Racismo: Dia de Combate à Discriminação Racial reforça luta contra preconceito
Em Belém, caso de racismo em um supermercado, com uma senhora idosa e conhecida no bairro da Pedreira, reacendeu a constante luta contra a discriminação racial
Na semana que antecedeu o Dia Internacional de Combate à Discriminação Racial, celebrado nesta segunda-feira (21), um caso de racismo contra uma idosa de 81 anos, dentro de um supermercado no bairro da Pedreira, chamou atenção e reforçou o sentimento de que essa prática parece estar longe de ser, realmente, combatida. O fato registrado contra Nilza Sacramento, a “dona” Anastácia, como é carinhosamente chamada, é apenas uma das seis ocorrências que envolvem discriminação racial já registradas, este ano, pela Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Segup).
Entretanto, os números podem ser muito maiores, uma vez que muitas vítimas sofrem caladas, com a sensação de impunidade, e não registram o Boletim de Ocorrência, que é de fundamental importância para que a Polícia Civil, através da Delegacia Especializada no Combate a Crimes Discriminatórios e Homofóbicos (DCCDH), possa dar início às investigações.
Outros dados coletados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que, em 2021, mais de 1 mil denúncias de racismo foram feitas aos órgãos oficiais do governo, 30 delas no Pará. Com os números levantados em 2021, o Pará triplicou os casos que chegaram às autoridades do Estado. Em 2020, apenas dez registros foram observados.
Em entrevista à reportagem de O LIBERAL, “dona” Anastácia relembrou o episódio da manhã daquela sexta-feira (11/03). Ela contou que olhava panos de prato, quando o segurança do estabelecimento passou por ela, pelo menos, duas vezes. Na saída, a idosa foi abordada pelo homem. “Quando cheguei na porta, ele me pegou pelo braço, e disse que estava presa, porque eu teria roubado uma flanela, que estava dentro da minha bolsa. Ele tirou a minha bolsa, botou em cima do balcão, e quando ele abriu, não tinha flanela”, denuncia.
“Estou me sentindo doente, depressiva, com uma ansiedade muito grande. Não consigo dormir direito, não consigo me alimentar. Eu queria saber por que ele fez isso. Todo dia eu ia ao Cidade, e agora ele veio dizer que eu estava roubando uma flanela, de R$ 2,50?”, indignou-se. Anastácia acredita que a cor da pele pode ter influenciado a atitude do segurança. “Tem que ter um motivo, e eu acho que é por eu ser preta”. A idosa afirma que esta foi a primeira vez que passou por esse tipo de situação. “Nunca em parte nenhuma isso tinha acontecido. Todo mundo me respeita”, destaca.
Em favor de “dona” Anastácia, duas manifestações foram realizadas ao longo da semana, pedindo justiça e o fim da discriminação racial. “O que eu estou fazendo é uma luta, para que tenha resistência negra, para acabar com isso”, defende a idosa, ao analisar que o número de casos envolvendo racismo está crescendo cada vez mais. E, segundo ela, os supermercados são alguns dos lugares que mais possuem registros. “Chega no supermercado, eles ficam olhando por cima da gente, vigiando. A gente fica sem condições de poder escolher, porque estamos sendo inibidos”, desabafa.
Jovens negros relatam experiência de dor e preconceito com racismo
Junto do caso da idosa de 81 anos, somam-se as histórias do advogado Alejandro Falabelo, de 31 anos; Mariele Jorge, de 21 anos, militante do coletivo “Juntas”. “É uma realidade que acontece diariamente aqui no nosso município. Assim como a ‘tia’ Anastácia, eu também já sofri racismo dentro de uma rede de supermercado, aqui de Belém, onde o segurança ficou me seguindo. Eu tinha acabado de chegar e, enquanto eu passava pelas prateleiras, ele ficava me olhando. Até que ele pegou o rádio e começou a conversar com outros seguranças para ficarem me observando, para ver se eu não ia roubar alguma coisa”, lamenta Mariele.
“Foi um momento em que me senti absurdamente constrangida. Imediatamente, entrei em contato com os superiores desses seguranças, mas nada foi feito. Nesse dia eu me senti muito constrangida, porque independente se você tem dinheiro para pagar ou não, eles te tratam como se você fosse roubar alguma coisa”, detalha a jovem. Ela não chegou a registrar o B.O, “porque o caso não era específico com esse segurança, é uma questão muito mais estrutural e uma queixa não iria tirar encaminhamento nenhum, normalmente esses casos não vão para frente”.
Para o advogado Alejandro Falabelo, “viver em um país racista, que mata jovens negros a todo instante é estar em constante alerta e tensão”. Ele também relembra um caso em que considera ter sido vítima de racismo. “Outro dia, eu estive em um estabelecimento com uma amiga e pessoas chegaram falando do nosso cabelo. Aparentemente, elogiando. Mas esse elogio vinha carregado de outros comentários pejorativos. E é um racismo que a gente acabou sofrendo em outra esfera: de ser pessoas negras num lugar frequentado, majoritariamente, por pessoas brancas. Sabemos que não iriam abordar um casal de pessoas brancas”, avalia.
Supermercado na Pedreira comenta caso recente de racismo
A reportagem procurou o supermercado Cidade para se manifestar sobre o caso de racismo contra a "dona" Anastácia. O estabelecimento informou que “repudia veementemente qualquer ato discriminatório, tendo, ao longo da sua história, adotado política de recrutamento de pessoal pautada na diversidade étnica, etária, de gênero, entre outras, a fim de contribuir para uma sociedade cada vez mais inclusiva".
O supermercado Cidade disse ainda que “em relação aos seus clientes, não poderia dispensar tratamento que também não estivesse alinhado a esses valores de respeito à dignidade humana. Não por outro motivo, em seus 30 anos de existência, o supermercado Cidade jamais teve seu nome envolvido em qualquer evento que implicasse descrédito à sua política de tratamento igualitário”.
O comunicado do estabelecimento finaliza dizendo que o supermercado está atento a uma cultura de melhorias contínuas, está apurando os fatos e tomando as providências necessárias, com o intuito de impedir eventual exposição de clientes, colaboradores e parceiros à desproteção de direitos que se quer ver defendidos.
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