🏳️🌈 Mês do Orgulho: travesti paraense ocupa cargo em secretaria nacional; conheça Symmy Larrat
Symmy Larrat, secretária Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, fala sobre a importância de uma representatividade nortista e LGBTQIAPN+ na política
A população LGBTQIAPN+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais/Transgêneros/Travestis, Queer, Intersexual, Assexual, Pansexual e Não-binários) ainda enfrenta muitos desafios de visibilidade e aceitação por parte da sociedade, principalmente quando estamos falando da sigla "T" que, muitas vezes, são marginalizadas, discriminadas e invisibilizadas, com pouca representatividade em destaque. No entanto, nas últimas décadas, tem havido uma crescente conscientização sobre as questões enfrentadas por essa comunidade, que está conquistando cada vez mais espaços.
A visibilidade trans é crucial para combater a transfobia e promover a igualdade de direitos, sendo esses os principais objetivos da paraense Symmy Larrat, a primeira travesti a assumir cargo no segundo escalão do Governo Federal. Ela está à frente da pasta inédita do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC): a Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, onde continua lutando pela comunidade.
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Empoderamento travesti e ativismo
"Primeiro eu gostaria de reafirmar que eu me identifico como travesti. Eu acho que essa identidade é muito potente. A gente precisa ressignificar", assim se apresenta Symmy, com uma palavra importante para sua identidade. Algumas se reconhecem como "travestis" e encontram força e orgulho na expressão, que agora tem um significado de resistência. Ao se apropriarem desse termo, mulheres trans reafirmam sua individualidade e desafiam as normas sociais que tentam impor rótulos restritivos.
Apesar de ser uma palavra que empodera, nem todas as mulheres trans se identificam dessa forma. Cada indivíduo tem sua própria jornada de autodescoberta e expressão de gênero. Symmy, por exemplo, começou nas noites se apresentando como drag queen, foi quando começou a pensar na transição de gênero. "Foi dessa personagem drag que eu absorvi o nome para minha identidade e decidi assumir minha transgeneridade. Hoje, eu acho que fazer transformismo foi uma válvula de escape por muito tempo, até que eu não aguentei mais e precisava vivenciar minha identidade completamente", diz a secretária. "Eu percebi que estava performando até quando não estava montada e que montada eu só estava sendo quem sou", relembra.
Foi também pela falta de representatividade na época que Simmy demorou para assumir sua transgeneridade. "A gente não tinha referência como tem hoje. Pessoas trans não ocupavam lugares importantes como a escola ou espaços de poder. Por isso eu queria estudar, eu queria me formar", conta a secretária.
Nascida em uma família ribeirinha de Cametá, no nordeste do Estado, ela cursou Comunicação Social na Universidade Federal do Pará (UFPA) aos 17 anos e chegou a atuar como repórter no interior do Pará, enquanto ainda performava nas noites. Ela esteve na organização das primeiras Paradas do Orgulho LGBTI de diversos municípios, o que lhe aproximou ainda mais da militância e da sua descoberta de gênero.
O ativismo sempre esteve presente em sua vida. Filha de uma professora de história, Symmy foi encorajada a desenvolver pensamento crítico desde cedo. "Isso foi uma coisa muito natural pra mim, sempre fui ensinada a ser crítica. Eu sou de uma família muito religiosa, mas fiz minha primeira comunhão em uma igreja muito envolvida com a teologia da libertação, então eu sempre estive nesse lugar. Ser ativista dos direitos humanos foi uma coisa muito natural na minha trajetória", enfatiza.
Porém, foi na prostituição que Symmy testemunhou em primeira mão a discriminação, a violência e a falta de direitos que afetam essa comunidade. Segundo dados divulgados pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) no Brasil, estima-se que cerca de 90% das mulheres trans tenham como recurso a prostituição para garantir sua sobrevivência. Essa estatística evidencia a realidade desafiadora de mulheres que, frequentemente, encontram poucas oportunidades de emprego digno devido à discriminação e ao preconceito presentes na sociedade.
Ao viver isso na pele, a gestora percebeu que precisava usar sua voz em prol da comunidade. "Foi nesse momento da minha vida (quando entrei na prostituição) que entendi de forma mais contundente a importância do ativismo. Eu vi as maiores vulnerabilidades e minhas parceiras alertavam. Eu sempre fui da militância, mas elas não esperavam que chegasse nesse lugar que estou hoje, elas não viam esse lugar como sendo meu", conta a secretária. "Isso me mostrou que eu precisava ter um ativismo ainda mais potente pra lutar por todas aquelas pessoas".
Representatividade nortista e LGBTQIAPN+
Em 2017, Symmy Larrat foi eleita para a presidência da ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos), tornando-se a primeira travesti a liderar uma das principais entidades do movimento LGBTI+ no Brasil. Ela também atuou como gestora nacional LGBTQIA+ no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, desempenhando um papel fundamental para os direitos e bem-estar da comunidade.
"Não é só a vivência travesti que me mostra e me faz entender sobre a vulnerabilidade e exclusão, porque ser nortista também me faz entender isso. O Norte é um lugar de muita ausência, é uma região de muita violência institucional, com poucas políticas públicas, de direito, de desenvolvimento. Saber disso me dá um entendimento diferente", destaca a secretária.
Ela foi anunciada para seu cargo atual no final de 2022, pelo ministro Silvio Almeida, e já deixa sua marca como primeira travesti secretária do Governo Federal. "Não temos registro de um cargo tão alto em outro lugar do mundo (ocupado por uma travesti) e isso coloca o Brasil numa liderança não só nacional, mas internacional", diz Symmy ao reconhecer a responsabilidade de assumir uma posição na Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+.
"Ocupar esse lugar sendo travesti, sendo do Norte do país, da Amazônia, dá outra significância para esse lugar", analisa a secretária, que também leva em consideração suas origens. "Não é só a vivência travesti que me mostra e me faz entender sobre a vulnerabilidade e exclusão, porque ser nortista também me faz entender isso. O Norte é um lugar de muita ausência, é uma região de muita violência institucional, com poucas políticas públicas, de direito, de desenvolvimento. Saber disso me dá um entendimento diferente", diz.
Desde o começo deste ano, foram registrados pelo menos 69 projetos de lei nas esferas federal, estadual e municipal, que são considerados anti pessoas trans. As legislaturas tiveram início em fevereiro e, assustadoramente, já acumulam uma média de mais de um projeto de lei por dia. Symmy é uma das pessoas trans que tentam mudar esse cenário político, já que a inclusão de pessoas transgênero garante que suas vozes sejam ouvidas e suas necessidades sejam consideradas nas tomadas de decisão. Além de inspirarem outros a se engajarem na política, promovendo uma representação mais fiel da diversidade social.
"Eu queria poder descansar, viver minha vida, porque se não tivesse tanto ódio, se não tivesse tanta necessidade de luta, eu poderia ter paz", afirma Symmy.
É importante reconhecer que a visibilidade trans não é apenas uma questão de exposição pública, mas também de respeito e aceitação. Ela não deve se limitar apenas a pessoas famosas ou a algumas histórias específicas. É fundamental que todos tenham voz e espaço para serem ouvidos, independentemente de sua identidade de gênero, origem étnica, classe social ou qualquer outra característica pessoal.
Symmy conta que não tem um objetivo pessoal, mas diz ter um desejo como travesti. "Eu queria poder descansar, viver minha vida, porque se não tivesse tanto ódio, se não tivesse tanta necessidade de luta, eu poderia ter paz. Porque eu sou travesti e tenho que movimentar todo uma luta pra que possamos existir. Eu só queria que a gente pudesse existir", conclui.
Quer aprender mais sobre as pessoas LGBTQIAPN+? Assista o vídeo.
*(Hannah Franco, estagiária de jornalismo, sob supervisão de Heloá Canali, coordenadora de Oliberal.com)