CNJ atua no combate à violência e promoção de direitos de mulheres e crianças no Marajó
Alguns dos desafios da entidade são a redução do estoque de processos relacionados com casos de violência no Judiciário e a logística da região
O combate à violência contra mulheres e crianças é um dos braços de atuação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que, por meio da supervisora de Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres no Poder Judiciário, conselheira Renata Gil, membro da entidade, esteve presente no Pará no mês passado para a promoção de direitos na Ilha do Marajó.
Em dezembro, a população de Portel, município localizado no Arquipélago, recebeu a segunda edição do Programa Ação para Meninas e Mulheres de Marajó, agenda realizada em parceria com o Tribunal de Justiça do Pará (TJPA). A ação teve o objetivo de fazer uma articulação com o governo do Pará, com a gestão municipal e com empresários e organizações do terceiro setor, além de promover a conscientização da população, no que se refere ao combate e à prevenção de situações de violência doméstica e familiar.
De forma exclusiva, o Grupo Liberal conversou com a conselheira Renata Gil, que enfatizou o compromisso de reduzir o estoque de processos relacionados com casos de violência no Judiciário e a importância de iniciativas para prevenir essas situações. Ela apontou ainda as dificuldades logísticas da região e a necessidade de articulação entre prefeituras, Organizações Não Governamentais (ONGs) e governos estadual e federal para garantir suporte às comunidades locais.
Confira a entrevista:
A senhora esteve no Pará a fim de acompanhar uma ação para mulheres e crianças no Marajó. Como funciona a atuação do CNJ neste âmbito?
Renata: A gente é responsável por todas as políticas nacionais do Judiciário, a gente faz a coordenação da atuação dos juízes e tem direcionado as políticas públicas, especialmente as do plano de ação para a primeira infância, é um plano que a gente aprovou no Conselho e tem mais de 300 entidades e a gente prioriza algumas ações dentro desse plano para que elas sejam executadas pelos juízes brasileiros nos tribunais brasileiros. Então, uma força tarefa para as adoções, tanto para o caso de habilitação como para conclusão dos processos de adoção, os projetos de entrega voluntária de crianças, todas as questões referentes à não institucionalização de crianças a gente tem trabalhado muito afinco e tem trabalhado também por uma organização mais uniforme da atuação dos juízes na área da infância e juventude, na parte protetiva e na parte infracional. A gente acabou de sediar aqui no Pará o Encontro Nacional de Magistrados da Infância e Juventude, então é um trabalho bastante grande e bastante integrado com essa magistratura, que tem que fazer um pouquinho a mais do que julgar processo, a gente precisa muito trabalhar com os equipamentos públicos, com as autoridades do Executivo, do Legislativo, é uma área que depende de uma interdisciplinaridade, e não é só o trabalho de julgar processos.
A Ilha do Marajó é uma região com baixo desenvolvimento. A senhora enxerga mais desafios ao fazer esse trabalho aqui na Amazônia?
É um desafio gigantesco por conta da pobreza, do baixo desenvolvimento e das distâncias. Essa comarca que nós vamos atuar agora nessa semana, que é Portel, para chegar lá demora 18 horas de navio. Então, imagina como é o cumprimento dos mandados de prisão, de intimação, tudo é muito difícil porque as localidades são distantes e, às vezes, nas localidades, eu pude ver o trabalho dos oficiais de Justiça, são duas residências só e depois mais três ou quatro horas em rio. E a gente tem dificuldade de investimento público lá. Esse trabalho tem um enfoque muito grande na mobilização das prefeituras no treinamento educacional, treinamento nas escolas, explicar quais são as violências para essas pessoas e gerar uma integração entre a assistência social dos municípios e essas pessoas que cuidam da saúde e da educação dos municípios. O nosso papel no Judiciário é julgar os processos e para julgar esses processos o Tribunal de Justiça está dando todo um aporte para nós de oficiais de Justiça para cumprimento dos mandados e dos oficiais que vão mexer nesses processos para que eles andem rápido e o juiz tenha condição de fazer os júris de feminicídios, que os juízes tenham condição de julgar os processos de violência doméstica, e isso tudo dentro de uma meta. O Conselho Nacional de Justiça já tem metas para os tribunais e o que a gente está fazendo é dar suporte para que esses juízes consigam alcançar as metas e entregar Justiça para essas comunidades. E o que a gente tem recebido de relatos é que a sociedade do Marajó tem se sentido muito atendida pela Justiça. Eles pedem que a gente não saia de lá e que a gente continue fazendo essa grande força tarefa, é uma ação mesmo para mobilização coletiva. E nessa ação a gente está trabalhando ainda com a sociedade civil organizada, os empresários. Então, a gente está cada vez mais ampliando o nosso espectro de atuação para que a ação tenha resultados efetivos.
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Quais são os avanços que o CNJ espera alcançar com essas ações?
A gente espera primeiro reduzir o estoque de processos, que é nossa obrigação, mas com qualidade. A gente tem fornecido treinamentos para a magistratura, tem, por exemplo, resoluções como protocolo com perspectiva de gênero na área do combate à violência contra a mulher e ensinar que os juízes, os advogados, que todo o sistema de Justiça adote esse protocolo. Então, são vários treinamentos que nós temos de acordo com as metas, temos metas anuais, são 12 metas que o Conselho edita por ano, e os tribunais que cumprem essas metas da melhor forma ganham uma premiação. O Tribunal do Pará acabou de ganhar uma premiação pela atuação em cumprimento dessas metas. E a gente tem metas específicas hoje para o combate à violência e para o julgamento dos processos relativos à infância e juventude. Eu acho que, neste ano, a gente vai ter resultados mais positivos, porque além da ação que a gente está executando no Marajó, a gente ainda tem o estabelecimento dessas metas que, por certo, vão fazer com que os juízes deem uma atenção prioritária a essas agendas.
A senhora citou a articulação com os governos e também com empresários. Existe também uma articulação com o terceiro setor, com organizações não governamentais?
Sim, ONGs que já atuam na Ilha do Marajó, e são muitas, a gente precisou delas inclusive para fazer um mapeamento, entender qual era o problema. E a partir da compreensão do problema, a gente está trabalhando também com sociólogos, com a universidade, agora mesmo tem um sociólogo fazendo todo o mapeamento dos projetos sociais que já existem para a gente fomentar que esses projetos se ampliem e que essas pessoas tenham condição de sobrevivência, porque a gente sabe não adianta só atacar de forma repressiva a questão, a gente precisa prevenir, e prevenir é como emprego e com educação. As ONGs estão ajudando muito a gente nesse mapeamento, porque já atuavam, são ONGs que não trabalham só com a questão da violência, mas trabalham com empreendedorismo, com outras ações. E a gente tem mobilizado o setor público, não só o governo local, com os prefeitos, mas também o governo estadual. A gente tem um aporte muito grande do governo do Estado do Pará para fazer essa ação, porque a gente precisa de deslocamento e que os equipamentos funcionem. Uma coisa muito interessante é que, em razão da distância, a gente detectou que os pontos de atendimento podem ser eletrônicos. Então, a gente está instalando os PIDs, que são esses pontos de atendimento remoto, para que mesmo nos lugares distantes a população tenha acesso. Tem um ponto remoto, inclusive, em Portel, que está dentro de uma embarcação, porque a gente entende qual é a realidade do local. Mas a gente também tem vontade que as itinerâncias que já acontecem com a Defensoria Pública e com o sistema de saúde sejam mais permanentes, que a população saiba que a Justiça volta naquele período e eles se sintam seguros então de acionar o sistema de Justiça. O que nós encontramos quando chegamos pela primeira vez foi uma desarticulação entre todos os atores. Descobrimos que o 190 para denúncias não funcionava muito bem, agora descobrimos que o Conselho Tutelar também não estava com o telefone funcionando, e isso tudo voltou a funcionar. A gente está com as atenções voltadas para a Ilha do Marajó e a gente tem ainda um pedido para o governo do Estado que parece que vai ser atendido de instalação de Usinas da Paz. Tem a programação de uma Usina da Paz para ser instalada lá no Marajó, e nessa face mais pobre, que é a face voltada para o Amapá. A gente fez um mapeamento, não é alguma coisa que tenha sido tirada da nossa cabeça, a gente tem um plano de ação e a gente espera que, ao final de um ano, que é esse plano que nós começamos a executar em 2024, os resultados sejam positivos para essa sociedade que é tão carente e carente de Justiça também.