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Produzir ou compartilhar memes pode configurar crime, diz especialista

Os danos pessoais a quem sofre com brincadeiras que divertem outros na internet podem ser irreparáveis

Ana Laura Carvalho

Seja como uma foto, vídeo ou GIF, na internet os memes podem ser encontrados de diversas formas. Porém, em todas elas, utilizar a imagem de uma pessoa, sem consentimento, para produzir e compartilhar montagens que se propagam com muita velocidade, independente da finalidade, mas sobretudo para provocar diversão ao receptor da mensagem, pode configurar crimes de calúnia, difamação ou injúria. Quem faz o alerta é a advogada Fayda Belo, especialista em crimes de gênero, direito antidiscriminatório e feminicídios.

Além disso, esse tipo de atitude também pode acarretar para a vítima problemas de saúde, principalmente mental, quase irreversíveis como aconteceu com a jovem Lara da Silva, do meme ‘Já acabou, Jéssica?’, desde o ano de 2015. A jovem, hoje com 18 anos, ficou conhecida mundialmente após ter sido filmada em uma briga na saída do colégio, no pequeno município de Alto Jequitibá, em Minas Gerais. Ela virou meme e, até hoje, recebe inúmeros comentários.

“O meme tem sempre uma linha tênue entre o que é uma brincadeira e o que é crime. Quando se cria um meme para realizar algum tipo de ofensa ou piada com a imagem alheia, não pode. É crime”, esclarece Fayda, ao afirmar que quem compartilha os memes também pode responder criminalmente, de acordo com o entendimento do juiz para o contexto que está sendo julgado.

A falta de esclarecimentos acerca das providências que devem ser tomadas diante de uma situação que pode configurar crime contribui para a falsa sensação de impunidade. Há um tempo, o esteticista Kleber Santos, de 24 anos, passou por uma situação que, segundo ele, quase o fez entrar em depressão. Kleber teve uma foto vazada que o expôs amplamente em vários grupos de Whatsapp. “Eu confiei em uma pessoa, e ela fez isso”, diz o rapaz, que não tomou nenhuma providência. “Não cheguei a fazer nada porque não sabia como agir”, relata.

Andressa Xavier, advogada, de 30 anos, também conta que já passou por situações de exposição, sem que ela autorizasse, mas resolveu o caso através do diálogo. “Nunca cheguei a tomar qualquer providência legal ou judicial. Tomei providências diretas em grupos de amigos e familiares sobre o assunto e sobre certos memes criados”, relembra a jovem. Ela considera que a utilização indevida da imagem de uma pessoa, naturalmente, causa medo, angústia, repulsa, ofensa e constrangimento.

“Ter a imagem utilizada para produção de memes ou figurinhas de WhatsApp é uma situação que a maioria das pessoas que utilizam o aplicativo, por exemplo, já passaram.  A priori, pode ser levado como uma brincadeira ou ‘zoação’ como dizem. No entanto, configura uma situação vexatória. A imagem é exposta e a vítima passa por todo um constrangimento, mesmo demonstrando tranquilidade diante da veiculação, principalmente pelo fato de não existir um controle direto sobre o compartilhamento”, diz Andressa.

A advogada Fayda frisa que cada caso precisa ser avaliado de forma técnica e “a pessoa responde pelo crime que ela cometeu”. “Outro dia, eu estava vendo um processo em que uma mulher usou um emoji de um macaco e banana para falar em um grupo de uma mulher negra. O juiz compreendeu que aquele emoji era racista. E ela virou ré em uma ação de injúria racial”, exemplifica.

“Agora, quando se usa um meme para rir, para fazer piada de alguém, e se esse alguém compreender que ofende a sua reputação, se tem o crime de difamação”, acrescentou Fayda, ao destacar que, desde maio, quando o crime ocorre em meio virtual a pena aplicada é aumentada em três vezes. “A gente vive em uma era muito meme. Não é preciso frases e textos para que haja um crime. Se esse meme ou emoji guarda relação com algum tipo de ofensa, ele vai, sim, virar crime”, continua.

A advogada Fayda Belo comenta que é uma ilusão se utilizar de perfis fakes, nas redes sociais, para cometer crimes que ferem a honra alheia. Segundo ela, a lei permite ao juiz exigir ao Twitter e Facebook, por exemplo, dados completos do usuário, como nome completo, e-mail, endereço, RG, CPF, dentre outros.

“Inclusive, caso o usuário tenha removido a ofensa, ainda é possível ter acesso à publicação. O juiz manda ofício sob pena diária para que eles (Twitter e Facebook) para que eles enviem um relatório dizendo quem é o fake. E tem uma outra coisa: se o usuário virar réu no crime contra a honra e, no fake, tinha uma imagem que não é dele, ele ainda responde por outro crime”, afirma Fayda.

“O mundo está muito online, mas a polícia também está. Eles têm as mesmas armas que um hacker. É uma ilusão pensar que se pode fazer o que quiser contra os outros na internet que nunca será encontrado, porque será, sim. Então, é preciso ter bom senso, se colocar no lugar do outro e pensar muito antes de fazer qualquer coisa”, aconselha Fayda.

 

Entenda a diferença entre os tipos de crimes contra a honra

Calúnia

É um crime previsto no art. 138 do Código Penal. Significa dizer de forma mentirosa que alguém cometeu crime. Para a ocorrência do crime de calúnia, é essencial que haja atribuição falsa de crime. Exemplo: dizer que uma pessoa furtou o dinheiro do caixa, sabendo que não foi ela, ou que o dinheiro não foi furtado.

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.

Difamação

Este crime está previsto no art. 139 do Código Penal. Difamar é tirar a boa fama ou o crédito, desacreditar publicamente atribuindo a alguém um fato específico negativo, para ocorrer o crime de difamação o fato atribuído não pode ser considerado crime. Exemplo: dizer para os demais colegas que determinado funcionário costuma trabalhar bêbado.

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

Injúria

Injuriar é atribuir palavras ou qualidades ofensivas a alguém, expor defeitos ou opinião que desqualifique a pessoa, atingindo sua honra e moral. O exemplo mais comum são os xingamentos. O crime de injúria está previsto no art. 140 do Código Penal.

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

FONTE: CÓDIGO PENAL BRASILEIRO

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