Mulheres guerreiras buscam conhecimento para transformação pessoal e social
Maria Andrelina e Vânia Pires são mulheres marajoaras que representam a força e a coragem para vencer as batalhas diárias
Maria Andrelina e Vânia Pires são mulheres marajoaras que representam a força e a coragem para vencer as batalhas diárias
Hoje, no Dia Internacional da Mulher, a página MULHER dedica o espaço à história de duas marajoaras que não se conhecem, mas que têm muitas características em comum e que representam a realidade de milhares de outras mulheres não só do Pará, mas também por esse Brasil. São daquelas personagens guerreiras, que vencem todos os dias as batalhas impostas e que buscam no conhecimento o principal meio para mudar de vida.
Maria Andrelina Correa dos Santos tem 60 anos e Vânia Leyla Gomes Figueiredo Pires vai entrar para o time das sexagenárias em outubro. Maria é mãe de um filho e Vânia de dois. As duas são da ilha do Marajó e sabem que só por meio do estudo têm condições de mudar suas vidas e a de quem está ao seu redor.
Maria ama gastronomia e chegou a ficar em segundo lugar no reality "Égua do Chef", realizado pelo Grupo Liberal, em 2019. Com a colocação, Maria Andrelina ganhou uma bolsa de 50% no curso, mas em virtude de condições financeiras precisou interromper a graduação. Andrelina interrompeu a graduação, mas não os estudos. Atualmente, por exemplo, ela está no terceiro semestre do curso técnico de alimentação escolar.
"Eu já trabalhei com várias coisas, fui bilheteira no cinema Olimpia, trabalhei com eventos, mas a gastronomia é o que amo. Eu busco sempre novos cursos. Eu estava trabalhando em escolas como merendeira, por isso, estou fazendo esse curso técnico", diz Maria Andrelina.
Assim como Maria, Vânia já trabalhou em várias profissões, as mais recentes foram como lavadora de ônibus e carga pesada, função dita "masculina", e cobradora. Mas em meio a essas funções, Vânia sempre fez vestibulares para obter curso superior. Ela chegou a fazer comunicação social e pedagogia, mas precisou interromper o sonho em decorrência de precisar de cuidar do filho caçula, que é especial.
"Eu fazia os vestibulares, cheguei a passar umas três vezes, mas nunca consegui terminar, pois precisava interromper os estudos para poder cuidar do meu filho", diz Vânia. Atualmente, Vânia cursa o 3º ano de Ciências da Religião na Universidade do Estado do Pará (Uepa).
Ao olhar para trás, essas duas mulheres assim como tantas espalhadas por esse país, têm motivos para se orgulhar de suas trajetórias. Maria Andrelina teve 10 irmãos, ela recorda dos miúdos de boi que seus pais compravam para alimentar os filhos. "Eram muitas crianças e a gente comia esses miúdos que sobravam", recorda.
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Na adolescência, Maria saiu do Marajó e veio para Belém com a família para estudar e buscar melhores condições de vida. "Meu pai era pescador e morreu afogado. Minha mãe ficou sozinha e criou os filhos. Já adolescente eu vim para a casa de um dos meus irmãos, em Belém. Depois veio a minha mãe com os meus demais irmãos e por aqui fomos nos estruturando", conta Andrelina.
A infância de Vânia começou com rejeição da própria mãe. "Minha mãe era uma jovem de 21 anos quando me teve, ela engravidou de um homem casado. Depois do trabalho de parto ela me deixou lá mesmo na Santa Casa para adoção. Mas a minha avó, mãe dela, soube disso depois de oito meses e foi atrás de mim", conta Vânia.
A avó de Vânia conseguiu descobrir o paradeiro da neta e foi até ao local armada com uma espingarda. "A pessoa que me adotou não queria me entregar, mas a minha avó ameaçou atirar e, assim, ela me teve de volta", recorda Vânia, que diz que hoje em dia consegue compreender sua mãe pela atitude que teve.
"Hoje em dia está tudo resolvido. Eu entendo muito bem minha mãe, pois como é que uma mulher preta poderia dizer que estava grávida de um homem casado? Era um peso muito forte para ela", reflete Vânia.
Maria Andrelina foi influenciada pela apresentadora Xuxa a ter seu filho, que ela diz que é a melhor conquista de sua vida. "Foi naquele momento que a Xuxa falava de filho, que queria engravidar e eu disse 'também tenho que ter meu filho'". E teve. Maria diz que desde quando seu filho Matheus nasceu ele sempre foi um menino de sorte.
"Ele sempre foi muito amado, eu sempre recebi muito apoio e ajuda. A minha família me ajudou, pessoas próximas, as escolas que ele estudava era por meio de bolsas. Assim foi a minha luta, mas sempre ali com muita felicidade. Hoje o meu filho já está formado e é meu grande amigo", se orgulha Maria Andrelina.
Vânia também se orgulha da família que tem, pois assim como sua avó, ela tem o dom de ajudar as pessoas próximas e cultivar uma grande família. "Eu fui criada em comunidade quilombola, onde todos são da mesma família e isso é muito bom para ter o senso de coletividade", pontua.
Como mulher, tanto Vânia como Maria Andrelina sabem das dificuldades que são impostas não apenas pela questão de gênero, mas também por serem mulheres negras e elas dizem que o reconhecimento da cor da pele lhe fazem ser mulheres mais fortes e conscientes do mundo e do poder de pertencimento.
"Saber quem nós somos é o primeiro ponto para sabermos dos nossos direitos e lutar por eles. E junto a isso, vem a busca pelo conhecimento e estudo, pois meu avô sempre dizia que que lê é dono de si e cidadão do mundo”, diz Vânia. E é nesse caminho que essas marajoaras seguem suas vidas e vêm vencendo as batalhas diárias.