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Caso Afonso Rossa: morte súbita gera debate no futebol paraense sobre assistência médica na base

Segundo relatos oficiais do Águia, Afonso se sentiu mal durante o aquecimento do time, sentou-se no banco e caiu no chão, deixando o mundo do futebol de luto

Nilson Cortinhas
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Aos 19 anos, natural de Porto Alegre, Afonso Rossa sempre fez jus a reputação do gaúcho. Era disciplinado, muito além de um adolescente da idade. O seu comportamento refletiu no processo de escolha do que pretendia ser: jogador de futebol. A mãe, Carla Rossa, disse que o filho optou pela profissão “desde antes de nascer”.

“Todos os dias, quando pequeno, antes de dormir, a última frase dele era ‘eu quero ser jogador de futebol. Ele vivia futebol o dia todo, de manhã ia na academia, de tarde treinava nos clubes, quando voltava ou quando não tinha treino, ia treinar na orla do rio, onde tem umas quadras, ou em algum parque, era a vida dele... Não existia a possibilidade de ser outra coisa”, reiterou Carla, lembrando de um episódio que a deixou apreensiva, como toda mãe, diante do futuro do filho. “Quando ele terminou o ensino médio, não quis nem pensar em faculdade, não tinha outra profissão possível. Nós vivemos esse sonho dele por 19 anos”, disse.

A trajetória de Afonso mostra que ele foi perspicaz, dedicado e, sobretudo, disciplinado. O futebol era uma meta possível. Rodar o mundo era só um detalhe nesse caminho. “O Afonso jogava aqui no Rio Grande do Sul, começou numa escolinha de futebol, depois ficamos um ano na Espanha e ele jogou no Deportivo Córdoba. Na volta, fez a base por dois anos no São José, de Porto Alegre, depois jogou no Jaú e Aimoré. Ele foi para Marabá realizar o sonho”, lembrou a mãe.

Infelizmente, foi no Águia de Marabá, clube fundado em 1982, que o sonho foi interrompido de uma forma brusca. No dia 18 de maio, enquanto a equipe profissional do Águia se preparava para um dos jogos mais importantes da sua história, contra o São Paulo, na Copa do Brasil 2024, a equipe de base cumpria agenda da Copa Pará Sub-20, diante do Carajás, em Parauapebas, no estádio Rosenão.

Segundo relatos oficiais do Águia, Afonso se sentiu mal durante o aquecimento do time. Ele se sentou no banco e caiu no chão, surpreendendo os companheiros. Lá, o mundo do futebol ficaria de luto. Um infarto fulminante interromperia a carreira de um adolescente sonhador.

“O Águia de Marabá lamenta profundamente o falecimento do zagueiro da equipe Sub-20, Afonso Rossa, natural do Rio Grande do Sul, após passar mal momentos antes da partida contra o Carajás, pela Copa Pará Sub-20, que foi cancelada. O clube está dando todo o apoio necessário aos familiares”, foi o relato do clube, consternado.

Debates

Mais de sete meses depois do caso Afonso pairam dúvidas. Os exames periódicos e mais específicos, apropriados para um atleta, estavam em dia? O Águia de Marabá terceiriza o serviço para a base. Mas, garante que presta e prestou o atendimento em saúde necessário para os garotos que sonham em ser jogadores profissionais, como Afonso. Ainda conforme o clube, o laudo da morte não foi confirmado pela família, que, até então, preferiu o silêncio.

A entidade máxima do futebol internacional, a Fifa, orienta, em protocolo, que quando qualquer jogador “cai no campo sem ter tido contato com outro, será considerado como sofrendo parada cardíaca súbita”. Não há relatos que houve atendimento a Afonso no gramado, imediatamente. O que se sabe é que ele foi socorrido por uma ambulância, mas não resistiu.

Campeão paraense em 2023, o Águia não tinha médico fixo. Em jogos da base e do profissional, o clube tinha como medida administrativa contratar profissionais de saúde na cidade em que está jogando. O problema foi solucionado para 2025. Finalmente, um médico foi contratado.

Legislação

A Lei Geral do Esporte, que substituiu o Estatuto do Torcedor, legisla sobre o assunto, conforme explicações do médico Flávio Freire, que é diretor médico da Federação Paraense de Futebol.

“A nível nacional, o antigo estatuto do torcedor obriga o (clube) mandante a providenciar uma ambulância UTI, com desfibrilador, todo o suporte necessário, com médico e enfermeiro. E cada clube tem que ter o seu médico no campo. Se o clube não tiver médico, o outro pode trabalhar pelos dois times. Mas, o clube que não tiver médico vai ser penalizado, de acordo com o regimento de cada federação. Há federação que adverte por escrito. Outras que advertem com multa”.

Não há informações oficiais que o Águia ou o Carajás tenham sido advertidos ou multados – o Carajás era o mandante do fatídico evento esportivo não realizado, em que Afonso faleceu no aquecimento.

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Família

A reportagem conseguiu um contato com a mãe de Afonso. Solícita, ela defendeu a versão de fatalidade. “O que aconteceu com meu filho infelizmente foi morte súbita, comum em atletas jovens de diferentes esportes. Neste ano, aconteceu também com o jogador do Nacional, Uruguai, Juan Izquierdo”, explicou ela, que se refere a um zagueiro de 27 anos, que morreu em setembro. Izquierdo teve uma arritmia cardíaca, durante um jogo contra o São Paulo, na capital paulista, pela Libertadores da América.

No caso do uruguaio, ocorreram questionamentos a respeito do protocolo de atendimento. No caso de Afonso, as informações são baseadas em relatos.

Carla explica que a própria família disponibilizava atendimento em saúde apropriado, por uma questão de segurança. “O Afonso joga futebol desde os quatro anos, sempre foi acompanhado em exames médicos, especialmente cardiológicos, e nunca apresentou nenhum problema. Temos consciência que em clubes que formam atletas de base, a exceção dos clubes com mais destaque, não realizam ou exigem exames médicos. Muitas vezes é realizado um eletrocardiograma e algum médico atesta o bem-estar do atleta, e isso é aceito pelas federações de futebol. Tendo isso em consideração, sempre optamos por realizar os exames por nossa conta”, explicou.

Ela não guarda mágoas do Águia, mas deixou um pedido com a propriedade de uma mãe enlutada. “A respeito da morte do meu filho, recebemos todo o apoio e suporte logístico do clube, em nenhum momento, nos sentimos abandonados, mas sabemos que isso não é algo comum nos clubes no que diz respeito a lesões de menor ou maior gravidade”, detalhou. “Seria fundamental os exames médicos antes do início de cada temporada, ou em transferência para atletas da base, a exemplo do que ocorre com os profissionais, assim como a presença de ambulâncias em jogos e desfibriladores de fácil acesso, com equipes capacitadas, sendo as federações responsáveis por esse suporte. Mas, infelizmente, no Brasil essa ainda é uma realidade muito distante”, declarou.

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Entrevista

Menos de um mês antes do início do Campeonato Paraense 2025, o médico do esporte, Flávio Freire, que também é gestor médico da Federação Paraense de Futebol, conversou com a reportagem e revelou uma preocupação com a assistência de quem está na ponta – os clubes do futebol.

1 - O que seria o básico de exames e afins para um jogador atuar no futebol de base, por exemplo, que foi o caso do Afonso?

Segundo as diretrizes da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte e da Sociedade Brasileira de Cardiologia, o mínimo necessário para prática esportiva é uma avaliação clínica e um eletrocardiograma. O ideal, em atletas de alta performance, é acrescentar um teste de ergométrico ou de esforço.

2 - A FPF faz esse controle dos clubes que realizam esses tipos de exames? Ou fica difícil englobar todos os clubes de todas as competições?

Seguimos orientações da CBF na qual categorias de base, feminino além do profissional, tem a obrigatoriedade da assinatura de um médico responsável no documento que vincula o atleta a agremiação. Sem esse aval, o atleta não é legalizado para competir. Sabemos das dificuldades que alguns clubes possuem diante do acesso ao médico e exames, mas temos que entender que a saúde dos atletas está em primeiro lugar.

3 - O senhor teve informações sobre o caso especificamente do Afonso?

Fui acionado logo após o ocorrido. Entrei em contato com o presidente do Águia e o fisioterapeuta que acompanhavam a delegação naquela partida e recebi os dados relacionados a avaliação clínica do atleta. Estavam em dia. É importante frisar que, mesmo diante de todos os cuidados necessários, existe um percentual de chance de morte súbita.

4 - Nesse momento, em que o campeonato estadual vai retomar, é possível observar diferenças de cuidado entre o profissional e a base? O que o departamento de saúde consegue identificar entre os times profissionais?

As orientações médicas envolvendo futebol de base profissional são praticamente as mesmas. O importante é o acompanhamento desses atletas devido a diferença do calendário - profissionais tem um período maior que os da base e o feminino na maioria das vezes.

O cuidado devido a carga exigida pela prática esportiva deve ser mantido não só pré, mas ao longo da competição, tanto dentro (suporte de ambulância e urgência e emergência) quanto fora dos campos (avaliações clínicas dos clubes).

Nessas avaliações, podemos identificar fatores que podem comprometer a saúde dos atletas como distúrbios cardiovasculares (arritmia cardíaca, por exemplo) ou em situações mais raras alterações hepáticas, renais e até tumores.

Nota da redação:

A reportagem fez contato com clubes do futebol paraense, de um porte semelhante ao Águia, para detalhar a assistência médica aos jogadores, seja da base ou dos profissionais.

O São Francisco, de Santarém, informou que tem “toda a estrutura de saúde e preparação física: médico, fisioterapeuta, preparador físico e etc. Os garotos da base têm todo um suporte de profissionais de saúde de Santarém. O clube mantém parcerias com clínicas”, informou a assessoria do clube. O Castanhal e o Santa Rosa também informaram que tem médico fixo e levam para os jogos.

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