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TRF1 reconhece como imprescritíveis crimes contra a humanidade registrados em Sapucaia, no Pará

Processo, cujos crimes ocorreram em 1989, será remetido ao juízo de origem, no Pará, para prosseguimento da ação penal

O Liberal
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A Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) acatou, por unanimidade, o pedido de recurso especial feito pelo Mistério Público Federal (MPF) e reconheceu a imprescritibilidade dos crimes cometidos contra José Pereira Ferreira. O caso aconteceu em 1989, quando a vítima aos 17 anos, submetido a condições análogas às de escravo, tentou fugir e foi baleado na cabeça, só sobrevivendo porque se fingiu de morto ao lado do corpo de outra vítima dos criminosos. Os crimes foram cometidos em Sapucaia, no Pará.

Em 2019, o juiz federal Marcelo Honorato havia declarado extinta a punibilidade dos três acusados, Augusto Pereira Alves, José Gomes de Melo e um terceiro, conhecido apenas pelo primeiro nome, Carlos, em decorrência de suposta prescrição dos crimes cometidos.

O MPF alegou que os delitos objeto do processo são caracterizados como crimes contra a humanidade, graves violações aos direitos humanos, portanto imprescritíveis. O órgão ministerial lembrou que o Brasil é signatário de múltiplos tratados internacionais que reforçam a impossibilidade da prescrição penal nos crimes de lesa-humanidade, tais como a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948), Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), Convenções nº 29 e 105 da Organização Internacional do Trabalho (1957 e 1965), Comissão Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, o qual o Brasil aderiu em 1992), Estatuto de Roma (2002), além de diversas resoluções da Assembleia Geral da ONU.

A decisão do TRF1 acolheu o argumento de que a imprescritibilidade dos crimes é o reconhecimento da proibição da escravidão como norma imperativa de direito internacional, e não uma aplicação retroativa da Convenção Americana de Direitos Humanos, como sustentava a sentença reformada.

Em casos de crimes com graves violações aos direitos humanos, como tortura, execuções sumárias e redução à condição de escravidão, os tratados internacionais dos quais o Brasil faz parte – vários deles pactuados muito antes da data dos fatos – ganham caráter supralegal, ou seja, se sobrepõem ao conjunto das leis, posicionamento harmônico com a Constituição Federal e consolidado no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF).

Por mais de uma ocasião, o STF já se manifestou no sentido de que o crime de redução a condição análoga à de escravo (Art. 149 do Código Penal) atenta, para além da liberdade individual, contra a própria dignidade da pessoa humana. Já o TRF1, por sua vez, também fixou precedente no sentido da imprescritibilidade de crimes de escravidão, no julgamento do habeas corpus nº 1023279-03.2018.4.01.0000, em caso semelhante ocorrido na Fazenda Brasil Verde, também no Pará.

O estado brasileiro assumiu, em 2003, perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), o compromisso de julgar o caso. O país chegou a ser acusado pelas organizações não governamentais Américas Watch e Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) de não ter respondido adequadamente às denúncias de prática de trabalho análogo à escravidão e de haver desinteresse e ineficácia nas investigações e processos referentes aos criminosos.

Na ocasião, o Brasil reconheceu, pela primeira vez, sua responsabilidade pela existência de trabalho escravo em seu território e também se comprometeu a adotar medidas – incluindo modificações legislativas – para prevenir e punir outros casos, além de iniciativas de conscientização sobre o tema.

Conheça o caso

José Pereira Ferreira, trabalhador rural, então com 17 anos, conseguiu trabalho na Fazenda Espírito Santo, no município de Sapucaia, no estado do Pará. No entanto, encontrou um sistema vigente de trabalhos forçados, sem remuneração devida, com jornadas excessivas e privação de liberdade. José e os demais empregados trabalhavam vigiados por homens armados, sob condições desumanas.

Ao tentar fugir com um colega, foi alcançado e recebeu um tiro na cabeça. Seu colega também foi alvejado e veio a falecer. Para não ser executado, José Pereira fingiu-se de morto. Seu corpo foi colocado com o de seu colega em um saco e deixado à margem de uma estrada. Após a retirada do grupo criminoso, José conseguiu chegar a uma fazenda, onde foi socorrido e enviado a um hospital.

“Não há dúvidas de que estamos diante de imputação de grave violação de direitos humanos, assim reconhecida pelo próprio estado brasileiro, perante um organismo internacional do qual o Brasil faz parte”, declarou em seu voto o relator convocado, juiz federal Érico Pinheiro. Com a decisão, os autos serão remetidos ao juízo de origem, na Justiça Federal de Marabá (PA), 33 anos depois dos fatos, para regular prosseguimento da ação penal.

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