Frutas nativas da Amazônia têm janela pequena de oferta, mas chamam a atenção de consumidores
Moradores de Belém dizem que não conseguem ficar sem comprar uxi, pupunha e tucumã. A safra dessas frutas é no primeiro semestre, então os clientes não têm acesso o ano todo.
A Amazônia tem muitas peculiaridades quando se fala em alimentação. Suas frutas, com sabores diferenciados e marcantes, ganharam o coração e o paladar dos paraenses e até de pessoas de fora, mas são difíceis de ser encontradas em determinados períodos do ano.
Isso porque, segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), 80% das safras de frutas nativas - como são chamados os alimentos que nascem na região - ocorrem no primeiro semestre. Ou seja, na segunda parte de cada ano não há produção e, portanto, nem colheita. E os poucos frutos que são encontrados têm o preço elevado.
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De acordo com o pesquisador da área de fruticultura Urano de Carvalho, da Embrapa, o que impede que as frutas nativas sejam conhecidas em mais lugares é a janela pequena de oferta que elas possuem. A abundância desses alimentos no mercado se dá sempre no primeiro semestre, como é o caso do cupuaçu, bacuri, uxi, piquiá, pupunha e tucumã, por exemplo.
No segundo semestre, são poucos os frutos que têm grande produção - apenas açaí, com pico em setembro e outubro, e muruci, principalmente em novembro e dezembro. O bacuri é “impossível” de ser encontrado a partir de junho, segundo o pesquisador, assim como o uxi. A única alternativa, nesses casos, é conservar ou comprar o fruto em polpas.
Os dados da Empresa apontam que, das 220 espécies amazônicas que têm uso como frutas comestíveis, somente de 10 a 15 são conhecidas por grande parte da população. A que tem mais destaque nacionalmente é o cupuaçu, diz Urano, mas não da forma como os povos da região consomem.
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“Não é bem aceito como fruta ou sorvete, porque tem um aroma e um sabor muito fortes, que não agradam muito. Uma forma muito boa de conquistar novos mercados é fazendo doce, para uso na confeitaria ou indústria de sorvete. Chefes de cozinha adoram cupuaçu como recheio para bolos”, pontua.
Mas, para isso, o especialista diz que é preciso ter uma produção de doce de cupuaçu bastante padronizada, para que qualquer lote que chegue aos chefes tenha o mesmo sabor, doçura, acidez e qualidade.
“Nenhum chefe de cozinha faz doce de leite, por exemplo, já compram pronto para usar. E na polpa congelada de cupuaçu tem água, embora seja proibido pela legislação, por isso é melhor trabalhar com a fruta fresca, só que é difícil encontrar a fruta fresca fora da safra”.
Procura
Vendedor de frutas nativas no mercado Ver-o-Peso, José Rocha afirma que, nos primeiros meses do ano, a procura é grande, até porque os produtos ficam baratos. Ele trabalha com frutas como uxi, tucumã, ingá, cupuaçu, cajarana e fruta-pão. “Nessa época agora é muito bom, a procura é grande, principalmente em janeiro, fevereiro e março. E está barato. O pessoal gosta bastante, já tenho muitos clientes fixos em Belém”, comenta.
Os turistas também compram, segundo ele, e uns gostam, outros não, dependendo do sabor de cada uma. Algumas são doces e outras azedas. Por exemplo, o tucumã e o ingá são doces, explica o vendedor, enquanto a cajarana e o cupuaçu são azedos. O uxi é a fruta com o sabor mais “diferente”, de acordo com José. “O bom é que tem variedade, pode fazer suco, pode fazer sorvete. E tem frutas que as pessoas nem conhecem, como camapu e tucumã”.
A dona de casa Vanilde Furtado, de 67 anos, consome as frutas nativas da Amazônia com muita frequência e adora, especialmente uxi, pupunha e tucumã. “Gosto muito das nossas frutas, compro quando está na época, porque só dão no fim de janeiro, início de ano, fora do tempo não encontra, fica difícil”, ressalta a consumidora.
O preço depende do período, segundo ela. Vanilde detalha que, em alguns dias, estão baratas, e às vezes ficam mais caras. Dias atrás, ela comprou no Ver-o-Peso 20 uxis por R$ 5. Já da última vez, nesta semana, percebeu que o valor era o mesmo, mas a quantidade ficou menor. “É uma fruta que gosto muito, acho o preço razoável. Como gosto, sempre compro. Eu estava viajando no início do ano e fiquei preocupada de voltar e não conseguir encontrar mais. No supermercado não tem, só na feira”, ressalta a paraense.
Já a aposentada Alice Wanzeler, de 70 anos, é ribeirinha de Cametá e cresceu comendo alimentos típicos da Amazônia, como peixe e açaí. Das frutas, gosta de todas. “São as minhas prediletas, ele [vendedor] é testemunha”, argumenta a consumidora. As suas frutas preferidas são pupunha, uxi, tucumã, inajá e ingá, mas, na verdade, diz que ama todas as nativas do Pará, que come com a “farinha baguda” tradicional do Estado. “O sabor é a coisa mais gostosa que pode existir, é lindo, ótimo. Não quero saber de sorvete, quero pura mesmo, natural”.
Na opinião dela, as frutas são fáceis de se encontrar quando estão “na época”, que é o início do ano. Em algumas safras, a aposentada diz que os alimentos ficam mais caros, mas, como é cliente fiel do vendedor do Ver-o-Peso, acaba ganhando algum desconto quando vai até lá, mais ou menos de 15 em 15 dias.
Variedade
A Amazônia também tem outras opções de frutas nativas, como o bacuri, que, segundo Urano de Carvalho, tem a possibilidade de conquistar novos mercados, mas enfrenta um desafio: a produção é tão pequena que mal atende à demanda interna, com cerca de oito mil toneladas anuais. A pupunha também tem um sabor típico da região, mas, para ter qualidade, apenas com a oferta sazonal.
Negligenciado, o muruci poderia ser melhor explorado, na opinião do pesquisar, porque, embora não tenha um sabor que agrade a todos, tem despertado o interesse de chefes de cozinha por causa do aroma, e vem sendo usado como molho para o preparo de peixes, carnes e mariscos.
Já o uxi, que até 20 anos atrás era visto como “inferior”, passou a conquistar o paladar dos paraenses quando entrou para a rotina das sorveterias locais. “Passou a chamar atenção pelo sabor e o aroma, porque não é muito ácido e tem um aroma suave e agradável. Além de ser rápido para colher, tem boas propriedades nutricionais”, destaca Carvalho.
Muito usado para o consumo da fruta natural e em sucos e sorvetes, o tucumã é outro alimento típico da Amazônia, sendo que existem duas espécies: a do Pará e a do Amazonas. Ele chega a ser mais caro, diz Urano. Há ainda o ingá, outra opção amazônica que também tem preços mais elevados, de acordo com a Embrapa. Mas algumas espécies são desconhecidas até mesmo localmente, como cupuí e biribá.
Conheça algumas frutas nativas da Amazônia:
- Açaí
- Cupuaçu
- Pupunha
- Bacuri
- Uxi
- Piquiá
- Tucumã
- Muruci
- Ingá
- Inajá
- Cupuí
- Biribá
- Camapu
- Cajarana
- Bacaba
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