Violência Política contra Mulheres: desafios, avanços e a urgência de mudanças estruturais

Em entrevista ao Grupo Liberal, Twig aprofunda as nuances da violência política de gênero e como o sistema político brasileiro, historicamente dominado por homens, ainda cria barreiras significativas para a participação plena das mulheres.

Gabi Gutierrez

A violência política contra as mulheres tem se tornado um tema de destaque nos últimos anos, com importantes avanços legislativos para combater essa prática, que se manifesta tanto durante campanhas eleitorais quanto no exercício do mandato. Twig Santos, advogada e pesquisadora paraense, se dedica a estudar essa questão e é autora do livro "Violência Política contra Mulheres". Em entrevista ao Grupo Liberal, Twig aprofunda as nuances da violência política de gênero e como o sistema político brasileiro, historicamente dominado por homens, ainda cria barreiras significativas para a participação plena das mulheres.

“Embora tenhamos uma legislação recente que tipifica a violência política contra as mulheres, ainda falta garantir mecanismos efetivos de denúncia e proteção, especialmente para aquelas que sofrem ataques durante o exercício de seus mandatos. Precisamos, além da lei, de uma mudança estrutural na cultura política do país para que essas práticas sejam, de fato, erradicadas”, destaca a pesquisadora.

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Além disso, Twig Santos discute em seu livro como os episódios recentes, como o impeachment de Dilma Rousseff e o assassinato de Marielle Franco, acenderam o debate sobre a violência política de gênero. Ela apresenta um panorama histórico e jurídico detalhado sobre o tema, contribuindo para a compreensão dessa forma de violência. Leia a entrevista na íntegra:

O que caracteriza a violência política contra a mulher durante a campanha ou ao longo do mandato?

Twig Santos: A violência política contra as mulheres, tanto durante a campanha quanto ao longo do mandato, caracteriza-se por ações ou omissões que visam deslegitimar, desacreditar e impedir o pleno exercício dos direitos políticos das mulheres. Essas ações podem se manifestar através de agressões verbais, intimidações, ameaças, difamação, ataques sexistas e até violência física. Um exemplo que eu gosto de destacar é a maneira como as mulheres são frequentemente questionadas por suas competências, sendo desacreditadas em suas decisões e discursos apenas pelo fato de serem mulheres. Esse tipo de violência é um reflexo das estruturas patriarcais que dominam a política, onde o poder é majoritariamente ocupado por homens. Além disso, durante as campanhas, a disseminação de fake news e ataques direcionados à vida pessoal da candidata são ferramentas usadas para minar sua credibilidade.

Qual o contexto da criação da lei?

Esse tema está sendo debatido com muito mais ênfase, e eu destaco dois eventos deflagradores. Em 2016, tivemos a deposição da ex-presidente da República, Dilma Rousseff, em um processo difamatório que destruiu sua imagem pública, e muitos atos a conduziram de maneira sexista e objetificadora. Em 2018, a trágica morte da vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco, também marcou nossa história. A elucidação do crime já está em fase avançada, inclusive os acusados irão a júri no final deste mês.

Esses dois eventos de 2016 e 2018 acenderam o debate sobre a violência política direcionada às mulheres em cargos políticos eletivos. No entanto, esse não é um fenômeno novo para as mulheres que entram na política ou que reivindicam suas demandas em outros espaços de atuação política, como militantes, ativistas e defensoras de direitos humanos. Pesquisas apontam, por exemplo, que desde a ditadura militar, o gênero — essa categoria que se baseia na percepção cultural a partir do sexo biológico — é uma categoria disruptiva na atuação política das mulheres. Durante a ditadura civil-militar que o Brasil vivenciou, as militantes que lutavam por resgatar os presos políticos eram muito mais duramente atingidas, pois eram consideradas transgressoras duplas: por serem mulheres e por estarem dissociadas da ideologia política daquele momento.

Os referenciais que eu me baseio para responder, são as teorias feministas. Elas apontam para a importância de nomear os fenômenos, especialmente no caso das mulheres, no que diz respeito às violências. Isso tem uma relevância especial, porque é a partir do momento em que as mulheres conseguem identificar o que acontece em suas vivências, no cotidiano, nas suas rotinas de trabalho, que elas conseguem enfrentar as situações problemáticas, nocivas e tóxicas que vivenciam.

Portanto, os ataques na política sempre aconteceram, e eles acontecem com muita contundência, às vezes letal, e são muito mais agravados em relação às mulheres. Afinal, são os homens que estão majoritariamente eleitos na política, e o poder é ocupado por eles. Entretanto, só tivemos uma lei tratando desse tema no Brasil em 2021, promulgada em 4 de agosto de 2021, pelo ex-presidente. Essa legislação criou o crime eleitoral de violência política, com essa definição que mencionei anteriormente, e também trata de outros aspectos, como maior tempo de rádio e TV para as mulheres e criminaliza a divulgação de fake news. É uma legislação preocupada em resguardar o processo de candidatura e o exercício do mandato eleitoral, protegendo as mulheres candidatas e aquelas que já detêm um mandato eletivo.

Quais são as principais manifestações desse tipo de violência?

A violência política contra as mulheres consiste, de acordo com a definição legal, em toda ação, conduta ou omissão, baseada no sexo, conforme a terminologia da legislação, com a finalidade de impedir ou obstaculizar os direitos políticos das mulheres, seja na sua atuação parlamentar, seja no exercício das suas campanhas, no caso das mulheres candidatas. Portanto, a violência política contra as mulheres é um fenômeno que as atravessa, sobretudo, no momento de sua atuação política.

Esse fenômeno pode se manifestar de diversas formas. Os ataques podem ser verbais, em que mulheres são desacreditadas e deslegitimadas em suas funções apenas pelo fato de serem mulheres. Também podem se manifestar na forma de agressões físicas, como o assassinato de Marielle Franco, um caso extremo de violência política letal. Além disso, a disseminação de fake news e a difamação são formas de violência que buscam atacar a imagem pública das mulheres, minando suas campanhas e o exercício de seus mandatos.

Como você se inseriu nesse debate?

Eu concluí meu mestrado na Universidade Federal do Pará em 2018. Entrei em 2016 e estudei as violências de gênero contra as mulheres, com foco nas violências institucionais enfrentadas por mulheres vitimadas que tentam acessar a justiça e enfrentam uma série de obstáculos, como a dificuldade em obter uma medida protetiva. Naquela época, o pano de fundo da minha pesquisa era a Lei Maria da Penha.

Quando comecei meu doutorado, em 2019, já estávamos vivendo a iminência de algo novo: logo em seguida, em 2020, veio a pandemia. Durante esse período, fiquei muito atenta à maneira como dirigentes e lideranças políticas — especialmente mulheres — eram atacadas de forma diferenciada dos homens nas suas posturas e decisões em relação às diretrizes sanitárias. Isso me provocou a estudar esse tema, além dos eventos que mencionei, como a deposição de Dilma Rousseff e o assassinato de Marielle Franco. O que também me chamou a atenção foi a falta de sistematização acadêmica sobre esse fenômeno, especialmente sob a ótica do direito. Foi assim que me inseri nesse debate, como estudiosa das violências de gênero, e ampliando o debate sobre a violência política contra as mulheres.

Quais os desafios para se combater essa prática?

Os desafios para combater a violência política contra as mulheres são inúmeros, e começam pela própria estrutura do poder político, que é historicamente dominada por homens. Um dos maiores desafios é a sub-representação das mulheres nos espaços de poder. Quando há poucas mulheres ocupando esses espaços, elas estão mais vulneráveis a sofrerem ataques e, muitas vezes, não têm uma rede de apoio institucional que as proteja de maneira eficaz.

Outro desafio é a falta de entendimento e conscientização por parte do público sobre o que é a violência política. Muitas vezes, as agressões são normalizadas ou vistas como parte do jogo político, o que torna ainda mais difícil identificar e combater essas práticas. É necessário que haja uma mudança cultural e estrutural na maneira como a política é conduzida, para que as mulheres possam participar plenamente sem serem alvo de violência.

Além disso, o sistema judiciário precisa estar preparado para lidar com esses casos de maneira eficaz. Muitas vezes, as denúncias de violência política não são tratadas com a devida seriedade, ou não há mecanismos suficientes para proteger as mulheres candidatas e eleitas. É necessário fortalecer esses mecanismos, tanto no âmbito eleitoral quanto no criminal, para que as mulheres se sintam seguras para atuar politicamente.

Quais os avanços na legislação para combater a violência política?

Tivemos, logo após a implementação da Lei de Violência Política Contra as Mulheres, outra lei que inseriu, no Código Penal, o crime de violência política contra qualquer pessoa. Isso vale para quem for alvo de discriminação por raça, procedência nacional, etnia, sexo, entre outros motivos. Se alguém, porventura, obstaculizar o exercício dos direitos políticos dessa pessoa, poderá ser responsabilizado. Portanto, temos dois crimes: um relacionado às mulheres, que é um crime eleitoral, e outro relacionado a qualquer pessoa.

Esse é um avanço importante, pois reconhece que a violência política não afeta apenas as mulheres, mas outros grupos vulneráveis que são sub-representados na política. Além disso, a legislação brasileira também prevê maior tempo de rádio e TV para candidatas mulheres e criminaliza a disseminação de fake news, que é uma das principais ferramentas utilizadas para atacar mulheres na política.

Que tipo de medidas ainda precisam ser tomadas ou projetos aprovados nesse sentido?

Ainda há muito a ser feito. Uma das principais medidas necessárias é o fortalecimento dos mecanismos de denúncia e proteção para mulheres que estão sofrendo violência política. Muitas vezes, as mulheres não sabem onde denunciar ou não se sentem seguras para fazê-lo, pois temem represálias. É necessário criar canais de denúncia mais acessíveis e garantir que as mulheres sejam protegidas durante o processo eleitoral e durante o exercício de seus mandatos.

Além disso, é fundamental promover mais campanhas de conscientização sobre o que é a violência política, tanto para o público em geral quanto para as próprias mulheres que estão entrando na política. Quanto mais as mulheres souberem identificar essas práticas, mais poderão se proteger e denunciar quando necessário.

Por fim, precisamos trabalhar na mudança cultural e estrutural da política brasileira, para que seja um ambiente mais inclusivo e menos hostil para as mulheres. Isso inclui tanto a criação de legislações que promovam a igualdade de gênero na política quanto o incentivo à participação de mais mulheres nos espaços de

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