Pecuaristas criticam proposta de restrição de crédito ao setor

Produtores paraenses avaliam que medida dos banqueiros evidencia desconhecimento sobre o setor produtivo local

Fabrício Queiroz
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A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) planeja limitar a concessão de crédito para frigoríficos cuja atividade esteja ligada direta ou indiretamente ao desmatamento ilegal na Amazônia. As informações sobre o projeto começaram a circular no início deste mês em notícia do jornal Valor Econômico, mas logo repercutiram negativamente no agronegócio local.

Segundo a publicação, até 2025, os negócios teriam que garantir que não adquirem gado oriundo de áreas onde foi detectado desmatamento na região para poder ter acesso às linhas de financiamento. Desta forma, seria imposto um mecanismo de rastreabilidade da carne, tendo como foco o topo da cadeia, que é o abate, mas que iria repercutir também nos empreendimentos que lidam com a criação dos animais. A entidade, que congrega as maiores instituições financeiras do país, foi acionada pela reportagem de O Liberal, mas preferiu não esclarecer detalhes da proposta.

A medida, no entanto, causa revolta entre produtores rurais como Gastão Carvalho. Ele é natural de Minas Gerais, mas já vive no Pará desde 1975, onde desenvolveu uma carreira como administrador de empresas e exportador de gado vivo, atuando principalmente no município de Paragominas.

“O que eles estão querendo fazer é nos controlar como se nós fossemos uma colônia deles. Querem ligar o desmatamento ilegal à pecuária”, pontua o pecuarista, que vê o projeto como estratégia de marketing. “Alguns publicitários lá da (avenida) Paulista estão querendo comandar o negócio aqui na Amazônia”.

Efeito pode ser desastroso

Para Gastão Carvalho, o efeito da restrição da oferta de crédito rural pode ser desastroso para o setor produtivo local, que estaria na mão dos maiores empreendimentos de abate. “Os dois grandes frigoríficos que estão na região, a Minerva e a JBS, é interessante para eles fazer isso porque aí eles controlam o mercado. Mas a potência econômica que é a pecuária não está sendo considerada. Eles esquecem que nós somos humanos”, diz ele, criticando a falta de diálogo com os produtores locais.

Carvalho salienta que atualmente o principal comprador da carne paraense é o mercado asiático, sobretudo a China, que, segundo ele, possui fortes medidas de controle sanitário e ambiental para a importação do gado. Apesar disso, o pecuarista considera que a limitação do crédito indica um risco de retração das operações. “Os bancos estão no caminho totalmente errado. Eles diminuindo o crédito vão restringir o desenvolvimento da nossa região”.

Já para o zootecnista e diretor da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Pará (Faepa), Guilherme Minssen, a FEBRABAN atua somente em favor dos interesses dos banqueiros e da região Centro-Sul, desconsiderando as demandas dos empreendedores locais. “É como eles sempre procederam, principalmente o pessoal do sudeste em relação à Amazônia, e também com discriminação total ao Norte. É uma total falta de respeito num país federativo, onde todos os estados merecem poder trabalhar”, criticou.

Já existe rastreabilidade, diz produtor

Minssen pontua ainda que o agronegócio já possui medidas de rastreabilidade, que envolvem desde a análise de critérios sobre a sanidade animal até a proteção de áreas de reserva legal, conforme os parâmetros do Código Florestal Brasileiro e com o uso de instrumentos como o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e o Licenciamento Ambiental Rural (LAR). Para o pecuarista, medidas como essa buscam limitar as alternativas de crescimento econômico da região.

“Várias pessoas de bom senso sabem que os 20 milhões de habitantes que há na Amazônia não podem mais viver de caça, pesca e extrativismo vegetal. Nós temos a maior área de proteção, não precisamos derrubar uma árvore sequer em qualquer área e temos também uma produtividade maior em vários setores do agronegócio que hoje que dominamos. Essa é uma guerra econômica e eles sempre tentam se defender e se precisar rifar a Amazônia, não vão pensar duas vezes. Isso não é de hoje, é de bastante tempo já”, afirmou o diretor da Faepa.

Medida "não traz prejuízo"

Por outro lado, o coordenador do movimento Aliança Paraense pela Carne, Francisco Victer, avalia que a autorregulação da Febraban está em acordo com normativas e regulações do âmbito da responsabilidade socioambiental. Sendo assim, não deve haver grande impacto para os produtores paraenses, que, desde 2009, se adequaram ao Termo de Ajustamento de Conduta da Carne. “Essa iniciativa dos bancos, apesar de restringir e impor mais condições de acesso ao crédito, não trazem prejuízos. Ao contrário: induzem a melhoria da gestão, reduzem os riscos do negócio e tornam mais competitivos nossos produtos”.

Mesmo adotando uma postura mais ponderada, Victer considera que a medida não pode se limitar a coibir práticas, mas que seria necessário também incentivar outras estratégias. “Na nossa opinião, esse modelo pode e deve ser aperfeiçoado. Em vez de apenas restringir o acesso ao crédito e aos mercados, a política deveria ser também inclusiva, valorizando as boas práticas com condições mais vantajosas nos financiamentos e remuneração melhor dos produtos”, aponta.

"Compromissos públicos dos bancos"

No comunicado enviado à redação de O Liberal, a Febraban afirmou que “as discussões em torno de um protocolo voltado à gestão do risco de desmatamento na cadeia de carne ainda estão em fase inicial, são de âmbito interno, com seus grupos técnicos e comitês temáticos”. Acrescentou ainda que essa iniciativa se complementa a outras já adotadas que visam a “reforçar os compromissos públicos dos bancos com o combate ao desmatamento ilegal e a promoção de atividades agropecuárias que estejam alinhadas com este objetivo”.

Nesse sentido, a instituição disse que está em vigor uma normativa que já condiciona o crédito rural às evidências de que os clientes não sejam alvos de embargos federais por desmatamento ilegal, independente do bioma em que o produtor esteja inserido. Da mesma forma, a FEBRABAN pontuou que os bancos brasileiros estão sujeitos às normas do Banco Central do Brasil, que também orienta a restrição do crédito para negócios com impedimentos socioambientais, como a sobreposição com Unidades de Conservação e Terras Indígenas, a inexistência do CAR e a existência de embargos por desmatamento ilegal na Amazônia.

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