Declaração Universal dos Direitos Humanos: OAB lembra importância da data
Seção Pará da entidade reforça universalidade do documento, que completa 70 anos
A pesquisa "Human Rights in 2018 - Global Advisor", realizada pela Ipsos, empresa francesa de pesquisa e de inteligência de mercado, mostra um dado alarmante: mais da metade dos brasileiros acredita que direitos humanos beneficiam apenas quem não merece. Dois em cada três brasileiros acreditam que os direitos humanos defendem mais criminosos que as vítimas. Praticamente a mesma visão hegemônica sobre o tema em países como Índia e Arábia Saudita.
O senso comum transformou a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), que completa 70 anos nesta segunda-feira (10), numa espécie de inimiga da sociedade. Nas redes sociais, os 30 artigos do documento e seus defensores são muitas vezes reduzidos a "defensores de bandidos". O artigo III do texto, no entanto, é enfático: "Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e a segurança pessoal". Assim, como poderia a DUDH defender quem ameaça um direito descrito nela?
Se a segurança pessoal é um direito humano, qualquer pessoa que ameace esse direito tem de responder de acordo com a legislação porque cometeu um crime. A DUDH, contudo, estabelece que a pessoa que comete um crime é inocente até que se prove a culpa. Deverá ser julgada publicamente, de forma imparcial e com direito a defesa. E as punições não podem ser degradantes, crueis e violentas.
É aí que começa a confusão a respeito do que a Declaração Universal dos Direitos Humanos defende. Vítimas diretas ou indiretas de um crime, obviamente, têm todo o direito de se sentirem indignadas e com raiva. Devem exigir punição para quem cometeu crimes contra elas. Mas existe uma legislação no país que está em harmonia com a DUDH. Por essa razão, não há pena de morte no Brasil, já que todo ser humano tem direito à vida, ainda que cometa o crime de tirar a vida de outra pessoa.
A DUDH foi constituída no dia 10 de dezembro de 1948. Era um cenário pós-Segunda Guerra Mundial. O mundo ainda estava chocado com os horrores do Nazismo e precisava de algo que garantisse os direitos de todos os seres humanos para que se vivesse dignamente, distante de tudo o que pregava o Nazismo alemão - e muito antes o fascismo italiano, na década de 1920. A Constituição Federal Brasileira é de 1988 e que ratifica artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
"A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi um marco civilizatório da sociedade moderna. E o que vemos hoje é esse discurso de ódio, dualista e sedimentado na sociedade, criminalizando seus próprios direitos e os defensores deles", comenta o advogado José Araújo Neto, que já foi presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Pará (OAB-PA).
Em sua passagem pela comissão, o advogado se surpreendeu com os constantes ataques à DUDH e aos defensores dos direitos humanos. E desde então a OAB-PA e várias entidades promovem eventos para desmistificar os discursos. Foram feitos vários contatos com a Polícia Militar e com famílias de policiais militares vítimas da violência.
Por conta da violência em todo o Brasil, os direitos humanos costumam ser evocados sempre que um crime ocorre. Nesses casos, os defensores tentam garantir que os acusados tenham o direito a julgamento, defesa e, caso condenados, punição sem torturas ou condições degradantes, violentas e muito menos letais.
Geralmente, a ação dos defensores dos direitos humanos em relação a pessoas acusadas de cometer algum crime é evitar a violência do aparato estatal e acusações sem provas. Ou pior: que o acusado seja assassinado por justiçamento (execução chamada de "justiça com as próprias mãos"). Por isso, defensores dos direitos humanos são terminantemente contra o discurso comum nas redes sociais digitais: "bandido bom é bandido morto". Por outro lado, ninguém que defenda a DUDH diz que bandidos devam ser perdoados sem uma punição pelo crime que cometeram. Só que essa punição deve ser aliada a medidas que evitem que o criminoso volte a delinquir.
Mais da metade das pessoas encarceradas no Brasil está presa provisoriamente, ou seja, aguardando julgamento. Uma vez no sistema prisional, o encarcerado talvez tenha acesso a programas de ressocialização, que são limitados e contam com poucas parcerias da iniciativa privada. Se não tiver qualquer outra opção viável de vida longe da criminalidade, é provável que o preso seja cooptado por criminosos que mantêm, dentro e fora de presídios, estruturas de poder. E assim a criminalidade se perpetua.
A professora Carla Noura, do Mestrado de Direitos Fundamentais da Unama, analisa que a sociedade precisa compreender que os direitos humanos são de todos e não apenas de uma minoria em uma situação específica. "Somos todos humanos. Há quem queira selecionar com o discurso 'direitos humanos para humanos direitos'. Mas todos somos humanos. Ou todos temos direitos ou não temos", diz.
Todos esses direitos, descritos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, costumam ser atropelados pelo discurso de criminalização e ódio aos defensores dos direitos humanos. Discursos como "Por que o pessoal dos direitos humanos não vai na casa do policial quando ele é ferido por um bandido ou morre?".
Na prática, o policial, como servidor público, tem uma série de direitos que se estendem à toda a família. Se um policial morre, o poder público custeará o enterro, oferecerá assistência psicossocial aos familiares, pensões (se necessário), proteção... E ainda assim, aponta José Araújo, muitas famílias de policiais têm direitos humanos negados. A OAB, a Defensoria Pública e outros órgãos de defesa dos direitos humanos precisam ser provocados.
José esclarece que assim que procuradas, as instituições não negam ajuda na garantia de direitos.
A família de uma pessoa que cometeu um crime, caso venha a perder o ente tem direito a velar o corpo, se despedir e lamentar pela perda. Mas essa família não terá nenhum auxílio a enterro, nem atenção psicossocial para lidar com a perda, nem auxílios financeiros e benefícios.
"A quem interessa esse discurso contra os direitos humanos? Se as pessoas conhecerem e vivenciarem, vão cobrar. Ter acesso a ônibus, ir às urnas votar... tudo isso é direito humano que nós, sociedade, ignoramos", observa Carla Noura. "Sem compreender esses direitos, teremos pessoas alienadas e distanciadas dos próprios direitos, apenas sobrevivendo ao próprio cotidiano. Esses direitos, inclusive, são limite para pessoas que têm saudades de ditadura", conclui.
Confira a Declaração Universal dos Direitos Humanos aqui
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