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🏳️‍🌈 Mês do Orgulho: bissexual, Raidol expõe desafios de artistas LGBTQIAPN+ do Norte na música

Cantor e compositor paraense, Raidol fala sobre bissexualidade, não-binariedade e as dificuldades de um artista LGBTQIAPN+ do Norte de emplacar no cenário musical nacional

Hannah Franco

Cantor e compositor paraense, Raidol, é bissexual e não binário e exalta a representatividade LGBTQIAPN+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais/Transgêneros/Travestis, Queer, Intersexual, Assexual, Pansexual e Não-binários) no cenário musical da região Norte. Em seu último trabalho, o álbum autoral “Mandinga”, disponível nas plataformas de música, o artista contou com parcerias de pessoas da comunidade e trouxe a sonoridade do pop amazônico.


O álbum esteve presente na lista “Melhores do Ano da APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes)”, sendo o único artista nortista a estar presente na seleção. Mesmo assim, Raidol reconhece a falta de oportunidades que artistas LGBTQIAPN+ do Norte tem de emplacar no cenário musical de alcance nacional. 

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Raidol cursou direito, chegou a concluir o curso, mas se sentia engessado e tinha necessidade de expressar seus sentimentos de alguma forma, foi quando decidiu largar a carreira jurídica para viver da música. Ele conta que sempre teve uma veia artística, muito por influência de seus pais que sempre o apoiaram. "A música sempre teve presente na minha vida, porque o meu pai é músico e minha mãe era bailarina de dança moderna. Então, de alguma forma eu cresci num meio muito musical, muito rico", disse o cantor que é filho de Silvia e Raidol Saldanha.


Raidol não divide só o nome com o pai, músico conhecido nas noites de Belém por seus covers e canções autorais. "Ele tem mais de 50 anos e é um cantor da noite que faz música popular paraense e foi uma das pessoas que ajudaram a me introduzir no mundo da música", contou.

Segundo o músico, as descobertas de gênero e sexualidade sempre influenciaram na sua arte. "Quando comecei a fazer música, eu já falava sobre as minhas vivências e meus amores. O fato de eu estar amando um homem pode ou não ter virado uma música, né? Fica no ar", brincou Raidol. "Eu acho que é uma forma de resistência, onde eu tô provando que esses afetos existem, que é possível e é bonito. Então, desde sempre as minhas histórias são histórias LGBTs, as minhas músicas são músicas LGBTs".

Ele conta também que sempre teve a bissexualidade como sua orientação sexual. "Eu sempre olhei para as pessoas independente do gênero, porque eu acho que, quando a gente pensa em uma questão binária, não existe só macho e fêmea e isso limita conhecer e se apaixonar por diferentes pessoas", explicou.

 


 

Não binariedade

Além de bissexual, Raidol se identifica com o gênero não binário, um termo guarda-chuva fora da binariedade e cisnormatividade, ou seja, para quem não segue apenas o masculino e feminino, como explica o cantor. "A não binariedade nada mais é do que não se identificar com nenhum padrão de gênero e nem com os padrões que são colocados em cima deles. Por exemplo, meninos vestem azul e meninas vestem rosa, é justamente o que vem pra quebrar tudo isso", diz sobre a possibilidade de transitar pela masculinidade e feminilidade. "É pela liberdade que eu tenho esse poder de ser quem eu sou e de vestir o que eu quero, sem querer roubar o espaço de ninguém", explica.

A não binariedade surgiu recentemente na vida de Raidol, quando conheceu pessoas iguais a ele que não se prendiam às normais cisnormativas. "Ano passado, durante a produção do meu disco, eu já tava tendo algumas indagações e foi só quando conheci outros iguais, outras pessoas não-binárias, que eu pude entender mais a complexidade do gênero", disse Raidol, que agora atende pelo pronome masculino, feminino e neutro (ele/ela/elu). "Não é que um dia eu seja mais isso e outro dia seja mais aquilo, é só que tu não te enquadra na binariedade de macho e fêmea e que existe um mundo de coisas entre isso", justificou.

 


 

Dificuldades de ser um artista LGBTQIAPN+ do Norte 

Nativo da cidade das mangueiras, Belém, ele conseguiu conquistar seu espaço no cenário musical, não só do Estado, como do país. Apesar disso, ele fala dos obstáculos que artistas que são da comunidade LGBTQIAPN+ e do Norte têm de emplacar na música nacional. "Temos que primeiro excluir o termo 'regional', porque eu acho que a questão da regionalidade limita a gente de adentrar em certos festivais, sendo que aqui tem pop, tem funk, tem um monte de coisa", diz.

Raidol afirma que, felizmente, vê as pessoas respeitando sua orientação sexual e gênero pelos festivais e feiras musicais que já se apresentou. "Todas essas pessoas que trabalham em feiras e festivais têm um respeito muito grande pelo nosso gênero. É muito interessante tu veres o cuidado dentro desses eventos de quererem saber como que tu deseja ser chamado, de não ter um problema em relação ao banheiro, muito pelo contrário, são coisas que as pessoas às vezes encasquetam e essas feiras mostram que isso tem como ser superado", relata.

Sobre a representatividade, o cantor reconhece que há um avanço, mesmo que a "passos de formiguinha", mas que ainda sente falta de ter mais pessoas nortistas e da comunidade na mídia. "Tem uma mudança que tá acontecendo de uns anos pra cá, principalmente no Norte, que é ter cada vez mais pessoas trans e não binárias na música, como Flor de Mururé, MC Pocahontas, Iris da Selva, Tiffany Boo e mais um monte de gente incrível fazendo um trabalho lindo", diz Raidol, que consegue pensar em poucos nomes LGBTs do Norte com visibilidade nacional. "Eu consigo pensar na Lia Sofia e na Leona Vingativa, mas ainda são pouquíssimas pessoas, não dá pra falar dez nomes rápido", analisou o cantor.

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Segundo Raidol, outro obstáculo que artistas paraenses enfrentam é a parte geográfica, já que o Pará não tem estradas que conectam outras capitais. "É muito mais caro eu ir de Belém pro Acre do que eu sair daqui e ir pra São Paulo ou ir de São Paulo pra Portugal, por exemplo. Não tem incentivo da gente transitar entre a gente, sabe? É tudo mais caro, tu gasta com passagem, com instrumento, com hospedagem. Então acaba sendo mais fácil os festivais contratarem artistas do eixo do que tirar artistas do Norte, porque a logística é mais fácil", diz Raidol.

O sentimento de não pertencimento também passa por artistas nortistas que conseguem ocupar esses espaços. "Além da dificuldade financeira, temos a de não pertencimento, porque quando tu chega em alguns locais, tu sempre é a única pessoa do norte, do Pará, ou só tem tu e mais uma ou duas. Apesar de estar acontecendo esse movimento de chegada de mais pessoas nesses espaços, ainda é muito recente. É muito esforço e poucos frutos", lamenta o cantor que diz já ter se sentido sozinho muitas vezes que se apresentou em eventos musicais fora do Estado.

"A gente tem que criar esse novo eixo cultural nortista e se fortalecer entre si, porque a gente consegue se escutar, se fomentar e até transitar entre a gente", conclui.

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Estigmas sobre a questão do gênero não binário

Sua descoberta recente da não binariedade tem sido grande inspiração para seus projetos futuros que conversarão mais com a questão de gênero. "Quando eu olho uma pessoa que é igual a mim, eu vou tá escrevendo justamente porque eu sei que elas podem tá escutando aquela música. Então é interessante tu ver cada vez mais esses espaços sendo ocupados, que tá tendo reconhecimento e isso faz com que a gente escreva sobre essa nossa vivência", diz o cantor. "A questão de gênero, que tem sido mais recente, tem me aberto para um caminho sonoro engraçado, até porque a gente descobre diferentes artistas", destaca.

Apesar de fazer parte de uma minoria e sofrer diversos preconceitos, Raidol reconhece seu privilégio e revela que o machismo ainda é o grande problema que enfrenta, tendo que lidar com os estigmas da não binariedade. "Por eu ser uma pessoa não binária, onde às vezes eu tô sem barba, as pessoas ficam 'Será que é ele? Será que é ela?' e não sabem muito bem como lidar, nisso tentam de alguma forma de constranger, até errando o pronome", relata o cantor, mas diz que não abaixa a cabeça para esses comentários. "Eu sempre tento jogar o constrangimento de volta para a pessoa. Eu tô vivendo a minha vida, é a pessoa que tá se importando com o corpo alheio, não eu", diz.

"No fim das contas, dane-se se eu sou não binário, se sou cisgênero, etc. O que importa é o nosso trabalho, o nosso talento, o que a gente faz socialmente, e não quem a gente ama ou quem a gente é", concluiu.

Quer aprender mais sobre as pessoas LGBTQIAPN+? Assista o vídeo.


*(Hannah Franco, estagiária de jornalismo, sob supervisão de Tainá Cavalcante, editora web de OLiberal.com)

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