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Especialista em direito eleitoral fala sobre desafios e principais mudanças para as eleições 2024

Juliana Freitas falou sobre as novas regras para as eleições deste ano e sobre quais temas devem ter maior observância durante o pleito deste ano.

Gabi Gutierrez

As eleições municipais deste ano trazem muitos desafios para a Justiça Eleitoral e para a sociedade. Será o momento em que a inteligência artificial se mostra mais desenvolvida e com maior potencial de causar prejuízos para a imagem dos candidatos. E, a partir do que acontecer, poderá haver mudanças nas leis para os próximos pleitos. É o que aponta, em entrevista ao Grupo Liberal, a fundadora da Academia de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Juliana Freitas. Ela também fala sobre a importância de a sociedade ficar atenta aos desvios legais de candidatos e destaca também a necessidade de fiscalização sobre a ação afirmativa que garante um percentual mínimo de participação feminina, evitando-se fraudes. Além disso, Juliana Freitas explica as novas regras para as eleições de 2024.

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Neste ano, as regras eleitorais passaram por reformulações. Quais foram as mais importantes em sua opinião?

Juliana Freitas: Para analisar isso é interessante entender o processo eleitoral a partir de algumas fases. Atualmente, estamos na fase da pré-campanha eleitoral, que ganhou regras significativas. Tivemos um posicionamento novo sobre o que se pode ou não fazer neste período. Já tínhamos definido na lei e nas resoluções do Tribunal Superior Eleitoral, que pré -candidatos não podem pedir explicitamente voto, usar “palavras mágicas”, nem fazer uso de instrumentos de propaganda proibidos durante a campanha, como outdoors.

Além disso, há cerca de um mês e meio, o TSE entendeu que encontros e reuniões de partidos políticos com pré-candidatos, que envolvam uma quantidade muito grande de pessoas, com uso de jingles e grandes aglomerações, podem configurar propaganda irregular, uma propaganda extemporânea. Isso gera certa insegurança, porque algumas regras já estão pré-estabelecidas, enquanto outras estão sendo construídas pela jurisprudência.

Outro ponto interessante é o uso da inteligência artificial. Uma alteração importante é que sempre que uma propaganda utilizá-la, deve ficar claro na propaganda que se trata de IA, especialmente por causa do uso crescente de “deepfakes”, o que é muito complicado. Sabemos da potencialidade que a internet tem para a divulgação de mensagens, que muitas vezes podem caracterizar desinformação, irreversível em muitos casos. Mesmo com o direito de resposta, é difícil mitigar os efeitos dessas mensagens.

Pré-campanha e campanha antecipada ainda confundem muitos eleitores. Como diferenciar?

A pré-campanha, de acordo com a legislação, não tem um momento de início definido, o que gera uma certa zona de penumbra. Enquanto há um prazo específico para começar a campanha, que é no dia 16 de agosto. Esse período de pré-candidatura é quando as pessoas que desejam participar das eleições começam a anunciar suas intenções. Por exemplo, alguém pode dizer: "Tenho interesse em me candidatar à vereança do município de Belém. Então, estou lançando minha pré-candidatura." No entanto, essa intenção pode não se concretizar, pois a pré-candidatura precisa ser aprovada em uma convenção partidária, seguida pelo registro de candidatura, que deve ser aceito pela Justiça Eleitoral.

A pré-campanha é permitida pela legislação e envolve diversas atividades. Entretanto, há limitações claras durante a pré-campanha. O que não se pode fazer é pedir votos explicitamente. O uso de "palavras mágicas" que poderiam ser interpretadas como pedidos de voto é proibido, pois já se configura como campanha antecipada. Exemplos dessas expressões proibidas incluem frases como "conto com seu apoio" e "espero você nas urnas", que podem ser vistas como solicitações de voto. Mas a interpretação dessas situações varia de caso a caso, considerando o contexto concreto para definir o que constitui um pedido de voto.

Durante a pré-campanha, uma pessoa pode anunciar seu interesse em se candidatar, reunir-se com líderes políticos, fazer escuta ativa, discutir seus projetos e intenções, e, se for pré-candidata à reeleição, divulgar os projetos que conseguiu aprovar em sua atual posição, como na Câmara.

Qual a importância de denunciar a campanha antecipada?

Primeiro, acredito que todos nós temos uma responsabilidade política coletiva. Independentemente do papel que exercemos, somos cidadãos. Como cidadãos conscientes e educados politicamente, queremos o melhor para a nossa sociedade, o nosso estado e o nosso país. Isso não significa necessariamente que faremos as mesmas escolhas, mas buscamos aquilo que acreditamos ser o melhor.

Para que o debate entre os pré-candidatos e candidatos seja legítimo, sem que ninguém tente passar por cima do outro ou se colocar em uma posição de desigualdade, a legislação eleitoral estabelece regras. É fundamental que o eleitorado seja fiscal do cumprimento dessas regras. Às vezes, percebe-se um pedido de voto ou a doação de bens, o que é completamente vedado. O eleitor deve estar consciente de seu papel para garantir uma disputa legítima, conforme as regras do jogo.

Não podemos normalizar o descumprimento da legislação, pois isso resultará em escolhas ruins para a sociedade. Quando um pré-candidato ou candidato infringe as regras antes mesmo de ser eleito, já podemos imaginar como será o exercício do mandato. A falta de compromisso coletivo e público resultará na falta de escolas de qualidade e postos de saúde. É o próprio povo que arca com as consequências de um jogo político ruim. Não pode ser essa a relação.

Falando sobre inteligência artificial, como você avalia as novas regras para o uso desse artifício tecnológico? E como espera que seja o uso da IA no pleito de 2024?

O direito não consegue acompanhar a dinâmica da vida em sociedade. Com muito mais dificuldade vai acompanhar a dinâmica da tecnologia. A pergunta é: como a sociedade está preparada para essa mudança? Ela está preparada?

A tecnologia avança em um passo, a sociedade avança em outro, e o direito, que é pensado para dirimir os conflitos que acontecem na sociedade, agora tem mais dificuldade de se adaptar aos conflitos que também acontecem no ambiente virtual. Acredito que essas eleições municipais serão um termômetro valiosíssimo para nós conseguirmos ter uma métrica, uma ideia de qual será a realidade que a inteligência artificial vai nos apresentar.

E, a partir dessa realidade, vamos conseguir detectar se teremos problemas de direito a resolver com a legislação ou não. É importante essa medida.

Confesso que o próprio Judiciário não tem essa ideia do que vamos enfrentar. O problema não é a inteligência artificial em si, mas de quem comanda e programa tudo isso. Quais são os valores da pessoa que está por trás da inteligência artificial? O que se pretende com essa inteligência artificial? Isso ainda é uma zona desconhecida por todos nós, inclusive pelos próprios ministros do Tribunal Superior Eleitoral.

Para as eleições deste ano, qual será a especificidade que vai precisar de maior atenção na sua opinião?

Fraude às cotas de gênero. Infelizmente, vamos continuar com esse problema. Para contextualizar, a legislação eleitoral determina um percentual de registro de candidaturas de homens e mulheres. Ainda temos uma concepção binária de sociedade e precisamos ultrapassar isso, mas vou falar sobre o que está estabelecido na legislação.

Quando se estabelece um percentual para registro de candidatura, a proporção é de 30% a 70%, independentemente do gênero. Ou seja, o partido político, ao registrar a candidatura dos seus candidatos e candidatas, deve registrar pelo menos 30% de um gênero e 70% do outro. Pode ser 50% a 50% ou 60% a 40%, mas deve ser pelo menos essa proporção. Em regra, o que temos é 30% de mulheres e 70% de homens. Esse percentual de registro de candidatura não garante que a mesma proporção seja eleita, tanto que não temos nem 20% de representatividade nos espaços legislativos. Muitas câmaras municipais não têm nenhuma mulher, apesar dessa exigência.

Para atender a essa necessidade de percentual de registro de candidatura, foi definido, por decisão do Supremo Tribunal Federal, por meio da ADI 5617, que deve haver um percentual de destinação de dinheiro público, os fundos de financiamento, fundo especial de financiamento de campanha e fundo partidário, que acompanhem essa mesma proporção. Por exemplo, se um partido político registrou 50% de homens e 50% de mulheres, deve destinar essa mesma proporção tanto do fundo partidário quanto do fundo especial de financiamento de campanha: 50% para as mulheres e 50% para os homens. Essa é uma exigência legal. Se esse percentual não for atendido, estamos diante de uma fraude.

Essa exigência legal é o que chamamos de ‘ação afirmativa’, que tem como finalidade garantir maior participação das mulheres na política, o que infelizmente não tem sido alcançado. Muitos partidos fraudam essa legislação lançando candidaturas de mulheres que muitas vezes nem sabem que são candidatas. Isso é péssimo para todos, inclusive para os próprios homens.

O TSE tem entendido que, diante da constatação de fraudes, os votos obtidos pelo partido político são nulos, resultando na cassação de todos os eleitos, inclusive os homens. Esse deve ser um compromisso de todos que se lançam pelo partido político. Já passou o tempo em que cada um só se importava com a própria candidatura. Eu, como mulher pré-candidata e futura candidata, devo me preocupar em saber quem são as outras mulheres. Os homens também devem se preocupar para evitar uma eventual cassação por fraude às cotas de gênero.

O que fazer para incentivar a participação das mulheres na política?

Estamos falando de um espaço público e nós não fomos “educadas para isso”, entre aspas. Fomos educadas para casar, para ter filhos. Aí tem um fator primordial: a atuação dos políticos. Nós precisamos cobrar dos partidos políticos o efetivo compromisso com a participação das mulheres. Porque sabemos que não basta simplesmente a mulher chegar, bater na porta e dizer: "Eu quero entrar". Muitas vezes tem que chutar essa porta. E não deveria ser assim. Nós temos que nos expressar, nós mulheres. Por exemplo, os partidos políticos precisam de pelo menos trinta por cento de mulheres candidatas. Por quê? Porque está na legislação. Não sou eu que estou dizendo.

Que tal essas mulheres se organizarem e as outras mulheres filiadas ao partido político que não querem se lançar para concorrer, se apoiarem? Claro que vários homens também vão apoiar e pressionar para que seus partidos políticos incentivem a participação feminina. Eles têm em seus dirigentes a sua grande maioria, se não na totalidade, de homens.

Então, é importante e necessário que os partidos políticos exercitem mesmo o movimento democrático, por essa determinação da própria constituição. E qual é esse papel? Chamar a mulher para dentro do partido. A mulher não deveria nem precisar bater à porta. E quando ela bate na porta, se ela quiser entrar, deve deixá-la entrar e oferecer esse espaço para a mulher informando, realizando cursos, letramento, educação política, assim como para os homens também. Promover a educação sobre política, marketing e como fazer uma campanha bem feita, por exemplo. E dar espaço para essas mulheres na televisão, desses 30% não deveria ser usado só por uma ou duas mulheres que têm mais protagonismo no partido, é importante que ofereçam esse espaço para outras candidatas também. Talvez as mulheres, com mais visibilidade e mais incentivo fiscal dos partidos políticos, consigam ser eleitas em maior número. Então, apostar nelas é necessário para manter viva a nossa democracia.

Como você vê o papel do direito eleitoral na consolidação da democracia no Brasil?

Devemos reconhecer o direito eleitoral como uma ramificação riquíssima e valiosíssima para a efetivação da nossa democracia. Através do conhecimento das regras do processo eleitoral, podemos, inclusive, aperfeiçoar e consolidar nossa democracia no sistema. É curioso que, inclusive, esse é um debate que fazemos na própria Abradep e na Comissão Especial de Direito Eleitoral da ONU Internacional. Ali, também discutimos por que o direito eleitoral, sendo uma disciplina da ciência jurídica que estrutura e movimenta toda a base do nosso Estado Democrático de Direito e que debate sobre democracia, ainda não é uma disciplina obrigatória. Então, é fundamental que nas instituições de ensino superior entendamos o direito eleitoral, apesar de ainda não ser uma disciplina obrigatória.

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