Legado de padre Bruno Sechi, Emaús transforma vida de crianças e adolescentes há 51 anos

Com apoio de voluntário, Movimento de Emaús atende, diariamente, cerca de 650 crianças e adolescentes do bairro do Benguí e adjacências

Natália Mello

Transformar crianças e adolescentes em sujeitos de fato e de direito, e garantir perspectivas em um futuro de protagonismo é o cerne da missão por trás do legado do padre Bruno Sechi. Com o atendimento diário de cerca de 650 crianças e adolescentes do bairro do Benguí e adjacências, o Movimento de Emaús, idealizado pelo sacerdote, que faleceu no dia 29 de maio de 2020, acumula 51 anos de ações pautadas em acolhimento e no resgate de vidas infanto-juvenis. A munição? Uma só: informação.

Há um ano, Régina Borges, de 18 anos, é voluntária no local, mas o elo da jovem com o Emaús começou a ser construído com ela sendo atendida pelo projeto de aulas de violão, ainda em 2018. Depois alguns meses, ela passou para as atividades na horta comunitária da República, onde se apaixonou pelo meio ambiente e decidiu: vai ser engenheira ambiental. E é como uma teia que vai se formando a autoconfiança das crianças e adolescentes, e mais uma herança da história do Padre, a esperança visível nos olhos desses jovens.

image Padre Bruno inspira o trabalho voluntário (Igor Mota / O Liberal)

“Foi aqui que me apaixonei por essa profissão. Agora terminei o ensino médio e estou fazendo cursinho para fazer o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio)”, conta. “Depois, passei dois anos na aprendizagem, trabalhando no Banco do Brasil. O cargo tipo assistente administrativo. Eu creio que quando a gente sai da aprendizagem, a gente vai com aquela experiência, né? Porque hoje em dia já é muito complicado conseguir o trabalho sem ter essa experiência profissional, aí o Emaús te dá essa oportunidade”, declara Régina.

A jovem ressalta que sempre se sentiu muito acolhida na República, e que uma das razões é a linguagem sensível utilizada por todos os voluntários e funcionários do espaço. “Eles fazem coisas complexas parecerem tão simples para as crianças e adolescentes. Quando eu cheguei no Emaús, eu tinha 14 anos, e eu não tinha muito entendimento das coisas. E aí a minha cabeça foi abrindo, fui entendendo as coisas, e hoje sou voluntária porque quero que as crianças tenham aquele mesmo acesso de informação que eu tive. Eu quero que elas entendam o que é violência sexual, o que é exploração de trabalho infantil, quero só que eles tenham entendimento do que é certo e do que é errado”, finaliza.

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Adriel Rodrigues, de 15 anos, é um dos alunos das aulas de teatro, uma das frentes de atuação do projeto. Neste mês de julho, ele é um dos participantes, também, da programação da colônia de férias e, enumera os frutos colhidos após quatro anos frequentando o espaço. “Desde que eu entrei aqui, foi uma ajuda muito boa, porque sempre nos apoiam, nos ajudam. A minha mãe também entrou aqui, e não estava muito bem, com crise de ansiedade, e o projeto ajudou muito ela também”, compartilha. “É muito acolhimento, sabe? Porque o amor já ajuda muito as pessoas. Fora os ensinamentos sobre os nossos direitos, sobre dizer não a exploração sexual, ao trabalho infantil, homofobia e racismo. A gente aprende muito aqui”, completa.

A pequena Wiliane Fonseca, de 11 anos, está há um pouco mais de tempo entre os pequenos da República. Desde 2017, ela pratica percussão e comenta que as atividades a ajudaram a perder um pouco da timidez. Mas, mais que isso, ela revela o maior privilégio de ter chegado ao Emaús, que carrega o mesmo nome do local para onde seguiam alguns discípulos de Jesus no momento em que Ele se revelou a eles, após a ressurreição: a convivência cotidiana com o Padre Bruno. “Eu gostava muito de jogar dama com ele, às vezes almoçava com ele. Aliás, eu senti muito a perda dele, porque ele fazia parte da minha família. Eu nem acreditei, porque como eu convivia com ele, parecia que não tinha acontecido. Então eu senti muito”, lembra a menina.

Emaús: frentes de atuação

Além de aulas de violão, percussão e teatro, a República do Emaús oferece aulas de musicalização – uma espécie de iniciação na música, com aulas de canto e flauta – e esportes em geral. Após passarem pela Socialização, que atende até os 17 anos, as crianças e adolescentes podem ser integradas ao Programa de Aprendizagem, que tem convênio com três bancos, três empresas públicas e cinco privadas. Neste segundo setor do Movimento de Emaús, onde são atendidos 100 adolescentes, é possível ingressar a partir dos 14 anos.

image Crianças e adolescentes são atendidos em diferentes ações (Igor Mota / O Liberal)

E foi pelo desejo de dedicar energia e amor para além do benefício próprio que a pedagoga Georgina Cordeiro, de 71 anos, foi fisgada pelo mesmo ideal solidário de Padre Bruno. Desde o início, em 1970, ela, que hoje é coordenadora geral do Movimento e concilia a função com o cargo de professora da Universidade Federal do Pará (UFPA), buscava alimentar o espírito com a solidariedade e a missão de ser o exemplo a arrastar novos comprometidos com a causa. “Muitos que foram atendidos hoje são voluntários. Nos alimentamos dessa proposta”, diz.

“O legado do Padre Bruno é imenso e é em cima do Evangelho de Cristo, que diz larga te pai, tua mãe, teus filhos, e assume uma causa. O padre fez isso e ele não fez sozinho, mas ele deu exemplo e dizia que os leigos têm um papel importante na construção da sociedade e do reino de Deus. Onde está esse Cristo? Está presente nos oprimidos que precisam de proteção cuidado de alguém que junto com eles possa fazer com que eles saiam da situação de opressão”, explica.

São 50 anos, segundo ela, construindo esse sentimento coletivamente, já que o próprio padre afirmava: “sozinho não se faz nada”. Por conta disso, todas as horas livres, longe da docência e das atividades com a família, são dedicadas ao projeto solidário. Uma terceira frente de atuação do Movimento, é o Centro de Recuperação de Computadores (CRC), voltado para os maiores de 18 anos. É neste departamento que eles podem fazer cursos relacionados à área de informática para que possam trabalhar neste segmento de mercado. 

Veja a última entrevista do padre Bruno Sechi

Para além de restabelecer uma conexão social com a arte e com uma profissão, existe o trabalho forte de enfrentamento à violência contra a criança e o adolescente, feito por meio do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente. O principal objetivo consiste em lutar pela defesa e garantia dos direitos de crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e exclusão social, particularmente aqueles e aquelas que se encontram em situação de trabalho na rua, trabalho doméstico, abuso, exploração sexual e tráfico e suas famílias na Região Amazônica, atuando na proteção, na defesa e na garantia dos direitos das crianças e de adolescentes.

“A principal característica do Padre Bruno é que ele era salesiano, ou seja, inspirado em Dom Bosco, que fala no sistema preventivo para que o futuro lhe possa ser melhor pensado, e as crianças possam se tornar os jovens sujeitos desse processo”, pontua. “As crianças, os jovens, são sujeitos de direitos, e esses direitos precisam ser garantidos, porque o estatuto precisa ser materializado na prática. E é a partir daí a nossa luta. Por isso temos cadeira em vários conselhos de criança e adolescente, para pressionar a execução de políticas públicas para que esses jovens essas crianças tenham seus direitos garantidos”, comenta. “A gente cuida das crianças e jovens que são o bem maior da nossa sociedade”, finaliza.

image Movimento de Emaús fica localizado no bairro do Bengui (Igor Mota / O Liberal)

Coleta de Emaús: como ajudar em 2022?

Uma das principais ações do Movimento de Emaús é a grande coleta, que ocorre sempre no segundo semestre. Além do papel solidário, a ação cumpre um importante papel de educação ambiental, já que os objetos arrecadados são restaurados e vendidos por preços acessíveis à população, diminuindo a produção de lixo e oportunizando as comunidades de baixa renda o acesso aos bons produtos doados e necessários a seu bem-estar.

Um desafio próprio deste ano, após dois anos de pandemia e com a captação de doações por meio de drive thru, quando as pessoas doaram sem sair dos carros, é conseguir que empresários disponibilizem caminhões, motoristas e combustível para que os veículos possam alcançar o maior número de bairros possíveis. Uma das coordenadoras executivas do projeto, a professora de teatro Cleice Maciel, de 40 anos, há 13 envolvida com a causa, reforça a importância do engajamento do setor empresarial para que a ação seja eficaz em 2022.

No dia da grande coleta, normalmente, mais de mil voluntários estão envolvidos na ação – 500 vão para as ruas, 500 ficam na sede do Movimento, no Benguí, para organizar toda a estratégia. Mas, com a redução do número de caminhões, o que antes ganhava força com 50 equipes mobilizadas, hoje conta com apenas 30. “É cada vez mais difícil, a gente conseguir caminhões. A gente define as equipes quando tem noção de quantos caminhões vamos ter. Todo o planejamento é feito agora, para que a coleta tenha um bom resultado. É de lá que tiramos objetos para vender e ter recursos para manter o Movimento ao longo do ano”, completa.

O que pode ser doado ao longo do ano?

  • Alimentos
  • Itens de higiene pessoal e limpeza
  • Móveis, eletrônicos e eletrodomésticos em bom estado de uso
  • Roupas em bom estado

Quais telefones posso entrar em contato?

  • Institucional: 3285-7693
  • Campanha móvel: 98170-8721
  • Doações financeiras: 98938-3797
  • Grande Coleta 2022: 99145-1306

O Movimento de Emaús fica localizado no bairro do Benguí, na avenida Padre Bruno Sechi, antiga Estrada do Yamada, número 17.

Atuação do Movimento de Emaús

República do Pequeno Vendedor (RPV): voltado para crianças, adolescentes e jovens na faixa etária de 8 a 24 anos, possibilita melhores condições sociais desse público no bairro do Benguí e entorno por meio das atividades sócio pedagógicas, como os programas de arte educação, de aprendizagem, e cursos profissionalizantes para jovens e famílias.

Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca): expressão do Movimento República de Emaús, atua desde 1983, com o firme propósito de enfrentar as violações de direitos humanos de crianças e de adolescentes, principalmente tendo como estratégia a proteção jurídico-social, combinando intervenção jurídica, incidência política, formação e mobilização social.

Membro efetivo em 10 Conselhos:

  1. Conselho Deliberativo do Programa de Proteção à Vítimas e Testemunhas Ameaçadas de Morte do Pará (CONDEL PROVITA);
  2. Conselho Gestor do Programa de Proteção à Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (CONGEST/PPCAAM);
  3. Conselho Estadual de Segurança Pública (CONSEP PA);
  4. Conselho Estadual de Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCA PA);
  5. Comitê de Combate à Tortura;
  6. Comitê de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes do Pará;
  7. Comitê de Enfrentamento ao Trabalho Escravo e ao Tráfico de Pessoas (COETRAE/COETRAP);
  8. Fórum Estadual de Direitos de Crianças e Adolescentes (Fórum DCA);
  9. Associação Nacional dos Centros de Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes (ANCED);
  10. Fórum Nacional das Entidades Gestoras do PPCAAM (FNEG PPCAAM).

 

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