Ataques nas escolas brasileiras refletem uma sociedade violenta, diz psicóloga

“Uma sociedade que, nos últimos anos, pregou o uso de armas como solução principal dos problemas. Esperamos o que com isso?”, questionou Marilda Couto

Dilson Pimentel
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“A frequência desses acontecimentos de agressão e de violência nas escolas tem aumentado sensivelmente. Mas isso é reflexo de um mal maior, o de uma sociedade extremamente violenta”. A afirmação é da doutoranda em Psicologia e mestra em Psicologia Clínica e Social pela Universidade Federal do Pará Marilda Couto.

“Uma sociedade que, nos últimos anos, pregou o uso de armas e da violência como solução principal dos problemas. Esperamos o que com isso?”, questionou. Desde agosto de 2022, o Brasil sofre mais de um ataque a cada mês em escolas.

“Isso é uma coisa muito séria que precisamos enfrentar", disse. Há recomendações da Organização Mundial de Saúde, relacionadas à necessidade dos países investirem mais no cuidado e na prevenção em saúde mental, principalmente nesse período pós-pandêmico.

"Nós temos, no Brasil, os Centros de Atenção Psicossocial, dispositivos principais da rede atenção psicossocial voltada para o cuidado em saúde mental que estão com investimentos congelados há 12 anos", afirmou Marilda Couto, que é diretora, na região Norte, da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme).

Feito por um grupo que reúne pesquisadores da Unicamp e da Unesp, o estudo contabiliza 22 ataques a escolas brasileiras desde 2002, com um total de 36 mortes. Isso quer dizer que, em 20 anos, de 2002 até julho de 2022, foram 13 ataques, uma média, portanto, de pouco mais de um ataque a cada dois anos. A média que era bienal passou a ser mensal a partir de agosto de 2022, uma explosão de violência.

Na segunda-feira (27), um adolescente de 13 anos esfaqueou pelo menos quatro professores e um aluno dentro de uma escola estadual em São Paulo. Uma professora de 71 anos morreu.  Em Belém, na tarde desta quinta-feira (30), um estudante de 17 anos esfaqueou outro, dentro da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Professora Palmira Gabriel, no distrito de Icoaraci, em Belém.

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"Os jovens estão atacando seus professores, mas também estão se matando mais”, diz psicóloga

Segundo Marilda Couto, é preciso que as autoridades se posicionem. “Existem governantes dizendo que saúde mental não é meta de seus governos, secretários de saúde que ousam dizer que saúde mental não é prioridade de suas gestões. Como não é prioridade? Os jovens não só estão matando, atacando seus professores e seus pares dentro das escolas, mas também estão se matando mais”, afirmou.

Também é grande a quantidade de jovens tomando medicação psiquiátrica. “Jovens de 20, 30 anos, que deveriam estar trabalhando, estudando, se divertindo e tendo prazer, mas estão paralisados tomando antidepressivos, estão tomando ansiolíticos", disse. "Há um mal-estar na sociedade e nós estamos sofrendo. A sala de aula de uma escola é um protótipo perfeito para incubar essa violência, por ser um lugar onde há prática de bullying, conflito entre grupos, culminando em desrespeito e falta de empatia”, afirmou..

Há um programa chamado Programa Saúde nas Escolas, que, no entanto, não tem cobertura no Brasil inteiro. “Não chega nem a 60% de cobertura. São poucos os estados e os municípios onde essa interação entre saúde e educação acontece. Nós temos desde 2020, no Brasil, lei que determina a inclusão de psicólogos nas escolas, o que também seria algo que poderia atenuar conflitos e colaborar para que relações mais saudáveis se desenvolvam", diz Marilda Couto. No Estado do Pará, entretanto isto ainda não é uma realidade, afirmou.

Mas, nesse cenário, como identificar condutas que podem resultar em comportamentos violentos? Marilda Couto falou sobre as características de uma pessoa diagnosticada com transtorno de conduta ou psicopatia e ressaltou que existem classificações atuais em manuais de diagnósticos em psiquiatria que definem isso tudo como transtorno de personalidade antissocial.

image Violência nas escolas brasileiras é reflexo de uma sociedade violência, diz psicóloga Marilda Couto (Igor Mota/O Liberal)

É preciso cautela para estabelecer diagnósticos

E, diferentemente do que o grande público possa entender por antissocial, que seria retraimento, timidez, baixa atividade e relações sociais, para a psiquiatria uma pessoa com transtorno de personalidade antissocial tem como padrão de comportamento a violação dos direitos das outras pessoas. E esse é um padrão que para efeitos do diagnóstico deve acontecer pelo menos desde os 15 anos de idade.

“Portanto, é um diagnóstico que só pode ser feito a partir dos 18. Nós não podemos falar de transtorno de personalidade antissocial em pessoas jovens abaixo de 18 anos - ou seja, em adolescentes e crianças. Se um adolescente apresentar esse mesmo padrão será diagnosticado como tendo um transtorno de conduta”, afirmou.

No adulto, esse transtorno se manifesta como uma dificuldade ou certo fracasso de se ajustar às normas sociais, àquilo que é esperado do ponto de vista da ética, do ponto de vista legal. “Então essas pessoas têm muita dificuldade de viver isso e respeitar normas”, afirmou. E isso pode levá-las, evidentemente, a complicações com a lei - detenções, e prisões.

“Então as punições costumam estar muito próximas dessas pessoas. De uma forma geral, preve-se que vão estar muito frequentemente usando subterfúgios, mentindo, vão estar usando nomes falsos, assumindo identidades que não são delas, envolvidas em trapaças, como os golpistas, por exemplo”, afirmou.

Mas é preciso muita cautela, observação e estudo para estabelecer esses diagnósticos que devem servir apenas para orientar o cuidado ou o tratamento a ser dado aquela pessoa. Também convém ressaltar que nem toda criança que apresenta um comportamento violento com seus pares ou animais vai se tornar alguém com personalidade antissocial. “Ninguém tem bola de cristal. Então não tem como a gente realmente adivinhar, prevê”, afirmou. Se fosse assim, significaria que as pessoas já nasceriam “marcadas”, boas ou más.

“E estaríamos ignorando toda e qualquer possibilidade de transformação e desenvolvimento do ser humano. O que, para a Psicologia, é inconcebível, porque nós temos que acreditar nas potencialidades do sujeito de construir e reconstruir subjetividades ”, disse.

E, na escola, acontece muito isso, por vezes pela força e rebeldia da adolescência, influência dos pares e da ação grupal os estudantes podem quebrar objetos e pichar sua escola, podem responderem aos professores de forma agressiva, não respeitando sua autoridade e outros comportamentos não aceitos socialmente que precisam ser trabalhados com limites. "Porém, não podemos afirmar que tais comportamentos vão evoluir para um padrão que defina um diagnóstico de personalidade antissocial, vindo a causar maiores danos a alguém”, disse.

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