Primeira ministra negra do TSE, Edilene Lôbo destaca desafios na representatividade no Judiciário br

Segundo ela, na maior parte das Cortes, há poucas vagas ocupadas por mulheres negras, porque elas enfrentam dificuldades em alcançar espaços decisórios

Elisa Vaz e Jéssica Nascimento

A falta de representatividade das mulheres negras no poder Judiciário ainda é uma realidade no Brasil. Na maior parte das Cortes que compõem o setor, há poucas vagas ocupadas por elas, que enfrentam dificuldades em alcançar espaços decisórios por causa dos critérios utilizados pelos tribunais, geralmente políticos. É o que diz a ministra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Edilene Lôbo, que esteve em Belém nas últimas semanas e conversou de forma exclusiva com o Grupo Liberal. Para ela, o caminho para a representatividade plena ainda é longo e árduo, e é preciso “apressar o passo” para ver uma realidade transformada. Assista:

Confira a entrevista:

Ministra, a senhora é a primeira mulher negra a ocupar o cargo de ministra substituta do TSE. Como avalia o impacto simbólico e prático dessa conquista no fortalecimento da representatividade no sistema judiciário e na política brasileira?

Nós estamos no novembro negro, mês em que falamos de consciência negra, e esse tema tem que ser constante, todos os dias, todos os meses, e eu lembro que nós estamos há 136 anos da declaração da abolição da escravatura. Mas é muito surpreendente como nós ainda não temos a devida reparação e o resgate da participação adequada das pessoas negras nos vários espaços decisórios, principalmente as mulheres. Chego na Justiça eleitoral em agosto do ano passado, atuo lá como ministra substituta, tem prazo certo de mandato, e há 90 anos Justiça eleitoral, foi a primeira vez que aquela Corte contou com uma mulher como eu. É um primeiro passo, é um caminho que se abre, na sequência veio a segunda ministra negra, a ministra Vera, para dizer que nós existimos, nós podemos contribuir, temos muito a dizer e a entregar, como mulheres negras, estudiosas, técnicas, professoras, cientistas, enfim. E, ao chegar ali pela primeira vez naquela Corte, eu entendia que nós estávamos diante de uma realidade sendo transformada, e eu fiquei muito animada. E a cada dia que passa eu compreendo que essa tarefa é grande, é árdua, mas nós temos, sim, grande possibilidade como nação próspera de fazer com que essa grande maioria da sociedade, as mulheres negras, possa entregar toda a sua inteligência, sua expertise, capacidade, por exemplo, de fazer gestão. As mulheres negras são experts em fazer gestão na escassez, são administradoras natas, então o que tenho a dizer é isso. Vejo agora por dentro do Poder Judiciário e Eleitoral esse começo de transformação, mas o caminho é longo e árduo, no Judiciário no geral, são poucas mulheres negras, embora na base tenhamos mais. O grande problema é quando nós vamos caminhando em direção ao topo do Judiciário, às esferas superiores. Quando o critério deixa de ser o ingresso por meio de concurso e começam os critérios políticos para composição das Cortes. Temos, sim, um número muito pequeno de mulheres negras no Judiciário nacional. Basta olharmos para o Supremo: temos uma ministra, nenhuma mulher negra. No STJ, temos um único ministro negro e cinco mulheres que não são negras. Então, esse caminho é longo, e nós precisamos acelerar esses passos, se nós quisermos ver mesmo, eu, você, sua geração, uma outra realidade.

A senhora assumiu este cargo em um momento em que o TSE enfrenta o desafio de combater a disseminação de fake news e desinformação durante as eleições. Quais estratégias têm se mostrado mais eficazes para lidar com esses problemas, e como a Justiça Eleitoral pode aprimorar essa atuação?

Nem preciso destacar que desinformação não serve para estruturar a comunicação pública. A desinformação é uma maldade, um desserviço; em geral, a desinformação que é projeto de captura de poder político, essa desinformação construída para atingir o processo eleitoral e os processos democráticos. Nem preciso dizer que ela também vem ao lado dos discursos de ódio, que excluem, que pretendem a exclusão, principalmente de mulheres negras, de pessoas negras, de pessoas de coletivos diversos da sociedade. A desinformação com o discurso de ódio é um desserviço a uma sociedade democrática. Portanto, enfrentar esse problema se colocou como uma missão bastante desafiadora do Tribunal da Democracia, assim é declarado o TSE. E o TSE envidou muitos esforços, começou tratando da formação de parcerias, o TSE inclusive buscou formar parcerias com outros órgãos públicos incubidos da fiscalização, como Ministério Público. Buscou também parceiros da comunicação pública, como a imprensa de qualidade, comprometida com o direito do povo de se informar bem. E, a partir dessa firmação de parcerias e da regulação, criando regras pertinentes ao processo eleitoral, ao lado dos julgamentos muito cuidadosos dos casos concretos de fake news e ataques ao processo democrático, ao julgar com vigor e dizer que pune, que a sociedade não pode concordar com esse tipo de comportamento, o TSE então entregou a fórmula adequada para tratar essa questão. Por isso, inclusive, o TSE tem sido referência para o mundo. E agora, mais recentemente, com a presidência da ministra Carmem Lúcia, com as resoluções das eleições de 2024, não só a desinformação em geral foi tratada nos regulamentos do TSE, mas também a desinformação no mundo digital, por meio, por exemplo, da manipulação da inteligência artificial. Então, nessa atuação para proteger a boa comunicação pública, o TSE fez regulamentos específicos, firmou parcerias, orientou seu corpo técnico, magistrados, magistradas, julgou com vigor e, principalmente, orientou e informou a população brasileira, com vários programas destinados a orientar e educar a cidadania. Então, acho que essa é a fórmula que pode, por exemplo, nas eleições, entregar à sociedade um número relativamente baixo de desinformação, de fake news e de manipulação digital para desorientar e desinformar as pessoas. Nós enfrentamos outros tantos problemas, mas nesse campo, vejo o TSE com uma atuação muito vigorosa e com bons resultados para entregar à sociedade.

Recentemente, o TSE tem tomado decisões que reforçam o rigor contra discursos antidemocráticos. Como a senhora vê o equilíbrio entre a garantia da liberdade de expressão e a necessidade de coibir manifestações que atentem contra o estado democrático de direito?

Antes de tudo, é preciso entender que o modelo democrático significa informação de qualidade para todas as pessoas, quando não falamos de formação de opinião para fazer escolhas livres. Então a comunicação pública e a boa informação são essenciais. A liberdade de expressão vem exatamente nesse ambiente, para orientar, informar e possibilitar às pessoas fazerem suas escolhas. O que se vem dizendo, por vezes, como liberdade de expressão, deturpando essa ideia, tem sido enfrentado também com o vigor necessário tanto pela Justiça eleitoral como por outros ramos do Judiciário. Liberdade de expressão não é falar o que quer e agredir as pessoas, liberdade de expressão é manifestar juízos seguros, contribuindo com essa boa educação coletiva, boa orientação, boa informação. Então, a liberdade de expressão estrutura, é um princípio de um modelo democrático. Não pode servir, por exemplo, para veicular mentira, agressão, para possibilitar o racismo, para possibilitar misoginia, a exclusão das mulheres no debate público, então, quando falamos de liberdade de expressão e democracia, são duas estruturas que se acomodam, se conjugam, uma não pode excluir a outra.

A reforma política e eleitoral é um tema constantemente debatido no Congresso Nacional. Em sua visão, quais seriam as mudanças mais urgentes e necessárias para aperfeiçoar o sistema eleitoral brasileiro e ampliar a participação das minorias?

Nós temos em curso no Congresso Nacional um projeto de Código Eleitoral com uma série de alterações do modelo que hoje vigora, principalmente da legislação. Esse debate está em aberto ainda; sofreu uma redução nesse período eleitoral, mas eu suponho que, no ano próximo, o Parlamento nacional deve voltar a debater esse assunto. Hoje eu vejo como fundamental no modelo político nós tratarmos de incluir as maiorias minorizadas. Nós precisamos falar de mais mulheres no Parlamento e na administração pública e precisamos falar de mais mulheres negras. É fundamental discutir sobre o enfrentamento à desigualdade política no Brasil, que exclui, particularmente, essa grande maioria a que fiz referência. Nós precisamos também lembrar que a juventude precisa ser reencantada para a política, é preciso ter cuidado com a abstenção. A eleição municipal no segundo turno, no Brasil, chamou atenção porque quase 30% do eleitorado não compareceu às urnas, e desconfio que nesse conjunto tenha grande parte de jovens. A juventude é o presente e é o futuro deste país, nós precisamos estar atentos para continuar estimulando a juventude a participar dos processos políticos. E aqui, candidatas e candidatos, e partidos políticos, têm um papel fundamental. A eleição precisa ser um espaço de debate de ideias, não pode ser um lugar para violências, para exclusões, não pode ser um lugar preocupado exclusivamente com a pessoa que se lança na disputa. A propaganda eleitoral precisa ser mais bem tratada. É a oportunidade de as pessoas se informarem e se orientarem. E, mais que nada, os políticos precisam se preocupar em apresentar boas propostas para a sociedade, considerando inclusive esses grupos que eu mencionara: jovens, mulheres, mulheres negras, coletivos variados da vida nacional e, naturalmente, da vida local. Então, o ponto que eu concentraria dentre tantos, porque são muitos, seria essa grande maioria excluída, que são as mulheres negras, dos espaços decisórios.

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