Com PIB per capita abaixo do Haiti, Venezuela se torna país mais pobre das Américas

Realidade poderia ser pior para os venezuelanos se não fosse a demanda maior de petróleo por causa da guerra na Ucrânia

Eduardo Laviano
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Antes um dos países mais ricos da América do Sul, a Venezuela passou a ter o menor patamar sobre riqueza individual do cidadão entre todas as nações das Américas, abaixo inclusive do Haiti. O país presidido por Nicolás Maduro chegou ao final de 2021 com o Produto Interno Bruto (PIB) per capita em US$ 1.685, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), enquanto o do país caribenho marcado por conflitos internos e situação de extrema pobreza fechou em US$ 1.765. Dez anos antes, em 2011, o PIB per capita da Venezuela era superior a US$ 12 mil, segundo o FMI.

A realidade dos venezuelanos só não é pior graças a alguns fatores externos, como a guerra na Ucrânia, que aumentou a demanda internacional de petróleo no país, um dos maiores exportadores do insumo do mundo. A boa fase fez o presidente Nicolás Maduro apostar na dolarização da economia e o país deve disputar com a Polônia o título de país com maior salto de crescimento no PIB em 2022, pode inclusive registrar dois dígitos de aumento até dezembro, se seguir nesse ritmo.

Ainda assim, o país está longe de reverter os dados negativos de pobreza, fome e desigualdade que acumulou na última década. Entre 2013 e 2019, a economia encolheu 62%, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe. Só em 2021, o nível de pobreza no país chegou a 94% da população. A moeda nacional, o bolívar, perdeu 14 zeros desde 2008 e a escassez de produtos básicos de alimentação e higienes invadiu as prateleiras dos supermercados do país.

Inflação deve chegar a 500%

No ano passado, a inflação chegou a 686,4%, de acordo com dados oficiais. Já a previsão do FMI, o Fundo Monetário Internacional, é de que o ano de 2022 feche com uma inflação menor, de 500%, mas ainda assim não o suficiente para aliviar o bolso da população, seguindo como a maior de toda a América Latina. O país tem a segunda cesta básica mais cara da região, orçada em US$ 381, cerca de vinte vezes o salário mínimo definido por lei. A crise já levou mais de 4,5% milhões de venezuelanos (16% da população) a abandonarem o país.

Alexander Navarro, venezuelano que mora há nove meses em Belém e atualmente trabalha como vendedor de água e gás, afirma que veio ao Brasil em busca de uma vida melhor. “Quando você tem uma situação ruim no país onde mora, muitas pessoas te ajudam a seguir em frente. Mas não gosto de ficar em uma esquina pedindo. Aqui, você consegue dinheiro pois há dinheiro circulando nas ruas. Há trabalho. Então você pode juntar e enviar um pouco para a família. Mas lá, o dinheiro não vale nada, por conta da inflação. A situação lá se tornou extrema por conta da falta de recursos, de comida e de serviços públicos. Não dava mais para ficar", conta.

Economia na América do Sul é foco de preocupação, aponta FMI

A economia da América do Sul tem tido impactos consecutivos relacionados a alta dos juros no mundo todo, escassez de insumos, guerra entre Rússia e Ucrânia e escalada inflacionária. Para o Fundo Monetário Internacional, a região é o principal foco de preocupação socioeconômica de 2022, com um acréscimo do Produto Interno Bruto estimado em apenas 2,5%, um freio brusco no processo de retomada de crescimento pós-pandemia de covid-19 da região.

Argentina bate recordes negativos

Na Argentina, por exemplo, a crise econômica e política já produz números que bateram recordes: 4 em cada 10 habitantes do país vivem na pobreza ou na miséria. Por lá, a inflação já passa dos 64% e a desvalorização do peso em relação ao dólar só acentua a vulnerabilidade econômica do país. O mesmo acontece quando a moeda argentina é comparada com o real brasileiro. Em 2019, R$ 1 comprava 14,9 pesos. Agora, o valor corresponde a 25,1 pesos. Para se ter a dimensão da crise, o carro mais barato do país, o Fiat Mobi, custa o equivalente a R$ 95 mil, 75% a mais do que há um ano atrás.

image Quatro em cada 10 habitantes da Argentina, governada por Alberto Fernandez, vivem na pobreza ou na miséria (Divulgação)

O país também está altamente endividado, o que não é uma novidade considerando os últimos 20 anos, mas agora há o acréscimo dos gastos massivos do governo de Alberto Fernandez para minimizar os impactos da pandemia de covid-19. A dívida bruta da Argentina, segundo o Ministério da Economia do país, era de 80,1% de todo o Produto Interno Bruto do 1º trimestre de 2022.

O Brasil tem um percentual menor, de 78,5%. Porém, no caso do país vizinho, 55,5% da dívida é em moeda estrangeira, uma realidade preocupante para um país com reservas internacionais baixas, de aproximadamente US$ 39,5 bilhões. Para título de comparação, as reservas do Brasil ultrapassam US$ 378,4 bilhões, fato que mantém o Brasil sendo visto positivamente por órgãos como o FMI.

A turbulência desaguou na política, com um racha entre Fernandez e a vice, a ex-presidente Cristina Fernández Kirchner. Só nos últimos dois meses, Cristina forçou a demissão do ministro da Economia, Martin Guzman, considerado muito pragmático pela ala mais peronista do governo. Ela emplacou a economista Silvina Batakis no cargo, que foi demitida 24 dias após assumir. Ela foi substituída na última semana pelo presidente da Câmara dos Deputados, Sérgio Massa.

Alguns outros países também estão enfrentando altas bruscas na inflação. O Chile, com uma nova constituição recém-aprovada no bojo da eleição de Gabriel Boric, de 36 anos, teme estar revivendo os resultados do PIB em 2020, quando a economia do país encolheu 6%. Trata-se da pior recessão do país em quatro décadas e, em 2022, a inflação já passa dos 10%. É a primeira vez que o índice chega aos dois dígitos desde 1994.

A Colômbia caminha para o mesmo rumo. O primeiro presidente de esquerda da história do país, Gustavo Petro, assume o país neste mês com uma inflação que já chega a 9,7%. Para tentar conter a disparada, o Banco Central da Colômbia já anunciou aumento da taxa de juros para 9%.

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