Dino diz que extremismo deve ser combatido com autoridade da lei; veja entrevista exclusiva completa
O ministro da Justiça e Segurança Pública falou sobre atos terroristas e crimes antidemocráticos e atuação do governo para reprimi-los
O início do novo mandato do governo federal tem sido marcado por crises políticas, e o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, está à frente das articulações que têm o objetivo de defender a democracia. Ele concedeu entrevista exclusiva ao Grupo Liberal na última sexta-feira (10) e avaliou as primeiras semanas do governo, falou sobre as ações desenvolvidas e adiantou prioridades da Pasta na Amazônia. Confira a conversa:
LIBERAL: O mandato do novo governo começou há menos de dois meses e várias crises já aconteceram, como os atos do dia 8 de janeiro e a situação dos Yanomami. Como o senhor avalia essas primeiras semanas?
Tivemos algumas dificuldades, por exemplo, no que se refere à temática ambiental e indígena, e também houve essa tentativa terrorista e golpista de ataque às instituições democráticas. Isso exigiu uma intensa atividade, foi um mês e uma semana, praticamente, bastante desafiador de trabalho, de garantir a autoridade da lei para que haja paz social no Brasil. Conseguimos êxito em todas essas áreas e no combate à impunidade. Estamos avançando também no planejamento das ações de apoio aos Estados no que se refere à segurança pública, de modo que acho que o horizonte indica muitos desafios, mas, ao mesmo tempo, muitas vitórias.
L: Nos últimos anos e, principalmente, desde a eleição, houve uma frequência maior de discursos antidemocráticos, com críticas à atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por parte de uma camada da sociedade. Na sua avaliação, o Brasil vive hoje um momento de instabilidade política?
Não há dúvida de que o extremismo político de direita é uma tendência em vários países do mundo, não é um fenômeno apenas brasileiro. Vimos algo similar acontecendo nos Estados Unidos - diria até que esses extremistas desvairados do Brasil imitaram aqueles dos Estados Unidos que atacaram o Capitólio. Houve também tentativas terroristas contra governantes de outros países, como a França, por exemplo. Por conseguinte, vemos que esse extremismo é, em um certo sentido, uma marca do nosso tempo, infelizmente, e a democracia tem não só o direito como o dever de se defender dessas circunstâncias. Acho, portanto, que a instabilidade nasce desse extremismo. E é preciso combatê-lo com a autoridade da lei.
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L: Como andam as investigações dos atos terroristas do dia 8 de janeiro? Qual o resultado das prisões? Muitas pessoas ainda seguem presas? Ainda há buscas para prender responsáveis?
Houve as prisões em flagrante na noite do dia 8 de janeiro e também na manhã do dia 9, cerca de 1.500 prisões. Houve também, sucessivamente, a decretação de prisões preventivas e temporárias, e as investigações prosseguem. Nós temos vários inquéritos policiais por meio dos quais outras tantas diligências ainda serão feitas. Então, objetivamente, nós já temos centenas de pessoas respondendo a ações penais perante o Poder Judiciário, com certeza esse número vai crescer. Nós temos, aproximadamente, hoje 1.000 pessoas ainda presas, esse número também será acrescido de outras pessoas na medida em que as investigações avançam não apenas em relação aos executores dos atos criminosos como também os orientadores, incitadores, mandantes, financiadores, então é uma investigação que vai se alongar, com certeza, por todo este ano de 2023.
L: O senhor apresentou, no fim de janeiro, um pacote de ações jurídicas como resposta aos ataques de 8 de janeiro. Uma das medidas é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que cria a Guarda Nacional na segurança do Distrito Federal. Mas, para isso acontecer, teria que haver mudanças na Constituição. O senhor acha que, neste momento, o governo tem a força política necessária para aprovar uma medida como essa?
A criação da Guarda Nacional não deve ser vista apenas como assunto do governo. É um assunto que transcende disputas políticas, partidárias ou ideológicas, na medida em que a Guarda Nacional se destina à proteção dos Três Poderes. Fatos, inclusive, revelados amplamente mostram que essa desproteção não é apenas dos prédios do governo federal, mas também dos outros Poderes do Estado que, na eventual falha, omissão, conivência, seja lá o que for, de integrantes das forças policiais locais do Distrito Federal, tais Poderes ficam reféns de fatores políticos puramente atinentes a uma Unidade Federativa. Então eu entendo que a criação da Guarda Nacional cumpre esse papel de proteção de áreas de segurança federal na Esplanada dos Ministérios, na Praça dos Três Poderes, nas Embaixadas. Não há impacto fiscal em relação a isso, uma vez que a Guarda Nacional, neste caso, seria financiada pelo Fundo Constitucional do Distrito Federal, que já existe, portanto, não seria criar despesa nova e, sim, direcionar melhor recursos federais, ao mesmo tempo em que essa Guarda Nacional substituirá a chamada Força Nacional, que é provisória, foi criada em 2003, e é integrada por membros cedidos pelas Polícias Militares dos Estados. Com a criação da Guarda Nacional também haveria esse benefício, porque os Estados receberiam de volta os policiais militares que cederam para a Força Nacional. Eu só vejo vantagem na proposta. Creio que melhora o sistema de segurança, é um órgão alinhado com as melhores práticas internacionais, inclusive aquelas que se verificam nos Estados Unidos.
L: Outra ação desse pacote é uma Medida Provisória (MP) para criar regras e estipular multas contra redes sociais que não adotarem medidas para evitar crimes antidemocráticos. Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) já trazem críticas sobre a atuação do Judiciário na exclusão de perfis, por exemplo, dizendo que trata-se de um atentado à liberdade de expressão. Até que ponto deve-se reprimir crimes antidemocráticos sem ferir a liberdade de expressão?
A liberdade de expressão é um valor fundamental consagrado pela Constituição, porém, ele não é absoluto. A bem da verdade, nenhum valor e nenhum direito é absoluto porque há fronteiras exatamente relativas aos direitos da coletividade, aos direitos das outras pessoas. É por isso que o Código Penal já tipifica crimes de calúnia, injúria, difamação ou incitação à prática criminosa. Vale dizer que o atual Código Penal já estabelece fronteiras em que, uma vez ultrapassadas, a liberdade de expressão se torna criminosa. Ela deixa de existir a bem da verdade. Então, por isso, nós propusemos esse projeto de Medida Provisória, cujo resultado é garantir que aquilo que é ilegítimo nas ruas seja também ilegal nas redes, e responsabilizar as empresas. As plataformas de tecnologia não podem ficar imunes à responsabilidade. E por isso mesmo devem ter sistemas preventivos em relação a seis crimes. Eu não estou tratando de fake news, eu não estou tratando de notícias falsas, eu não estou tratando de mentiras, eu estou tratando de crimes. Portanto, é um projeto diferente, inclusive, de outros tantos que existem e que tratam do universo mais amplo de regulamentação da internet. Eu estou tratando apenas de crimes contra o Estado Democrático de Direito e de terrorismo. As plataformas que prestam serviços ao consumidores não podem fazer de qualquer jeito, de qualquer forma, elas devem ser responsabilizadas por esses conteúdos que lá trafegam. Esse é o debate jurídico fundamental no mundo, não só no Brasil, mas na União Europeia, nos Estados Unidos. Agora mesmo, nessa reunião do presidente Lula com o presidente Biden, um dos pontos é exatamente como fazer com que esta mácula do nosso tempo não se transforme em uma ameaça à humanidade na medida em que o “vale tudo” se estabelece na internet. Isso não pode acontecer. E para isso é preciso que haja leis, e é essa reflexão que fazemos aqui no Ministério da Justiça. Eu imagino que haja políticos de todas as posições que consideram que a internet não pode ser o reino do “vale tudo”, guerra de todos contra todos, então espero, sim, que haja uma compreensão mais ampla. Tenho a impressão de que, se a política não der uma solução adequada como eu espero que dê, o Poder Judiciário será mais uma vez chamado a suprir essa lacuna e editar uma regulação que garanta a proteção a princípios constitucionais fundamentais e o combate à criminalidade por meio da internet.
L: A crise em Roraima tem sido acompanhada por todos. Muitos garimpeiros já estão fugindo do local, com a ciência do Ministério da Justiça. Por que não fazer o uso de força nesse momento de crise para garantir as prisões desses garimpeiros? E o governo federal deve auxiliar os trabalhadores que sobrevivem dessa atividade?
Esse é um caminho fundamental, uma vez que são pessoas que merecem atenção. Acho essa ação dos governos dos Estados em parceria com o governo federal muito importante. Houve reuniões, inclusive, do governo federal com o governo de Roraima com essa mesma preocupação, e espero que haja soluções no âmbito da chamada economia verde, bioeconomia, inclusive com aporte de fundos internacionais para que as pessoas da Amazônia brasileira tenham perspectivas de trabalho e de renda com legalidade e cumprimento das leis. Isso é uma meta fundamental. Precisamos avançar rapidamente nessa direção para separar o joio do trigo. Uma coisa são pessoas realmente criminosas, organizações, quadrilhas que, por exemplo, financiam ou fazem lavagem desse ouro ilegal. Hoje mesmo ocorreu uma operação em Roraima da Polícia Federal (PF) que visa a combater a lavagem de ouro ilegal. Então nós estamos fazendo, sim, uso da força, uso proporcional da força, uso planejado da força, uma vez que seria inviável prender, de uma vez só, 15 mil pessoas. Não haveria meios físicos para algemar essas pessoas e para onde conduzi-las simultaneamente. Nós estamos executando etapas. A primeira etapa é a emergencial. Ou seja, a desintrusão, tirar as pessoas que não podem estar em terras federais praticando crimes. E a investigação segue sobre essas pessoas, sobre seus financiadores, sobre as pessoas que praticam a lavagem desse ouro ilegal. Porém, em etapas, nós vamos encontrar o equilíbrio adequado entre o combate ao crime e, ao mesmo tempo, buscar caminhos organizados para que a Amazônia brasileira possa se desenvolver e as pessoas possam ter vida digna.
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L: Sabemos que, no Pará, por exemplo, há muitas terras indígenas e, ainda assim, a atividade de garimpo ilegal; essa fuga não gera preocupações da Pasta em relação ao destino desses garimpeiros, que podem migrar para outras áreas protegidas? Como o governo federal deve impedir isso?
Não gera essa preocupação na medida em que essa ação em Roraima não é isolada, na verdade é uma ação que faz parte de um planejamento mais amplo que envolve, inclusive, desintrusão, neste ano, de mais seis áreas. Então, nós estamos fazendo essa desintrusão junto aos Yanomami e depois teremos, sucessivamente, mais seis; e claro que serão tantas ações quantas forem necessárias para proteger o meio ambiente, proteger o trabalho digno e proteger os povos indígenas. Com essa presença contínua da Polícia Federal (PF), das Forças Armadas, da Força Nacional, do Ibama e da Funai, nós vamos conseguir melhorar esses indicadores que foram deteriorados nos últimos anos por conta de uma política irresponsável de “liberou geral” que conduziu ao crescimento da criminalidade.
L: Especificamente no Pará e na Amazônia, quais são as prioridades do Ministério da Justiça, a exemplo das questões agrárias e as próprias ameaças a áreas protegidas? O senhor tem tido um olhar mais focado na nossa região?
Eu apresentei ao presidente Lula um programa chamado Amazônia Mais Segura, está sob análise dele, reuniões técnicas estão ocorrendo, na próxima semana já haverá outras reuniões, inclusive com o BNDES, para que nós possamos obter os recursos necessários ao crescimento dessa presença federal na Amazônia brasileira. Isso envolve vários eixos, desde o eixo da qualificação, da presença das forças policiais federais, ampliação dessa força, apoio aos Estados (todos os nove da Amazônia Legal, inclusive nas zonas de fronteira), construção de novas bases, sejam terrestres ou fluviais, fornecimento de equipamentos aos Estados e também ações sociais. Nós temos uma ação muito virtuosa no Estado do Pará, que são as Usinas da Paz, inspiradas no Compaz do Estado de Pernambuco. E nós estamos, portanto, com esse objetivo de esses equipamentos sociais se incorporarem a territórios vulneráveis nas zonas urbanas da Amazônia brasileira. Nós temos esse programa, acredito que até o mês de março nós teremos a definição e, portanto, o aporte de investimentos para melhorar a segurança pública na Amazônia brasileira.
L: O governo estadual do Pará tem se alinhado ao governo federal. Dada essa aproximação, quais parceria o Ministério deve buscar localmente, até, por exemplo, na proteção de fronteiras ou outras ações?
Nessa temática da segurança pública, com certeza, uma parceria muito intensa, porque o Estado do Pará é vital para o país, para Amazônia, em particular, e por isso todas essas ações que fiz alusão na área da segurança pública se desenvolverão também no Estado do Pará. O governador Helder Barbalho esteve recentemente comigo e nós conversamos bastante sobre essas parcerias na área de segurança pública, sobre a destinação de recursos federais ao Pará. Já agora, no mês de março, serão destinadas viaturas ao combate ao feminicídio em todo o país, inclusive no Pará. Vai ser, com certeza, um ano de muito trabalho e de resultados dessa parceria do governo federal com o governo do Pará. Temos outros temas, na área do consumidor, na repressão aos crimes ambientais e no apoio ao desenvolvimento da Amazônia de forma geral. Esse programa Amazônia Mais Segura se insere em uma visão geral de prioridade do desenvolvimento sustentável da Amazônia brasileira. Tanto é que o presidente Lula está apoiando a candidatura do Pará, de Belém, para receber a COP. Temos essa ideia de haver uma presença de apoios substantivos, não apenas simbólicos, a esta causa da Amazônia brasileira.
L: O governo anterior tinha uma visão bem diferente da sua a respeito do armamento da população. Quais são as medidas do governo federal para o desarmamento da sociedade civil? E como o senhor avalia as críticas às medidas que ampliam o controle da Polícia Federal (PF) sobre o porte de armas, entre elas a que obriga o registro desses equipamentos?
A questão é essa: não existe na Constituição e em nenhuma lei brasileira o direito ilimitado a cortar armas. Isso não existe no Brasil. A arma é uma concessão extraordinária, especial, temporária e limitada. Essa é a moldura jurídica no Brasil. E é isso que nós estamos executando. O “liberou geral” era ilegal, era inconstitucional. E o nosso governo é um governo da lei. O decreto que o presidente Lula editou e a portaria que eu editei vão na direção do cumprimento da lei. Não é propriamente um desarmamento. Há pessoas que vão continuar com suas armas, claro, mas de acordo com a lei. Nós estamos focando, sobretudo, em armamentos de uso restrito que foram banalizados; na proliferação irresponsável de munições; clubes de tiro que, na verdade, são fachadas, são ficções e se multiplicaram de modo estranho no Brasil; assim como falsos CACs, pessoas que nunca foram colecionadores, atiradores, caçadores e que obtiveram por esse caminho o porte de armas. Então nós estamos trazendo a prática administrativa aos trilhos da lei. E algumas pessoas, certamente milhares de pessoas, vão manter suas armas. Agora, quem não pode portar arma porque não está de acordo com a lei e quem está praticando crime porque está pegando armas e está destinando a organização criminosa e a quadrilha para assaltar banco, esses sim são alvos da ação do governo federal. Então é preciso separar o joio do trigo. Infelizmente, tem extremistas que gritam e que berram sem nem ler as coisas, não lêem a Constituição, não leem a lei, não leiam o decreto, não leram a portaria e ficam gritando coisas insanas, com ameaças. Isso não nos assusta porque podem gritar à vontade, e ao mesmo tempo sugiro às pessoas que têm um pouco de juízo, um pouco de bom senso, a entender que uma sociedade em que todas as pessoas estejam armadas é uma sociedade que nos lares há feminicídio, maridos matam esposas ou esposas matam maridos, aumentam as invasões em escolas para que estudantes matem professores e outros estudantes, brigas de trânsito que poderiam ser banais se transformam em grandes tragédias. Então essa é a prática internacional. E os homicídios vinham caindo no Brasil desde antes dessa política irresponsável. Na verdade, se não fosse essa política irresponsável os homicídios tinham caído era mais. Porque já vinham caindo desde antes. Essa é a verdade. E é em nome dessa verdade, em nome dessa lei, que nós estamos atuando.
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L: Como o senhor imagina ver o Brasil daqui um ano ou no fim deste mandato em relação a atos contra a democracia, desmatamento, garimpagem em terras indígenas? Acha que teremos melhorado?
A minha referência é sempre a lei e, portanto, para todos esses temas que você menciona a resposta é sempre a mesma. Para todos eles o meu desejo, a minha luta, o meu trabalho é que as leis sejam cumpridas. Esse é o caminho da paz social. Sem ordem democrática não há progresso social. Então nós, do Ministério da Justiça, representamos a defesa da ordem democrática para que haja progresso da nossa nação. Eu acredito que vamos avançar muito nos próximos anos nessa direção de respeito, a lei por todos os brasileiros e brasileiras.
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