Falta de estrutura e alta demanda revelam caos no Hospital Materno Infantil de Marabá
O Ministério Público do Estado (MPPA) tem acompanhado a situação e já encaminhou diligências à Secretaria Municipal de Saúde de Marabá, como o envio de dados relativos à óbitos materno e fetal ocorridos no HMI, informações sobre o cumprimento das escalas médicas e o protocolo de atendimento de obstetrícia de alto risco.
O que era para ser motivo de felicidade na vida da família de Luana e Klebes Ferreira da Silva, que espera o segundo filho, acabou se transformando em um pesadelo diante da incerteza sobre como se daria o parto. Residentes em Jacundá, município que fica a 100 quilômetros de Marabá, eles souberam durante o pré-natal que a filha prestes a chegar aos nove meses de gestação apresentava um quadro indicativo de taquicardia. “Tudo indica para a necessidade de fazer o parto logo, que só não foi feito lá em Jacundá porque o município não tem um suporte de UTI neonatal e, por isso, estamos aqui”, relata o pai, em frente ao Hospital Materno Infantil (HMI) de Marabá.
No entanto, a tratativa dada no HMI foi completamente diferente da esperada pelo casal. “A gente deu entrada aqui no sábado. Viemos de Jacundá, com todos os resultados de exames. Fomos encaminhados para cá, mas chegando aqui nos mandaram voltar para casa, dizendo que não iam tirar a criança”, conta Klebes. “Só que a minha esposa piorou. Já no domingo, ela começou perder líquido, teve sangramento, desmaio, vomitou muito, aí resolvemos trazer ela de novo para cá. Hoje, já faz três dias que estamos aqui, e nada de fazerem o parto. Aqui, no Materno Infantil só estamos sendo enrolados. Então resolvemos hoje voltar para Jacundá e tentar uma transferência para Belém ou outra cidade, porque eu prezo muito pela vida da minha filha e da minha esposa”.
Já a vendedora Jamila Carneiro, grávida do Ravi, sentiu fortes dores no dia 4 dezembro do ano passado. Ao utilizar o banheiro, percebeu que estava com sangramento e então pediu que o marido a levasse para o HMI e acredita que não teve a melhor experiência. “Não lembro o nome do médico, mas ele sequer perguntou o que eu tinha, o que eu estava sentindo, o que estava se passando. Ele só falou que ia me avaliar, fez o toque e disse que eu poderia vir pra casa. Viemos embora, chegamos em casa por volta das 23 horas e eu passei a noite toda, até 5 horas com dor. Quando ficou insuportável, voltamos ao hospital e o mesmo médico disse que não havia dilatação para seguir com o parto, então resolvemos ficar no hospital. Depois da troca de plantão, um outro médico me examinou e já disse que eu deveria estar lá dentro há horas e me mandou para a sala de parto, onde um obstetra me examinou”, conta.
“O obstetra conversou comigo, estourou ele mesmo a minha bolsa e, depois disso, eu passei muito mal. Fiquei até cerca de 11h30 deitada lá, sem conseguir fazer força e ainda com muita dor. Quando ele voltou a me examinar, disse que ia abrir o colo do meu útero, usando os dedos. Foi uma dor insuportável. Ele ainda disse que, a partir dali, era comigo. Eu já estava pedindo para me liberarem para ir a outro hospital, queria fazer até uma cesárea, mas ele disse que não podia, porque já tinha dilatação. Depois de um banho quente, quando me sentaram em uma cadeira foi que consegui fazer alguma força”, relata Jamila.
Ravi nasceu sem chorar e quase não teve contato com a mãe, pois saiu da sala de parto direto para a Unidade de Cuidados Intermediários (UCI) do hospital, onde permaneceu por dois dias, respirando com a ajuda de aparelhos. De lá, o bebê foi transferido às 18 horas para o Hospital Regional do Sudeste do Pará. “Às 3 horas, o médico me chamou, disse que o meu filho teve uma parada cardíaca, que precisou ser animado e estava muito fraquinho. Algumas horas depois, uma psicóloga e uma assistente social me chamaram para conversar, foi quando me disseram que meu bebê não resistiu”, conta emocionada. “Naquele momento, eu só queria pegar meu filho no colo e sumir. O Ravi era tão esperado... mas voltamos para casa sem ele”.
Encaminhamento indiscriminado é agravante, diz secretaria municipal de saúde
Casos como estes ainda são considerados isolados, mas tendem a se tornar cada vez mais frequentes no Hospital Materno Infantil de Marabá. Para a secretária Municipal de Saúde, Mônica Borchart, o encaminhamento indiscriminado de pacientes de outros municípios é um dos principais agravantes para esta situação. “Estamos administrando um hospital que está atuando sempre no limite, pois uma casa de saúde que foi pensada para atender apenas aos pacientes de Marabá acaba sendo uma referência regional de atendimento para municípios de todo o sudeste do Estado. São pacientes que vêm por conta própria, mães que chegam sem exames importantes que deveriam ter sido feitos ainda no pré-natal, casos que vêm regulados equivocadamente para Marabá quando deveriam ter sido encaminhadas para Belém”, explica, afirmando que só no ano de 2022 o HMI realizou mais de 35 mil procedimentos, tanto clínicos quando cirúrgicos. “O HMI é um hospital de ‘portas abertas’. Nós não podemos negar atendimento a quem quer que seja, mas essa demanda exagerada compromete a qualidade do serviço e, inevitavelmente, onera o orçamento da rede municipal. Tem município vizinho que até já fechou seu hospital local e tem encaminhado todos os seus pacientes para Marabá. Tem município que encaminha cerca de 200 pacientes mensalmente para nós. É impossível manter o equilíbrio dos atendimentos assim”, conclui a secretária.
Ministério Público do Pará
O Ministério Público do Estado (MPPA) tem acompanhado a situação e já encaminhou diligências à Secretaria Municipal de Saúde de Marabá, como o envio de dados relativos à óbitos materno e fetal ocorridos no HMI, informações sobre o cumprimento das escalas médicas e o protocolo de atendimento de obstetrícia de alto risco. Sobre esses casos, a promotora de justiça Mayanna Queiroz chama atenção para os atendimentos prestados a pacientes oriundos dos municípios vizinhos, com e sem regulação.
Para ela, não há dúvidas de que o Hospital Materno Infantil está saturado. “Nós ainda estamos reunindo essas informações, mas, uma vez confirmada essa situação, podemos chegar a reunir com representantes desses municípios para entender porque esses atendimentos não são feitos localmente. O pré-natal precisa ser realizado e até alguns procedimentos podem ser feitos no município de origem. Nesse cenário, o HMI vai estar sempre superlotado de pacientes que muitas vezes nem deveriam estar aqui”, explica a promotora.
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