Refém do tráfico, Paracuri pede justiça oito meses após ação policial
Contra impunidade, famílias das vítimas da operação Diataxi farão atos mensais
No dia 22 de novembro de 2018, cerca de 70 policiais militares participaram da operação Diataxi 7. O objetivo era combater o tráfico de drogas em áreas ribeirinhas do distrito de Icoaraci. No bairro do Paracuri, mais conhecido pelo artesanato e pobreza do que pelo crime, dez pessoas, em três canoas, foram alvos de mais de 50 tiros. Não eram traficantes e nem tinham histórico de conflitos com a lei. Eram extrativistas de argila. Um morreu e três foram feridos. Os demais relatam ter sido humilhados, agredidos e acusados de tráfico.
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Nesta segunda-feira (22), oito meses após a operação Diataxi 7, familiares das vítimas e amigos das vítimas fizeram um protesto, em Icoaraci, na rua Soledade. A cada dia 22, até novembro, protestos continuarão ocorrendo. Os manifestantes contaram a história de tragédia das vítimas e das famílias em cartazes. Reforçam que até hoje não há responsáveis punidos. Nem qualquer amparo psicológico. Ou mesmo qualquer indenização para famílias que seguem com medo de trabalhar na extração de argila.
Tráfico impõe proibições ao trabalho nos mangues
Entre as vítimas da operação, um dos personagens centrais é Osmair Pereira Monteiro, conhecido como "Gitão". Foi o extrativista de argila — também chamados de tiradores de barro ou barreiros — que morreu na operação, enquanto tentava salvar um dos feridos. Levou um tiro na cabeça. Sem se identificar, pelo medo de represálias, moradores do Paracuri reconhecem que a área no entorno do mangue de onde a argila é tirada, de fato, é dominada por traficantes. Mas ressaltam que os mais de 2 mil trabalhadores que alimentam o artesanato de Icoaraci, são vítimas. Não estão com os criminosos.
Chorando, a familiar de uma das vítimas relata que a vida tem sido muito difícil após a operação. O controle dos traficantes sobre a área não diminuiu em nada com a operação Diataxi 7. E além do medo dos criminosos, os extrativistas estão traumatizados. Nunca sabem se, quando entrarem numa canoa novamente, poderão ser confundidos com bandidos e serem alvos da polícia. O enfrentamento desse medo é uma batalha diária.
"Gitão", contam alguns conhecidos dele, sempre estava preocupado com as ameaças dos traficantes da área do mangue e matas do entorno. Quando os criminosos determinam, seja lá por qual razão, a circulação dos extrativistas é proibida. E todos retornam para casa sem trabalho. Às vezes, comentam moradores, sem ter o que comer, pois dependem unicamente da venda da argila para os artesãos. "Sem argila e sem o artesanato, o Paracuri fica parado", afirma uma pessoa da comunidade. De forma muito simples e humilde, diz ser uma ironia que Gitão tenha morrido pelas armas de policiais.
Famílias tiveram rotinas dilaceradas a bala
Um dos irmãos de "Gitão" cometeu suicídio três meses depois dos resultados da operação. Um sobrinho, de 16 anos, do extrativista, está em depressão e sem tratamento adequado. Algumas pessoas nem querem voltar ao trabalho pelos traumas. Outras nem podem, como Daniel dos Anjos, de 24 anos. Ele já passou por várias cirurgias na perna direita, que foi alvejada pelos policiais na operação. O dano, possivelmente, é permanente. Jucivaldo dos Santos Guedes, de 49 anos, foi baleado no braço e teve de voltar ao trabalho com dor mesmo. O filho dele, Danilo, de 18 anos, convive com o medo.
"Nada de respostas até hoje. Os trabalhadores, correm risco todos os dias. Não pode mais ter gente morrendo como o Gitão, que era trabalhador desde os cinco anos e morreu sendo chamado de traficante. Quem vai limpar o nome dele? E os prejuízos às famílias de todos os outros tiradores de barro, que dependem da argila? Não tem apoio para todos os que ficaram traumatizados depois daquele dia. A chacina do Guamá teve solução rápida, que bom. Mas e o caso dessa operação, oito meses depois?", critica outro morador da área, também sem se identificar.
'Queremos respostas contra os maus policiais'
Tanto familiares das vítimas da Diatáxi 7, quanto outros trabalhadores, relatam desconfortos diversos no dia a dia. Alguns não conseguem mais dormir direito. Outros choram ao lembrar do assunto, seja por medo, tristeza ou revolta. Possivelmente, há pessoas com traumas, fobias sociais e síndrome do pânico sem tratamento. Toda a comunidade do Paracuri, dos barreiros aos artesãos, tem se ajudado emocionalmente.
"Não estamos contra a polícia. Em todos lugar, há bons e maus profissionais. Queremos justiça, resposta contra os maus policiais. Nós precisamos da polícia para nos defender dos bandidos. Não estamos com os traficantes. Somos vítimas deles. Somos trabalhadores", critica mais um morador anônimo da comunidade.
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