Distúrbios do sono afetam saúde de milhares de crianças: saiba como identificá-los

Em Belém, a Universidade Federal do Pará oferece atendimento gratuito no "Laboratório do Sono"

Cleide Magalhães

Problema do sono afetam 25% a 40% das crianças no mundo inteiro, segundo a Associação Americana de Sono, sendo a apneia e o ronco os distúrbios mais comuns. O índice de percepção dos pais em relação às patologias, no entanto, é muito baixo: somente 16%, e desses, apenas 7% comunicam os problemas ao pediatra, por desconhecimento. 

Os dois filhos da arquiteta Kamilla Frazão, 43 anos, se submeteram a cirurgias de amídala e adenoide, aos dois anos e oito meses, depois que ela percebeu que eles roncavam, adoeciam com frequência e tinham sono agitado à noite. "A Beatriz tem dez anos e Theo, três, e ambos fizeram as cirurgias. Descobri o problema depois que a pediatra encaminhou para o otorrino. Mas até eu descobrir que o problema dela eram amídala e adenoide, achava que Beatriz era 'preguiçosa' para comer, porque ingeria os alimentos bem devagar. Ela tinha muita dificuldade com o sono, roncava, dormia de boca aberta e tinha sequências de infecções na garganta", conta a arquiteta.

Com a experiência que teve com a menina, ficou mais fácil identificar os mesmos sinais no Theo. "Eles foram operados quando tinhas as mesmas idades. Depois disso, ficaram muito bem e praticamente não adoecem com problemas respiratórios, pararam de rocar, de dormir com boca aberta e contam com bom sono. Agora todos temos uma vida mais tranquila, porque é uma situação que prejudica toda a família", afirma Kamilla. 

Segundo o otorrinolaringologista José Roberto Capeloni, especialista em Medicina do Sono, existem questões que ocorrem durante ou próximo ao sono, chamados de distúrbios do sono, que interferem no tempo, na qualidade e na profundidade do sono em crianças e adolescentes. Eles estão relacionados ao ritmo circadiano, aos movimentos durante o sono, os respiratórios do sono e as parafonias. 

Mas o médico destaca que os distúrbios respiratórios do sono, que podem ou não estar relacionados a fatores genéticos, são os que mais afetam as crianças e os adolescentes, principalmente na idade pré-escolar e escolar inicial. "Eles afetam o fluxo respiratório que é demandado no período da noite, quando a pessoa está em uma posição que às vezes não é à via respiratória, está em momento de sono de relaxamento muscular, que pode afetá-la. Há também alguns elementos que podem se interpor à via respiratória, como o crescimento de ninfoides: adenoides, amígdalas e desvios de septo nasal, que à noite atingem magnitude maior e podem interferir a via aérea respiratória causando restrição respiratória durante o sono", explica o médico. 

O sono afetado à noite resulta em uma fragmentação maior do sono fazendo com que a criança e adolescente tenham qualidade de sono em que estará fragmentada ou diminuída na sua profundidade. "Temos no sono alguns estágios que vão de N1 a N3, que é o sono profundo. Quando se tem obstrução da via aérea e fragmentação do fluxo aéreo a criança e adolescente tendem a desencadear um reflexo de despertar, de superficializar o sono para que consiga respirar efetivamente e o próprio cérebro dá esse comando.  Isso é que ajuda a fragmentar o sono deles", esclarece. 

As repercussões disso durante o dia afetam a criança de forma diferente do adulto. "O adulto quando tem noite mal dormida fica sonolento, parado, mais apático. A criança responde diferente à fragmentação e ao sono de má qualidade ficando desatenta e com comportamentos de hiperatividade, mais irritada. 

Isso tudo deverá interferir, principalmente, na vida da criança e resultar em baixo desempenho escolar. "A gente sabe que a criança nessa fase frequenta a escola e precisa desse bem-estar respiratório durante à noite para desenvolver as atividades escolares. O sono de má qualidade vai levar com que ela tenha menor desempenho, vai se concentrar menos, vai ficar mais agitada na escola. Com isso, acarretar baixa no desenvolvimento escolar e na performance, como nas notas", alerta Capeloni. 

O SONO É UM DOS COMPONENTES QUE AGRAVA O TDAH

Pesquisas inglesas apontam que existe forte relação entre os distúrbios respiratórios do sono com o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), mas o especialista pondera que os estudos mostram que existe uma relação comprovada com o lado emocional, porém, a questão da hiperatividade ainda requer recursos comprobatórios. 

"Há muitos estudos sendo feitos para comprovação se existe ou não a associação entre o TDAH com os distúrbios respiratórios do sono. O que podemos afirmar hoje é que o sono é um dos componentes que agrava o TDAH. Para a investigação do TDAH e chegar ao diagnóstico envolve ainda as especialidades da pediatria, neurologia, pedagogia, psicologia e outros", frisa Capeloni, que é chefe do Laboratório do Sono da Universidade Federal do Pará (UFPA), no Hospital Bettina Ferro, em Belém. 

Para ser atendido no Laboratório do Sono da UFPA, por meio do Sistema Único de Saúde, os pacientes são encaminhados de qualquer Unidade Básica de Saúde para o Serviço de Otorrinolaringologia, onde é feita triagem dos pacientes que precisam ser atendidos no Laboratório do Sono. Lá, com equipe multiprofissional, é feito o diagnóstico e tratamento do problema. O atendimento hoje vale somente para adolescentes e adultos. Mas existe previsão de se estender às crianças a partir do ano que vem. O assunto estará em voga, dias 28 e 29 de setembro, durante o 1º Congresso Norte de Sono em Belém, no auditório do Centro Universitário do Estado do Pará (Cesupa). 

ALGUNS SINAIS DOS DISTÚRBIOS RESPIRATÓRIOS DO SONO

O otorrinolaringologista recomenda que os pais fiquem atentos para perceber se existe algo diferente no sono dos filhos e procurem um profissional. Pode ser o otorrinolaringologista, pneumologista, neurologista. "O período do sono deve ser quando a criança se apresenta calma, sem ruídos, com boca fechada, pode mudar a posição de dormir não muitas vezes à noite. Se a criança costuma dormir com uma posição, acorda no pé da cama ou de cabeça para baixo, desarruma muito a cama, se movimenta demais durante o sono, muda de posição, deixa o lençol totalmente amaçado muitas vezes durante a noite. Ou faz algum barulho, como ronca demais e range os dentes. Isso tudo pode representar algum distúrbio do sono", explica Capeloni. 

Além disso, ele enfatiza que é importante os pais analisarem o comportamento dos filhos para ajudar a identificar o problema. "Se a criança explode facilmente, se os professores já reclamam se tem problema de concentração de sentar na cadeira, se não está aprendendo ao ser comparada com restante da turma. Já na fase do adolescente precisam perceber a sonolência, dificuldade de aprendizado e as interações com as dificuldades emocionais".

COMO CUIDAR MELHOR DO SONO
 

Já em relação ao jeito de dormir, o médico afirma que devido à variação biológica, a posição para dormir é individual. "Mas é bom evitar ficar de peito para cima, pois pode ter relação maior com a obstrução da via aérea", orienta. O tempo de sono também varia de pessoa para pessoa, mas a média recomendada pela Associação Brasileira do Sono é de oito horas por noite. Já o cochilo no meio do dia, o otorrinolaringologista afirma que é sempre benéfico para a cognição e para o sistema biológico, mas não pode passar de 30 minutos. Já a criança em idade pré-escolar pode ser até duas vezes ao dia, pela manhã e tarde. Pelo menos o soninho da tarde pode fazer. 

Por fim, o médico afirma que na maioria das vezes o problema de distúrbio respiratório do sono com as crianças é obstrutivo e possível corrigir por meio de cirurgias. Os distúrbios relacionados ao ritmo circadiano e movimento bem pesquisados também podem ser tratados. 

Às vezes é possível corrigir os distúrbios apenas com cuidados com o sono e com o ambiente, como organizar e adequar a iluminação do quarto, o horário de dormir, colocar o tempo normal do sono, evitar o estímulo visual à noite, como ficar no celular, no tablete, na televisão. Além de evitar atividades fora do padrão no período da noite, após 20h, como levar a criança para o cinema, à academia. À noite é bom também ter alimentação leve e evitar cafeína. 

 

 

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