de citocinas pró-inflamatórias, que sinalizam ao sistema imunológico a necessidade de enviar mais células de defesa para o local da infecção. Assim, o inflamassoma contribui para o fenômeno conhecido como “tempestade de citocinas”, uma resposta imunológica exagerada e prejudicial aos tecidos.

“O inflamassoma é uma das primeiras respostas que temos contra uma infecção. Em linhas gerais, quando os macrófagos [células da linha de frente do sistema imune] fagocitam o patógeno, eles ativam o inflamassoma na tentativa de eliminar o sítio da infecção. O problema é que vários vírus, incluindo o SARS-CoV-2, de maneira ainda não conhecida, conseguem ‘enganar’ o sistema imune e, assim, se replicam bem apesar da ativação do inflamassoma. Com isso, o inflamassoma permanece ativo, promovendo mais inflamação e agravando o quadro clínico”, explica Keyla Sá, bolsista de doutorado da FAPESP e primeira autora do artigo.

Com base nessa descoberta, os pesquisadores conduziram experimentos com camundongos geneticamente modificados para expressar a proteína ACE2, que nos humanos funciona como um receptor para o vírus, facilitando sua entrada nas células. Em alguns desses animais, o gene principal do inflamassoma foi desativado, o que significava que a maquinaria celular responsável por iniciar a produção de citocinas inflamatórias não era ativada quando exposta ao SARS-CoV-2.

“Observamos que, quando retiramos o inflamassoma dos camundongos infectados, eles ficaram menos doentes e sobreviveram muito mais à infecção. Portanto, essa capacidade de enganar o sistema imune pode contribuir para a grande variação que verificamos nos pacientes com COVID-19 grave. O achado pode, no futuro, tornar o inflamassoma e fatores a ele associados alvos importantes para novos tratamentos”, avalia Sá.

Nos pacientes que faleceram com alta carga viral e baixo perfil inflamatório, a situação se revelou bastante diferente. Os pesquisadores observaram a presença de trombose pulmonar e coagulação intravascular disseminada, sugerindo que as disfunções vasculares, que resultaram em processos trombóticos, tiveram um impacto significativo no desfecho da doença.

“Essa sistematização abre várias questões que devem ser investigadas no futuro. Identificamos dois tipos de pacientes que, apesar de terem a mesma doença, morreram por causas diferentes. Enquanto o grupo formado por casos de eliminação do vírus e inflamação exacerbada no pulmão [incluindo fibrose pulmonar] morreu de causa pulmonar, os pacientes com alta carga viral apresentavam boa função nesse órgão, estavam se recuperando e morreram por outros motivos, provavelmente disfunções vasculares”, relata Sá.

A comparação do tempo de evolução da doença (do início da infecção até o óbito) revelou diferenças notáveis entre os dois grupos. Pacientes com alta carga viral faleceram mais rapidamente, enquanto aqueles com inflamação exacerbada permaneceram por vários dias na terapia intensiva, necessitando de ventilação mecânica.

“A descoberta desses dois caminhos contribui para a compreensão da fisiopatologia da doença e pode ajudar nas decisões entre terapias imunomediadas ou antivirais para o tratamento de casos críticos de COVID-19”, avalia Zamboni.

(*Gabriel Bentes, estagiário sob supervisão de Enderson Oliveira, editor web de oliberal.com)

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