O outro lado da rotina de um 'cobrador de prestações'
Alan Pinto é morador de Ananindeua e roda cerca de 200 quilômetros por dia com a missão de cobrar pessoas
A moto é a única companhia de Alan Pinto durante sua longa jornada de trabalho. O morador do bairro da Guanabara, em Ananindeua, acorda diariamente antes das seis da manhã, toma seu café e parte para visitar dezenas de pessoas todos os dias. Sua função: cobrar clientes que compraram produtos a prestações, forma de consumo ainda muito popular nas periferias e nos interiores do estado.
O dia de trabalho de Alan começa no dia anterior, quando o trabalhador separa os carnês com os endereços das pessoas que irá visitar na manhã seguinte. O trabalho precisa ser minucioso. É preciso traçar uma rota de maneira que ele possa visitar o maior número de pessoas sem perder tempo. Cães perseguidores de motociclistas, trânsito caótico e o mau humor de inadimplentes são os desafios que o cobrador enfrenta em seu dia a dia.
“Rodo mais ou menos uns 200 quilômetros por dia. Trabalho principalmente na rota de Mosqueiro e Santa Bárbara e visito de 50 até 80 clientes por dia. Estou nesse ramo há quinze anos, comecei quando passei a ajudar um irmão. Meu trabalho tem seus desgastes, mas tem suas vantagens, pois trabalho de segunda a quinta-feira e tenho tempo para fazer outras coisas as quais me dedico”, diz Alan.
OS OBSTÁCULOS PELA ESTRADA
Alan sabe que sua profissão, muitas vezes, não é bem-vinda entre muitos clientes. "Na hora da venda é mais fácil, mas na hora da cobrança complica as vezes", diz em tom bem humorado. No setor de crédito informal, a palavra acaba por ser a única garantia de muitos clientes, o que faz com que alguns clientes se comprometam sem ter como pagar. De acordo com o trabalhador, esse é o principal percalço de seu dia a dia, onde cerca de 20% dos clientes visitados apresentam dificuldades para quitar suas mensalidades em dia.
“É complicado. Muitas vezes preciso ir na casa da pessoa umas dez vezes, mando mensagem e tudo. Muitos também, com vergonha de dizer que não tem dinheiro, dizem para passar tal dia, mas quando vou ele não está e não deixou o dinheiro. Eu poderia dizer que a taxa de inadimplência em geral é de uns 30%, mas em Mosqueiro essa taxa dá uma diminuída”, explica o cobrador.
Nas estradas de Mosqueiro e Santa Bárbara Alan encontra na maioria das vezes paisagens verdes e a liberdade proporcionada por seu trabalho. Conhece também muitos moradores das regiões por onde passa. Espiritualista, o cobrador diz abominar mentiras, mas sabe separar as coisas quando percebe que um cliente está com dificuldades genuínas.
“Normalmente a dificuldade dos clientes em pagar é justamente por causa de outras contas mais importantes, doenças, imprevistos. Tem muito cliente que é uma pessoa maravilhosa e passa confiança. Mas também consigo perceber quando a pessoa está mentindo, mas preciso também ter tolerância. Vou aprendendo”, diz.
PERIGOS DA FUNÇÃO
Um dos episódios que Alan Pinto enfrentou recentemente ilustra os riscos diários desta profissão. Uma cliente que estava devendo há alguns meses sempre dizia para Alan passar em determinada data. Quando o trabalhador ia no dia combinado, encontrava uma outra desculpa ou as portas fechadas. Até que conheceu, da pior forma possível, o marido da cliente.
“Para ter noção, esses dias eu fui na casa dessa cliente. Já tinha ido lá muitas vezes e ela dizia para passar em outra data. Até que um dia ela me disse que não ia pagar e que se eu falasse alguma coisa iria chamar seu marido policial. Nesse dia ela nem esperou eu falar, já disse que ia chamar o cara”, conta Alan, que saiu imediatamente do local.
Com o dinheiro que ganha com seu trabalho, Alan tem seu sustento e também apoia outras pessoas. O trabalhador é membro de um centro espiritual especializado em medicinas da floresta. Alimentação, obras nas instalações, caridade a outros membros e amigos. É na causa dos 'Missionários da Luz', organização religiosa localizada também no bairro da Guanabara, que o cobrador coloca parte do dinheiro que ganha.
“Eu sou muito grato a esse trabalho porque ele me dá o dinheiro suficiente para realizar os reparos da minha casa, do centro de caridade que atuo, enfim, além de me sustentar. Faço o meu horário e trabalho, me dando o luxo na maioria das vezes de ter o sábado e o domingo para fazer o que gosto, que é estar com os irmãos no centro. É uma batalha, mas me organizando estou conseguindo levar”, finaliza o cobrador, preparando seus carnês para a rota do dia seguinte.
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