Mulheres no apito: a arbitragem feminina quebra barreiras no futebol

A celebração do Dia Internacional da Mulher traz à tona luta diária pela equidade no esporte, onde o talento e a determinação ditam as regras num universo ora dominado por um único gênero

Luiz Guillherme Ramos

A cada ano que passa, a universalização das práticas esportivas transforma a realidade de modalidades que antes eram alvo preferencial de um único público. Com isso, hoje é possível ver e aplaudir com frequência performances que vão muito além do estereótipo masculinizado, que, por décadas, monopolizou os gramados, quadras e arenas esportivas. Em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, O Liberal traz histórias que engrandecem a luta feminina e mostram que, sim, é possível equalizar o prazer de competir em alto nível, independentemente do gênero.

Uma das modalidades que vêm acompanhando essa movimentação universal é o futebol, o esporte mais praticado no Brasil, que hoje atrai muitas mulheres, estejam elas nas arquibancadas, nas quadras ou no comando, como é o caso da árbitra Gleika Pinheiro, de 24 anos, que, desde 2015, integra o quadro de arbitragem da Federação Paraense de Futebol. Ao longo dos anos, Gleika trilhou um caminho árduo, sem nunca cogitar a possibilidade de arrependimento pela escolha profissional.

"Eu entrei na arbitragem em 2015, como instrutora física, junto com o meu treinador, que era o instrutor físico principal. Em 2016, fiz o curso de arbitragem e me formei no ano seguinte. Passei pelas categorias de base até o profissional, onde estreei em 2021, na segunda divisão. Já no profissional da primeira divisão, eu entrei no ano seguinte, na partida entre Castanhal e Itupiranga. Desde então, eu sigo, passei como quarta árbitra, árbitra, e hoje estou aqui", relembra a profissional formada em Educação Física, que praticou atletismo de alto rendimento dos 8 aos 23 anos e depois migrou para um mundo ainda desconhecido.

image Gleika Pinheiro esteve presente na final da Supercopa Grão-Pará. (Silvio Garrido)

"Naquele momento, eu não possuía conhecimento algum sobre futebol e arbitragem, mas essa dificuldade apenas me fortaleceu, pois sou uma pessoa muito determinada e não desisto dos meus objetivos", conta. Ao longo da jornada, passou por diversas experiências que foram moldando seu perfil profissional e a levaram, anos depois, para uma histórica final de campeonato, a primeira com uma mulher no comando da arbitragem.

"Ser escolhida para apitar a final da Supercopa Grão-Pará representou um marco significativo em minha carreira, pois foi a primeira vez que uma mulher apitou uma final do campeonato profissional da primeira divisão masculina. Entretanto, minha satisfação foi ainda maior ao encerrar o ano de 2024 apitando a final do Campeonato Paraense B1 e iniciando o ano seguinte com outra final. Para qualquer profissional da arbitragem, realizar um feito tão grandioso é motivo de grande honra. Graças a Deus, pude vivenciar tudo isso com sabedoria e determinação, conduzindo ambos os jogos sem polêmicas", explica.

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Desafios

A estrada percorrida pela árbitra, no entanto, não foi — e continua não sendo — das mais fáceis. Por vezes, as mulheres precisam vencer etapas não apenas com talento, mas também com a força e a coragem de quebrar paradigmas, transformando uma realidade desigual em um terreno fértil para o talento em sua forma mais genuína. "Por ser um ambiente historicamente dominado por homens, muitas vezes enfrentamos atitudes machistas, inclusive por parte de alguns colegas de trabalho. Embora não sejam todos, há aqueles que tentam desmerecer o esforço e a trajetória de uma profissional por inveja ou ciúmes, especialmente quando não são escalados. Isso é lamentável, mas jamais será motivo para que eu desista dos meus objetivos", acrescenta, ao mesmo tempo em que enumera as necessidades que precisou superar para chegar ao atual momento.

image Durante a final do Campeonato Brasileiro Feminino de 2024. (Divulgação)

"O primeiro e maior desafio para nós, mulheres, é acreditarmos em nosso potencial, buscando conhecimento por meio dos estudos, dos treinamentos físicos e técnicos e da inserção da nossa categoria no futebol, sem nos auto sabotar. Além disso, há um desafio institucional: a federação precisa demonstrar aos clubes que as mulheres da arbitragem paraense possuem qualidade para atuar em jogos das divisões profissionais masculinas".

O exemplo mais nítido desse preconceito que ainda insiste em existir ocorreu em dezembro de 2024, quando ela, ao lado de Nayara Lucena e Ederson Albuquerque, foi alvo de comentários machistas proferidos por um radialista que narrava a final da Série B estadual, entre Capitão Poço e Independente.

image Ao lado das mulheres que compõem o quadro feminino de arbitragem da FPF. (Arquivo Pessoal)

"Ao tomar conhecimento das palavras proferidas por um 'suposto locutor esportivo' em seu canal do YouTube para milhares de pessoas, percebi que nenhuma daquelas declarações me representava. Esse episódio serviu apenas para fortalecer o nosso quadro feminino de arbitragem. Eu e Nayara recebemos muita força para superar aquele momento difícil. Infelizmente, ainda enfrentamos situações como essa dentro do futebol paraense e até mesmo no futebol brasileiro como um todo. No entanto, nada daquilo me desmotivou", diz ela, que, em contrapartida ao universo misógino, encontra uma fortaleza de apoio em quem realmente pode ajudar a mudar a realidade.

"Sou muito grata ao presidente Ricardo Gluck Paul (FPF)e a Fernando Castro (Comissão de Arbitragem) por acreditarem em minha capacidade física e competência, sem qualquer distinção de gênero, para atuar em uma final de grande porte. Hoje, temos três mulheres aprovadas no teste físico masculino, atuando em competições de alto nível pela FPF e pela CBF. Dessa forma, seguimos nos apoiando mutuamente para enfrentar os desafios dessa jornada. É importante destacar que muitos homens do nosso quadro de arbitragem nos incentivam e nos apoiam, demonstrando que nem todos compartilham da visão ultrapassada de que o futebol não é um espaço para mulheres".

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