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Direitos de autistas previstos em leis precisam ser respeitados, defende especialista

Casos de violência contra crianças autistas levantam questões sobre como deve ser o atendimento especializado e humanizado desse público. A coordenadora estadual de políticas públicas para o autismo, Nay Barbalho, destaca os direitos da pessoa com TEA

Camila Guimarães

O caso recente de uma mãe que foi expulsa de um consultório, junto com o filho autista, pelo próprio psiquiatra, em Belém, repercutiu nas redes sociais depois que o vídeo do flagrante viralizou. O assunto levantou questões sobre como deve ser o atendimento especializado e humanizado para crianças, especialmente autistas. A reportagem de O Liberal entrevistou a coordenadora estadual de políticas públicas para o autismo, Nay Barbalho, que destaca os direitos desse público.

A mulher que aparece no vídeo sendo expulsa, junto com o filho, do consultório em Belém, é a pedagoga Tayse Botelho, 40. Ela estava acompanhando Thiago Silva, de seis anos, com Transtorno do Espectro Autista (TEA). O caso aconteceu na sexta-feira, 24 de maio.

Era a primeira vez que eles se consultavam com o psiquiatra Dennys Ranieri. Tayse conta que desde que entrou na sala de atendimento, o filho demonstrou desconforto em ficar com a porta fechada, mas continuou a brincar com uma massa de modelar que havia trazido. Quando a criança começou a chorar pedindo para sair, o psiquiatra teve uma reação inesperada:

"Foi o momento em que o médico gritou com ele e disse 'ei, cara, te contém, te controla', gritando. E aí eu disse, 'doutor, não precisa gritar', falando em tom baixo, porque eu sabia que aquele ato ia desencadear uma desorganização na parte sensorial do Thiago e causar a crise. O Thiago começou a apresentar rigidez e a ter a crise", conta a mãe do menino.

"O médico a todo instante mandava ele [Thiago] parar de chorar, para ele se controlar. Aí o Thiago começou a se morder, se jogar contra a parede, o irmão dele tentando ajudar a controlá-lo, até que ele [Thiago] acabou jogando a massinha de modelar e acertou o médico, que é o que ele fala que o Thiago o agrediu".

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Agressão em clínica de reabilitação

Infelizmente, casos como esses não são isolados. Daniela Souza, mãe de uma adolescente autista nível 3 de suporte (considerado severo), também viveu uma circunstância de violência praticada contra a filha, dentro de uma clínica de reabilitação, em Belém. O caso aconteceu em 13 de maio de 2022, quando Anna Beatriz tinha 14 anos de idade. Depois de ficar sabendo do caso de Tayse, Daniela diz que se sentiu encorajada a falar sobre a agressão sofrida pela filha na esperança que esse tipo de violência acabe.

"Eu nunca vou esquecer o rosto da minha filha quando ela saiu [da sessão de reabilitação] de cabeça baixa, como se estivesse envergonhada e constrangida, sendo que ela é super extrovertida e risonha", lembra Daniela.

Daniela comenta o que viu quando teve acesso às imagens da câmera de monitoramento da sala onde aconteciam as sessões de reabilitação de Anna Beatriz:

"Ela estava ali só para ter um tratamento humano e não foi isso que ela recebeu. Eu vi a fonoaudióloga apontar o dedo no rosto dela várias vezes, vi ela arrastar minha filha pelo chão, pelos braços. Eu vi ela bater na mão da minha filha quando ela balançava as mãos. Eu vi ela fazendo chacota só porque a fralda dela devia estar com algum tipo de odor. Eu vi ela baixando a roupa da minha filha no meio da sala, na frente de todo mundo. Foi uma violência não só física, porque ela saiu de lá toda marcada no braço, mas também psicológica", relata Daniela.

Ela conta que, até hoje, tem um processo na Justiça para responsabilizar a fonoaudióloga pelas agressões, mas, segundo Daniela, um erro no processo vem atrasando a conclusão:

"O inquérito foi finalizado antes de todos os laudos estarem prontos. Faltava especialmente os laudos da perícia das imagens das câmeras de segurança. A fonoaudióloga foi indiciada somente por constrangimento ilegal. Graças a Deus meus advogados mostraram o erro para a promotora do Ministério Público e ela não aceitou o relatório do delegado. Agora, o caso está na 2ª promotoria de infância e juventude", informa Daniela.

O fato de que os dois casos aconteceram em ambientes que deveriam ser de saúde e bem-estar assusta e aumenta a insegurança das mães:

"As nossas crianças, principalmente autistas, estão sendo machucados, violados, sofrendo violências físicas e psicológicas dentro de lugares onde eles deveriam ser respeitados e cuidados. O filho da Tayse foi numa clínica psiquiátrica, com a minha foi numa clínica de reabilitação particular, desabafa Daniela.

Direitos previstos em leis devem ser respeitados

A titular da Coordenação Estadual de Políticas para o Autismo (Cepa), Nay Barbalho, comenta que ainda existe uma grande falta de qualificação de diversos profissionais para o atendimento correto de crianças, especialmente pessoas autistas, mas esse não é o único problema: “Às vezes é falta mesmo de humanidade, de sensibilidade”, afirma.A advogada comenta que já existe uma série de aparatos legais que defendem os direitos da pessoa autista, como a Lei Federal 12764/2012 e a Lei Estadual 9061/2020: "temos também a lei que retira o prazo de validade do laudo que atesta autismo, lei que cria espaços acessíveis, que proíbe a soltura de fogos com estampido. Mas a gente precisa lutar também para que elas sejam executadas na prática".

"Nós temos uma delegacia especializada em direitos da pessoa com deficiência, que fica localizado ali na Domingos de Marreiros. Se você tem algum direito desrespeitado, é importante fazer o registro, até porque eles fazem um balanço daquilo que está sendo mais denunciado e realizam ações, campanhas de conscientização, abertura de inquéritos, que ajudam a combater o problema".

Sobre o atendimento a crianças e especialmente a pessoas com autismo, Nay Barbalho afirma: "Ninguém é obrigado a saber sobre o autismo, ou a ser um especialista, mas a gente é obrigado a ter urbanidade, civilidade, respeito e, para isso, a gente pode e deve perguntar como essa pessoa quer ser tratada - porque não existe só uma forma de manifestação do autismo e sim uma diversidade. Eu acho que isso nem vale só para o autismo também, mas para qualquer condição que a gente tenha na sociedade".

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