Filhos com deficiências: mães reúnem forças para acompanhar tratamentos, mas não desistem
Mesmo saindo de outros municípios para acompanhamento médico em Belém, as responsáveis comemoram pequenos passos na evolução dos filhos
Cuidado e dedicação são as palavras mais usadas quando se fala em maternidade. Mas as mães que, além de cuidar, precisam fazer o acompanhamento médico constante de filhos que têm alguma deficiência enfrentam enormes barreiras no dia a dia, e veem sua saúde mental declinar por conta das obrigações diárias de cuidado. Mesmo assim, reúnem a força necessária e não desistem de seus filhos, que, muitas vezes, precisam delas para se alimentar, se vestir, andar e até falar.
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A auxiliar administrativa Maria Antônia de Araújo, de 34 anos, mora em Ulianópolis, município no Pará a quase 400 quilômetros de Belém, e, todo domingo, sai de sua cidade e faz um percurso de 7h até a capital paraense para que o filho de sete anos faça um tratamento, toda segunda-feira. Thalyson tem paralisia cerebral e o processo de diagnóstico demorou cerca de um ano, desde que ele tinha cinco meses, quando começou a ter crises de convulsões.
O atendimento no Centro Integrado de Inclusão e Reabilitação (CIIR), vinculado ao governo do Pará, onde ele faz acompanhamento hoje, começou em 2019, com pediatra e ortopedista, mas, em 2022, passou a fazer também reabilitação no espaço. A partir disso, a mãe já viu muita melhora no quadro, com grandes evoluções no andar e na fala, principalmente.
Thalyson também já fez cirurgia de alongamento de tendão em 2021 e está esperando outro procedimento, de correção dos pés. Ainda é acompanhado por neurologista, fisiatra, odontólogo e fisioterapeuta e aguarda vaga para tratamento com hidro e psicólogo.
“A fala dele desenvolveu bastante, porque o cognitivo não foi tão afetado, então ele tem evoluído, e no convívio dentro de casa também, se arrastar, comer sozinho, aprendeu muito”, comemora Maria Antônia. Para que isso seja possível, no entanto, a dedicação dela precisa ser grande - abdicar de parte do fim de semana, fazer uma longa viagem no domingo e chegar em Belém às 5h toda segunda-feira, além de passar a manhã e a tarde na capital e esperar o ônibus das 17h para voltar ao seu município.
É raro o pai acompanhar a criança, segundo Antônia, mas a mãe faz a viagem toda semana, sem exceção. A auxiliar administrativa precisa entregar um atestado no trabalho nesse dia, mas a partir de terça-feira cumpre carga horária normal, mesmo chegando em Ulianópolis meia noite, sem muito tempo para descansar.
“No início eu sentia muita dificuldade. Hoje já me acostumei. É gratificante ver a evolução dele”, afirma. Às mães que estão começando essa rotina, Maria diz que, apesar das dificuldades, é possível superar essa fase. “Não é fácil, mas você consegue tirar forças de onde não tem para ver seu filho se desenvolvendo”.
Tratamentos
A técnica de enfermagem Patrícia Castro, de 42 anos, tem uma rotina parecida - a diferença é que mora mais perto, em Ananindeua, e recebe o apoio do marido para fazer os acompanhamentos. Os dois filhos do casal, Kevim, de 12 anos, e Kellen, de 17, têm deficiências. O mais novo possui o Transtorno do Espectro Autista (TEA) no nível moderado e o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), enquanto a mais velha tem autismo severo, paralisia cerebral e microcefalia.
Antes de entrar no CIIR, a família já tinha passado por muitas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e centros de reabilitação em toda a capital, mas o processo de descoberta foi muito tardio, porque, mesmo sabendo das deficiências de Kevim e Kellen, os médicos não conseguiam fechar um diagnóstico certo e na totalidade.
“Meu filho era do programa de recém-nascidos (RN) de risco, voltado para crianças de até três anos de idade que são acompanhadas. Mas o laudo deles ainda tinha uma interrogativa, só consegui fechar realmente o diagnóstico dos dois aqui no CIIR, há cinco anos”, lembra.
Para ela, foi uma surpresa porque, até então, achava que a minha filha só tinha microcefalia e paralisia cerebral, mas, em uma consulta com a neuropediatra, descobriu que a adolescente é autista severa, o que despertou na mãe outro tipo de olhar. “Outra surpresa é que eu achava que o autismo do Kevim era leve porque ele já estava começando a falar e a ser mais independente, e descobri que é moderado. Esse diagnóstico é essencial para saber de que tipo de acompanhamento a criança precisa”, comenta.
Mesmo com a alta da reabilitação e a melhora do quadro, a filha de Patrícia depende dela e do pai para tudo: usa fralda de forma vitalícia, não fala, precisa de apoio para comer, se vestir e diversas outras atividades do dia a dia. Ela só precisa ir ao CIIR de vez em quando, para acompanhamento periódico. Já o filho mais novo vai ao menos três vezes por semana, no tratamento semi-intensivo.
A rotina do casal, que hoje trabalha de forma autônoma, funciona assim: o marido vai cedo vender salgados na rua e a esposa fica em casa adiantando os cuidados do lar e dos filhos. Patrícia deixa Kellen com a avó e vai para a venda substituir o marido. O pai deixa o trabalho para levar o filho até o CIIR e, quando a terapia chega ao fim, deixa Kevim na escola, cujas aulas começam às 13h15. “É muita correria e a criança tem uma rotina que não podemos quebrar. Essa é a nossa vida, não temos vida social, praticamente”, conta.
Patrícia deixa uma mensagem para as mães na mesma situação: “Após 17 anos de vivência, posso dizer que existe vida após o diagnóstico, o mundo não acabou. O seu filho, mais do que nunca, precisa de você, e agora você vai se reinventar por causa do seu filho. Não desistam do tratamento, do acompanhamento, porque isso vai surtir efeito lá na frente. Se ele não falar, seja a voz dele; se ele não souber andar, seja as pernas dele. Com certeza, um dia você vai olhar para trás e dizer ‘eu consegui’”, ressalta a mãe, que hoje é feliz simplesmente por seus filhos conseguirem ter um pouco mais de independência.
Atendimento especializado
O único do Norte a unificar uma larga gama de atendimentos, o Centro Integrado de Inclusão e Reabilitação (CIIR) possui serviços como ambulatório, com mais de 40 especialidades médicas, oficinas ortopédicas, terapias intensivas ou semi-intensivas, esportes adaptados, musicoterapia, arte e cultura e outros, além de ser o único local especializado para atender as quatro deficiências em um só lugar (física, auditiva, intelectual e visual). São cerca de 800 a mil atendimentos por dia, com 25 mil a 30 mil por mês, segundo a diretora executiva, Rejane Xavier.
“Nós lidamos com todas as linhas de deficiência. E esse serviço foi criado justamente para melhorar a mobilidade dos usuários, que, antes, tinham que ir para vários locais a fim de ter acesso aos serviços. Com essa estrutura, hoje eles conseguem vir e fazer todos os seus atendimentos aqui, em um único complexo. Isso trouxe um ganho muito grande para essas pessoas, porque é muito difícil, são pessoas que vêm da região do Marajó, da Transamazônica, viajam 24 horas ou mais para estarem aqui, recebendo esse serviço. Agora o usuário chega aqui e consegue realizar consulta e fazer exames sem precisar ir para outra localidade”, ressalta.
Parte dos pacientes atendidos no CIIR são frequentes, ou seja, fazem tratamentos contínuos, e outro percentual acessa serviços de saúde mais esporádicos. “Temos as duas modalidades, daqueles usuários que vêm aqui todos os dias e aqueles que vêm mais esporadicamente, ou uma vez ao mês, por exemplo”, detalha Rejane.
Uma característica marcante, segundo a diretora, é que, geralmente, são as mães que acompanham os pacientes, independente da idade, até mesmo idosos. “Eu, como mãe, mas como mãe também, digo que é algo extraordinário poder contar com um serviço desse, com a possibilidade de ter esse atendimento em um padrão internacional para o seu filho, com qualidade e segurança, humanizado. Não tem preço”.
A fila de espera para ser atendido no CIIR está longa, de acordo com Rejane Xavier, mas, para as pessoas que querem fazer atendimento no local, o trâmite é o seguinte: por meio da Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima, o paciente vai passar por uma pré-triagem e o pré-diagnóstico, para que os profissionais observem se existe a necessidade de encaminhado para o Centro. Somente dessa forma eles são encaminhados para o diagnóstico no CIIR, que oferece 1.300 atendimentos, sendo 300 vagas para deficientes físicos, 150 na linha auditiva, 300 na intelectual, 150 na visual e mais 300 no Natea, que atende pessoas com TEA.
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