Saiba o que muda com a 'Lei das Saidinhas', sancionada pelo presidente Lula
“Em tese, a nova lei pode engessar o sistema carcerário, segundo especialistas”, afirma o advogado criminalista Tiago Brito
A "Lei das Saidinhas", sancionada, na quinta-feira (11/04), pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), restringe a saída temporária dos presos do semiaberto. No entanto, o presidente vetou um trecho do texto aprovado pelo Congresso que impediria os detentos de deixar a cadeia para visitar a família em feriados e datas festivas. A prática pretende ressocializar os presos.
“Apesar de contrariar os parlamentares com o veto ao dispositivo considerado central, o governo sancionou pontos que, na prática, vão dificultar a progressão de regime dos detentos. Em tese, a nova lei pode engessar o sistema carcerário, segundo especialistas”, afirma o advogado criminalista Tiago Brito.
Segundo o advogado criminalista Tiago Brito, se o presidente sancionasse o texto integralmente, ao impedir os presos de visitarem familiares, estaria ferindo o direito à dignidade humana previsto na Constituição. A nova lei foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) na noite desta quinta-feira. O veto ainda será analisado por deputados e senadores, que poderão manter ou derrubar a decisão do presidente.
No Pará, houve uma redução de 0,18% no ano de 2023 em comparação com o ano anterior nas evasões relacionadas à saída temporária, benefício concedido pelo judiciário. A Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) informa que em 2022, a evasão foi de 10,74% e em 2023 foi de 10,56%.
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"O que falta é a modernização da Lei de Execução Penal", diz delegado Paulo Tamer
Consultor de segurança e delegado da Polícia Civil por mais de 30 anos, Paulo Tamer disse que o Brasil está cheio de “leis tapa-buracos". Essa é mais uma”. Segundo ele, a saidinha é feita de forma indiscriminada. "Não tem grandes requisitos para saber quem pode sair, quem deve sair. Como é feito o monitoramento de quem vai na saidinha? Só através de uma tornozeleira que você pode rasgar e colocar num cachorro, no gato, deixar dentro do guarda-roupa?”, afirmou.
Na opinião dele, o que falta é a modernização da Lei de Execução Penal e a modernização da infraestrutura tecnológica que possa dar mais garantias neste trabalho. Paulo Tamer disse que, se o preso não puder deixar a cadeia, durante as saídas temporárias, isso pode ocasionar rebeliões e mortes.
“A minha crítica com relação a essa lei é que ela pode provocar grandes rebeliões em presídios com muitas mortes. Pode provocar uma revolta interna dentro dos presídios, nos presos. Por não poder sair, eles acabam quebrando o presídio todo, acabam fazendo rebelião dentro do presídio com mortes e reféns. É esse aspecto que eu acho que essa lei não previu”, afirmou.
Tamer afirmou que não é essa lei que vai ressocializar ou impedir a ressocialização do preso. “O entrave da ressocialização do preso está na Lei de Execução Penal, porque, pela nossa Lei de Execução Penal, o preso é uma mera mercadoria dentro de um depósito. Ele não tem uma atividade laboral que leve a ocupar ele e evitar que ele comece a imaginar como fugir, como praticar crimes, evitar ter um celular na mão”, afirmou.
Ainda segundo Tamer, o que falta é modernizar a Lei de Execução Penal. “Modernizando a Lei da Execução Penal, você vai melhorar a ressocialização do preso”, disse. Ele também defendeu a modernização da infraestrutura tecnológica para dar mais garantias neste trabalho. “O que falta é melhorar os controles. E, para melhorar os controles, é preciso ter legislações mais eficazes e não legislações esporádicas, soltas”, afirmou.
"Saidinhas” não se tratam de um privilégio, argumenta advogado
Já o advogado criminalista Filipe Silveira opina que para um debate sério sobre o projeto do "fim das saidinhas" é crucial que a população brasileira e o Congresso Nacional transcendam a polarização política entre esquerda e direita. Isso porque a medida não garantirá o fim das saidinhas, e muitos países democráticos, independentemente de sua orientação ideológica, adotam sistemas de progressão de regime criminal similares ao do Brasil.
"Não se trata, portanto, de um privilégio ou benefício aleatório, mas faz parte do programa de encarceramento que se inicia com o estímulo ao trabalho/estudo na prisão, evolui para a possibilidade de eventuais saídas temporárias e, posteriormente, à progressão ao regime como parte do gradual processo de regresso daquele encarcerado à comunidade", disse.
De acordo com Filipe, os debates apresentados na Câmara dos Deputados gerados pela proposta de restrição da saída temporária não apresentaram argumentos com base em dados claros. "Nesse sentido, cita-se um artigo que conclui pela ineficácia da saída temporária com base em dados de um único município brasileiro, o que, por si só, revela a falta de maior rigor científico, especialmente, para um projeto de lei que tramita há mais de 10 anos", afirmou.
Existem estudos demonstrando que o índice de evasão durante a saída temporária é de, em média, 5%, com retorno de 95% dos beneficiados, bem como a estabilidade nos índices de criminalidade. Segundo o especialista, tais pesquisas não foram consideradas durante os debates na Câmara dos Deputados.
Em relação ao o fim das “saidinhas” apresentar vantagem financeira para o Estado, o advogado opina que "não existem estudos que demonstrem que há qualquer benefício financeiro para o Estado com a implementação da restrição ou fim da saída temporária. O que se alega é que o instituto da saída temporária provocaria aumento da criminalidade e, por isso, nos períodos de sua ocorrência, haveria maior necessidade de gastos com a segurança pública", completou.
Confira o que muda com a 'Lei das Saidinhas'
Crimes hediondos
Como fica: o texto amplia as possibilidades de veto às saidinhas de condenados que cumprem pena em regime semiaberto. A lei também impede que os condenados por crimes com violência ou grave ameaça deixem a prisão temporariamente.
Entre os que ficam impedidos de sair da cadeia temporariamente estão os condenados por: estupro; homicídio; latrocínio (roubo seguido de morte); tráfico de drogas.
Como era: atualmente, são impedidos apenas os condenados que cumprem pena por praticar crime hediondo com resultado morte.
Progressão de pena
Como fica: a Lei de Execução Penal passa a prever que a progressão de pena para um regime menos gravoso só poderá ser concedida ao preso que tiver boa conduta e for aprovado no exame criminológico - que leva em conta aspectos psicológicos e psiquiátricos. Além disso, só poderão progredir ao regime aberto presos que tenham resultados positivos no exame criminológico e demonstrem comportamento de baixa periculosidade.
Como era: atualmente, o exame criminológico não é obrigatório para progressão de regime, mas pode ser exigido pelo juiz em decisão fundamentada. Especialistas ouvidos pelo g1 dizem que o exame não tem embasamento científico e criticam a demora na sua execução.
Também não estão expressos na Lei de Execução os conceitos de "resultado positivo no exame criminológico" e "comportamento de baixa periculosidade". Em vez disso, são analisados antecedentes, autodisciplina, senso de responsabilidade e fundados indícios de que o detento irá se ajustar.
Tornozeleira eletrônica
Como fica: permite ao juiz de execução determinar a monitoração eletrônica ao decidir pela progressão do condenado ao regime aberto.
O texto sancionado também permite ao juiz impor o uso de tornozeleira ao preso em liberdade condicional, regime aberto e semiaberto.
Como era: atualmente, a Lei de Execução permite ao juiz de execução determinar a monitoração eletrônica expressamente apenas no caso de progressão para o regime semiaberto.
Além disso, a Lei de Execuções só permite expressamente a monitoração eletrônica para saída temporária e prisão domiciliar.
Número de 'saidinhas'
Como fica: o projeto sancionado também revoga o dispositivo da Lei de Execução que permite ao preso pedir até cinco saídas de sete dias por ano.
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