Lei Maria da Penha completa 17 anos de enfrentamento à violência contra a mulher

Vários avanços foram alcançados ao longo do tempo, mas especialistas destacam que ainda um longo caminho para anular os índices 

Camila Azevedo

Um dos maiores artifícios de proteção da mulher, a Lei Maria da Penha, completa 17 anos em agosto e continua sendo um grande marco no enfrentamento à violência doméstica no Brasil. Entretanto, os avanços obtidos ao longo do tempo, como atualizações e maior segurança para as vítimas, têm encontrado dificuldades em conter o aumento dos índices. O número de medidas protetivas pedidas por mulheres, que foram expedidas pelo Tribunal de Justiça do Pará (TJ/PA) entre janeiro e julho de 2023, por exemplo, é 60% maior do que o registrado no mesmo período de 2022.

A Lei Maria da Penha trata de cinco tipos de violência doméstica e familiar: sexual, física, psicológica, moral e patrimonial. Todos esses modelos de crimes, que constituem atos de violação dos direitos humanos, já estavam presentes no ordenamento jurídico do Brasil, mas foram reunidos, dentro da legislação, como sendo práticas cometidas exclusivamente contra a vida das mulheres. O contexto social atual, que torna a população feminina vulnerável e as objetifica, é apontado por especialistas como sendo a grande razão pela qual é necessário manter os mecanismos de proteção.

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Uma das atualizações mais importantes ocorridas no âmbito da lei foi a permissão para a aplicação de medidas protetivas de urgência, que permitem mais celeridade no afastamento entre agressor e vítima. A advogada Juliana Machado, professora universitária e membro da Comissão de Mulheres e Advogadas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/PA), explica que a inclusão desse artifício é fundamental para a manutenção da vida e para garantir que haja maior proteção dos direitos básicos. “Uma vez que essa mulher faz a denúncia e pede essa medida protetiva, ela é determinada”, diz.

“Esse ano, o atual presidente sancionou uma atualização dessas medidas protetivas. Antes, primeiro se fazia denúncia e havia uma apuração para haver validade da medida. Agora, você determina a proteção dessa mulher para depois fazer uma investigação a respeito. Isso porque inúmeros foram os casos de feminicídio, ou seja, da violência que leva a morte dessa mulher que estava no processo de ter denunciado, mas está sendo investigada e não tem a determinação da medida protetiva. Esse lapso temporal permitia uma proximidade do agressor com a vítima ocasional e um número muito grande de feminicídios”, acrescenta.

Dificuldades

Juliana aponta que uma das principais dificuldades no combate a esse tipo de violência é a estrutura que perpetua o crime. “Quando a gente está falando de violência doméstica, violência contra a mulher, a gente está falando de um modelo socioeducacional ao qual nós estamos submetidos, que objetifica mulheres, que as vulnerabilizam e dá ao homem a sensação de pertencimento, de ser dono daquela mulher. Enquanto a gente não tiver políticas educacionais que visam modificar essa visão social que se tem, que é machista e patriarcal, nós não vamos conseguir diminuir esse número de registros”, frisa a advogada.

image Uma das atualizações mais importantes ocorridas no âmbito da lei foi a permissão para a aplicação de medidas protetivas de urgência, conforme explica a advogada Juliana Machado (Thiago Gomes / O Liberal)

A adoção de políticas públicas que priorizem a educação e sejam capazes de promover uma transformação social é, para a especialista, urgente. A lei é importante, mas ela atua no momento em que o problema já existe. Para que a gente evite a existência do problema, a gente precisa ir no nascimento dele e o nascimento dele está nas relações sociais e como elas se dão a partir desse lugar de estrutura de violência contra mulheres. O principal avanço que precisamos ter, além da difusão de informação correta, é uma capacitação urgente para todos os servidores que lidam diariamente com essas demandas”.

“A gente precisa capacitar os servidores que estão na delegacia, aqueles que atendem essas mulheres, para que saibam fazer o acolhimento correto e saibam utilizar a lei. Infelizmente, a gente tem ainda muito problema no que diz respeito a essa efetividade. Assim como precisamos do fornecimento de políticas públicas que corroborem para a sustentação da denúncia, no sentido de que muitas vezes essas mulheres estão em situação de vulnerabilidade social e financeira. Uma vez que fazem a denúncia, tem mais dificuldade nesse quesito para sustentar”, completa.

Enfrentamento a violência de gênero passa por capacitação das mulheres

A dependência financeira é um dos fatores que mais mantêm as mulheres em situação de violência. Por isso, pensando em combater esse problema, o Núcleo de Prevenção e Enfrentamento a Violência de Gênero (Nugen), da Defensoria Pública do Estado do Pará (DPE), desenvolve uma série de parcerias com instituições educacionais, visando à promoção da capacitação feminina e dando a elas maiores meios de alcançar uma vida longe do agressor. Cursos de gastronomia, artesanato, corte e costura e empreendedorismo fazem parte da lista.

“A gente tem percebido e tem recebido muito as mulheres fragilizadas por conta dessa dependência financeira do agressor. Então, quando a gente lida com essas situações, temos tentado encaminhar essas mulheres para capacitação, para que elas possam entrar no mercado de trabalho e, também, incentivado o empreendedorismo delas. Por exemplo, das 22 mulheres que fazem parte do Grupo Reflexivo, 18 são empreendedoras de alguma forma: vendem artesanato, comida… Elas buscam meios alternativos para essa independência”, comenta a defensora pública Ana Laura Sá.

image O Núcleo de Prevenção e Enfrentamento a Violência de Gênero (Nugen), da Defensoria Pública do Estado do Pará (DPE), desenvolve uma série de parcerias com instituições educacionais, visando à promoção da capacitação feminina (Thiago Gomes / O Liberal)

Os treinamentos se aliam à mudança de cultura organizacional que a DPE busca junto às empresas, para que haja cada vez mais inserção dessas mulheres no mercado. “Elas precisam se capacitar, porque a maioria ficou muito tempo fora do mercado. Às vezes, ficaram cuidando de casa, num trabalho não remunerado, que é cuidar dos filhos, do marido e, aí, quando elas enfrentam essa violência e elas querem sair disso, elas precisam de uma autonomia. Para ter essa autonomia, para conseguir emprego, elas precisam se capacitar”, destaca a Ana Laura.

Transformação

Cerca de 30,8% das atendidas pelo programa são mulheres que não possuem renda. A idade média de assistidas que a DPE tem varia de 36 a 59 anos e, dentro desse cenário, está a Dinair Corrêa, artesã. A situação que aconteceu com ela fugiu do padrão que geralmente é visto: após perder a mãe e começar a morar na casa que era dela, o irmão mais velho a agrediu com diversos socos. “Toda vez que ele chegava em casa, eu me tremia de medo e achava que ele ia me bater de novo. Eu pedi uma medida protetiva e não me deram, porque a casa não era minha e meu irmão tinha direito de ficar lá. Comecei aqui no projeto desde o início”, relembra.

Dinair tem 56 anos e encontrou forças para superar o que aconteceu através dos cursos que fez. “Foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Toda vez que venho na nossa reunião, me fortalece mais. Eu estou fazendo um curso de moda em uma universidade, sempre está aparecendo. Você só se fortalece e aprende a se defender. Criamos uma rede de apoio. Quando tem aniversários, nós vamos. Quando alguma precisa de companhia no hospital, a gente vai. Quando tem algum problema, colocamos no grupo… Eu sou eternamente grata”, finaliza.

Como denunciar

As denúncias podem ser feitas em qualquer delegacia. Porém, há números específicos para situações específicas:

Delegacia da Mulher (Deam): Tv. Mauriti, 2393

Contatos para denunciar:

→ 180 - usado para quando já aconteceu o crime;

→ 190 - no momento em que as agressões estão acontecendo;

→ Pelo WhatsApp: (91) 98115-9181.

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